• Não é vingança…
Você, que está lendo esse texto, chegou em um momento histórico deste blog. Estou inaugurando hoje o quadro Revisitando Séries. Como o próprio nome diz, bem, eu vou revisitar séries que eu já assisti antes e até fiz crítica no site, mas com textos pra lá de datados. Eu escrevi a minha resenha da primeira temporada de Justiça em 2016, quando a série foi lançada pela Globo. Se tiver curiosidade de ler aquela minha bofeira, faça por sua conta e risco. Quase dez anos se passaram e o meu estilo de escrita e meus pensamentos quanto aos mais diversos assuntos mudaram muito, então acho que valia a pena escrever pela segunda vez.
Ao contrário da maioria dos textos do Pitacos do Leleco, esse aqui terá com spoilers a torto e a direito, então não diga que eu não avisei.
As narrativas (e repetições) de Justiça
Como eu já pincelei ali na introdução, quando eu escrevi sobre Justiça em 2016, eu era uma pessoa totalmente diferente. Aos 17 anos de idade, eu considero que as minhas resenhas eram bem mais superficiais e sem foco, com uma estrutura textual meio esquisita. Sim, daí dá pra ver que não falta autocrítica em mim.
Naquela época, eu achava Justiça uma série muito inovadora, e talvez ela realmente tenha sido. A cultura de séries estava começando a se popularizar de vez por aqui, mas ainda pertencia a um nicho não tão grande quanto hoje: as plataformas de streaming. Acompanhar uma série de 20 episódios na TV aberta, com uma narrativa diferente daquela habitual novela que costumamos ver, era de fato uma espécie de pioneirismo, guardadas as devidas proporções. Deixando isso de lado, e aliado ao pequeno detalhe de que hoje eu tenho 25 anos, a minha visão a respeito dessa obra mudou em certos aspectos.
Vamos direto ao assunto. Eu gosto da ideia de histórias em que personagens estão interligados, como em Lost. Em Justiça, essa estratégia se mostra interessante logo no primeiro episódio, quando a gente percebe que a empregada da Elisa (Fátima), a garota que estava no ônibus do marido de Elisa (Rose) e o homem que viu sua mulher ser atropelada perto do restaurante onde estava Elisa (Maurício) tiveram o mesmo destino de Vicente, o assassino de Isabela, filha de Elisa. Não dá pra negar que ver o quarteto na cadeia instiga muito a curiosidade, e era legal tentar adivinhar por que cada um deles havia sido condenado pra começo de conversa.
O problema é que a narrativa se torna um pouco repetitiva. Ao final do quarto episódio, eu já não aguentava mais ver determinadas cenas, como os protestos dos motoristas de ônibus e o próprio atropelamento da Beatriz. Eu tive mais ou menos o mesmo sentimento daqueles filmes da Suzane von Richthofen, com a Carla Diaz. A ideia de mostrar acontecimentos iguais, sob perspectivas diferentes, é muito boa, mas a execução é arriscada. Repetir esses mesmos acontecimentos apenas com um ângulo diferente de câmera impede a história de andar pra frente. A trama só caminha de fato a partir do quinto capítulo, desperdiçando parcialmente o potencial da série.
Um outro erro considerável, aliás, tá no quarto episódio. Apesar da repetitividade do modelo, volto a dizer que eu gostava de ficar adivinhando os motivos das condenações de cada um. Porém, o quarto episódio começa com o Maurício praticando a eutanásia contra a esposa, deixando claro o porquê de ele ter ido para a cadeia. O restante do capítulo é uma verdadeira enrolação, com pouco a acrescentar no contexto geral. Em prol de um estilo diferente de flashback, o capítulo abre mão do principal mistério, que deveria ser o fio condutor.
Excesso de assuntos e desvios de foco
Outro fator que joga contra Justiça é o excesso de assuntos que tenta abordar. A minha impressão é de que os roteiristas queriam colocar o máximo de temas controversos e socialmente relevantes em pauta, focando muito nisso e esquecendo-se de caprichar mais na trama.
Um dos principais problemas está na linha do tempo. A série ficou tão concentrada em fazer todas as condenações acontecerem na mesma noite que não parou pra pensar na sequência dos fatos. Vamos a um exemplo. A Beatriz, esposa do Maurício, deve ter sido atropelada por volta de umas 21h, considerando que essa provavelmente era a hora que a Elisa estava saindo de um restaurante, depois de jantar. O Maurício deve ter sido levado à delegacia perto das 4h, pois a Rose foi presa pelo Douglas por volta de 3h30. Portanto, a Beatriz foi atropelada, recebeu uma cirurgia, acordou depois de ficar inconsciente, houve o diagnóstico de que ficaria tetraplégica, ela tomou a decisão de que queria morrer, o Maurício foi até o Celso, voltou ao hospital, aplicou a seringa na esposa e foi preso, tudo isso em um espaço de SETE HORAS? São coisas que não dão muito pra relevar.
Tá, já falou mal da série, mas e as qualidades?
Agora vamos pro lado bom de Justiça. Em primeiro lugar, não posso deixar de citar as atuações. Pelo menos 90% do elenco é composto por bons atores e atrizes. O destaque natural é Adriana Esteves. É bizarro o quanto essa mulher é boa no ofício. Quando vejo Fátima, não parece que tô vendo uma personagem. Pra mim, é uma pessoa real. Também gostei muito das interpretações de Enrique Diaz, o Douglas (apesar da dicção dele às vezes ter sido um pouco difícil de entender), e da Drica Moraes, como Vânia. Eu tenho pouco a reclamar dessa parte da série relativa a atuações.
Também acredito que a ambientação de Justiça é ótima. Eu sou de Goiânia, então não posso falar com toda a certeza de que o sotaque e as expressões dos personagens são fidedignos à realidade de Recife. Ainda assim, a caracterização do ambiente e do próprio enredo é digna de nota. Quanto aos aspectos mais técnicos, a fotografia sabe o que faz e a trilha sonora é boa, embora ocasionalmente fique um pouco repetitiva, a exemplo da narrativa.
Alguns arcos são claramente melhor do que outros. O núcleo de Fátima é praticamente irretocável. Ele se perde um pouquinho no fim, com aquela subtrama do policial cobrando o ponto de venda, mas não é algo que atrapalha. Os demais arcos oscilam; o de Elisa começa forte, mas eu não gosto nem um pouco do “namoro” dela com o Vicente e o enredo termina em declínio. O da Rose também tem seus altos e baixos, e acho que deram muita atenção pra Débora, sendo que a história não era exatamente sobre ela. O do Maurício talvez seja o mais fraquinho, mas consegue manter o nível que estabelece desde o início – o que é algo positivo.
No frigir dos ovos, Justiça é uma boa produção nacional. A história tem muito a oferecer, e em geral ela amarra bem as pontas soltas deixadas pelo caminho. Acho que uma maior atenção a determinados detalhes e uma reestruturação da narrativa, talvez até com 16 episódios em vez de 20, teria deixado o resultado ainda melhor. De qualquer forma, é uma série a ser valorizada, e me deixou no clima pra segunda temporada desta antologia.
Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco
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Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco
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Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?