• Ausência de coração
Quase todo mundo concorda que a saga Velozes e Furiosos deveria ter acabado no momento em que Paul Walker morreu em um acidente de carro, em 2013. Não fazia mais sentido continuar sem um dos dois protagonistas da franquia. O final de Velozes & Furiosos 7 entrou pra história da cultura popular, mas o pessoal teimou em seguir em frente. Nos bastidores de Velozes & Furiosos 8, uma tensão entre os astros Vin Diesel e The Rock começou a surgir, abalando a “família”. The Rock deu indiretas no Instagram, dando a entender que o colega não era muito profissional no set. Vin Diesel tentou colocar panos quentes, mas The Rock deixou a franquia e deve voltar apenas no último filme (desta vez, o último mesmo), com previsão de lançamento pra 2026. Vamos então falar um pouco sobre a era depois de Paul Walker?
Velozes & Furiosos 8 – Família em xeque
Pra quem não leu meus textos dos sete filmes anteriores (deixei o link no final desta postagem), saiba que esse aqui terá o mesmo modelo de spoilers liberados. Velozes & Furiosos 8 não é ruim. Você pode reclamar de muita coisa dessa franquia, mas temos de dar o braço a torcer em uma coisa: os caras sabem ser criativos e usar a imaginação pra bolar as ideias mais absurdas possíveis. Carros sendo ativados remotamente e despencando de garagens pra que um ministro russo seja capturado? Uma sequência inteira de um brutamontes derrotando dezenas de adversários enquanto segura um bebê? Um homem afastando um míssel com os próprios braços? Pode contar comigo!
Apesar de todas essas deliciosas besteiras que viraram marca registrada de Velozes e Furiosos desde que eles abandonaram as ruas e abraçaram o crime organizado, há a constante sensação de algo artificial no ar. A ausência de Brian (e de Mia) é sentida, mas não é o maior empecilho. A galera tenta fazer algo de inovador ao colocar o Toretto como vilão, mas eu não consegui comprar muito isso. Ok, a Cipher tinha o filho e a ex-namorada dele como reféns, mas eu não curti muito a decisão do Toretto trabalhando sozinho e colocando em risco as pessoas que mais ama na vida.
Isso tudo fica pior por causa do fim do filme. No final das contas, Toretto é meio que premiado por ter virado as costas pra todo mundo sem explicação, porque foi capaz de pensar em um plano envolvendo os irmãos Shaw. Se eu fosse a Letty, não teria ficado com tantos sorrisos pro Toretto depois daquilo tudo. Pô, ele não precisava ter sido tão enigmático e colocado o planeta inteiro em perigo. Dava pra terem pensado em algo juntos, sei lá. A história do filme parece muito mais um conceito do que realmente uma história.
A ação, por outro lado, é ótima. Já citei algumas das melhores cenas, mas Velozes & Furiosos 8 também se destaca na relação entre personagens, principalmente Hobbs e Shaw. Há quase uma espécie de tensão sexual entre eles que é divertidíssima de se ver, justamente porque o roteiro abraça a canastrice e transforma isso em qualidade. Eles são praticamente super-heróis, e eu assisto a tudo quase como se fosse um filme da Marvel. Um momento que eu achei super cômico e irônico foi quando o Hobbs fala pro Shaw que, de onde ele vem, eles não resolvem as coisas com bombas. Shaw, que veio dos Estados Unidos. Estados Unidos, que não têm um bom histórico com certas cidades do Japão.
Perto dos demais capítulos da franquia, Velozes & Furiosos 8 é um dos mais fracos, tenho que admitir. É um entretenimento legal? É, sem dúvida alguma. Mas não há mais um Brian O’Conner pra ser o coração da franquia, e parte do carisma dos personagens se desgastou com o tempo. No final das contas, é um bom passatempo. Melhor personagem: Deckard Shaw. Pela primeira vez, temos um personagem sendo eleito duas vezes como o melhor de um filme na saga Velozes e Furiosos. Depois de ter sido uma presença ótima em Velozes & Furiosos 7, Deckard rouba a cena tanto no lado cômico quanto na ação. Gostei também da presença da vilã Cipher, interpretada pela Charlize Theron, mas acho que o anti-herói de Jason Statham me agradou mais.

Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw – Machos alfa
Um filme de Velozes e Furiosos sem o Brian já não é a mesma coisa. Sem qualquer membro da família Toretto, pior ainda. Esse é um dos principais motivos pelos quais Hobbs & Shaw é um dos piores da franquia. A graça dessa saga maluca com hiperfoco em família é justamente a noção de grupo. Colocar dois personagens de apoio como protagonistas dá a impressão de que é apenas um filme genérico de ação.
A direção de Hobbs & Shaw é de David Leitch. Eu já vi todos os filmes dele, e devo dizer que gosto da maioria – com destaque pra Trem-Bala e Deadpool 2. Dá pra ver a marca do cineasta neste aqui, como a inserção dos golpes dos irmãos Shaw quando eram mais novos, através de um subtítulo e a cena interrompida, e as sequências de ação. Nesse aspecto, acredito até que o filme faz um bom trabalho. É um legítimo pipocão, sem ter medo de ser o que é. A parte da comédia, por outro lado, não funcionou pra mim em todos os momentos. A rivalidade entre os protagonistas, tão divertida em Velozes & Furiosos 8, ficou meio exagerada, repetitiva e cansativa em alguns pontos.
Diversas coisas do filme não fazem muito sentido. Por que Hobbs e Shaw não utilizaram o leitor térmico na Eteon, após derrotarem uma fileira de guardas, sendo que haviam feito isso antes de abrir a porta? Toda a história do filme, incluindo as sucessivas viagens pra Ucrânia e pra Samoa, durou menos de 48 horas, o tempo que a Hattie tinha antes do vírus ser ativado? Amanhece tão rápido assim em Samoa, já que, em cerca de cinco minutos, o céu saiu de um azul-marinho pra um azul claro incandescente, enquanto rolava a batalha final? Sim, eu sei que não podemos ficar procurando algo fidedigno à realidade em Velozes e Furiosos, eu mesmo ressaltei isso repetidas vezes. Mas até esses filmes precisam ter uma lógica interna, e nem sempre Hobbs & Shaw consegue.
Um outro defeito do filme é que ele não se decide 100% sobre o que deseja ser. É ação pancadaria? É ação misturada com comédia? É um longa de espionagem, ou um filme de assalto? Ele transita por todos esses espectros, mas de um jeito meio desorganizado. Além disso, o vilão interpretado por Idris Elba é bastante sem sal e um dos mais esquecíveis da franquia, apesar do ator de grande calibre. Em compensação, a personagem de Vanessa Kirby se encaixa bem na dinâmica da dupla principal.
Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw faz tudo o que um filme da saga precisa fazer para se caracterizar como tal, e conta com dois dos personagens mais icônicos. Mesmo assim, não é um spin-off que parece pertencer ao mesmo universo. Dá pra se divertir com ele e não vou negar que se trata de um bom entretenimento, mas passa meio batido no mundo desta franquia. Melhor personagem: Luke Hobbs. The Rock parece estar bem à vontade no papel e sua atuação é mais genuína, até com mais leveza do que o costume para o personagem. O Deckard Shaw também tá bem, mas com menos carisma do que nos dois filmes anteriores.

Velozes & Furiosos 9 – Força eletromagnética
Desde a morte de Paul Walker, era nítido que a sua ausência havia criado uma ruptura na franquia. É possível dizer que Velozes & Furiosos 8 e Hobbs & Shaw eram os piores da saga até o momento. Por causa disso, fui assistir Velozes & Furiosos 9 sem o mínimo de expectativa, e fui positivamente surpreendido: o filme é bem divertido.
Sim, eu acredito que o ator John Cena não foi utilizado da melhor maneira. O vilão vivido por ele é bastante sóbrio, algo que não funciona muito bem em Velozes e Furiosos. Todos os melhores antagonistas, como Deckard Shaw e até mesmo o Luke Hobbs, foram bons justamente por não se levarem tão a sério. John Cena, que tem um ótimo timing pra comédia, não teve esse seu lado utilizado e poderia ter sido interpretado por qualquer outra pessoa que não faria tanta diferença. Assim como em Velozes & Furiosos 8, o nono capítulo principal peca ao tentar inserir drama demais em um contexto que não necessita disso.
É verdade que o filme também exagera um pouco nos flashbacks e possui problemas de lógica que não têm a ver com o desprezo pelas leis da física. Eu acho que deveria haver um dilema maior na decisão de Toretto deixar o filho pra trás pra arriscar a própria vida, e é meio estranho como o personagem do Brian é trabalhado. Eu não consigo imaginar o Brian estabelecido nos outros filmes deixando a esposa correr atrás do perigo enquanto fica de babá em casa.
Apesar de todos esses defeitos, Velozes & Furiosos 9 foi responsável por despertar novamente em mim a empolgação e paixão pela franquia. As sequências de ação são únicas, há pancadaria pra dar e vender, cenas impossíveis e uma química inegável entre os membros do elenco. A cada momento absurdo, eu sorria como se fosse uma criança ganhando um ovo de páscoa.
Ainda não sei o que pensar do retorno da Han. Pra mim, é uma decisão meio sem sentido. O personagem era legal, é claro, mas já tinha completado o seu ciclo e tinha sido importante narrativamente. Provavelmente ele foi revivido dos mortos pra deixar o Deckard Shaw menos vilanesco e trazer um hype a mais, só que achei meio desnecessário. Não sou fã desse tipo de decisão criativa, mas já que não tem volta, então vamos tentar aproveitar, né. Por outro lado, a participação de Sean e Twinkie novamente me deixou com um sorriso no rosto – e olha que eu nem gostava tanto deles em Desafio em Tóquio.
Velozes & Furiosos 9 não tem a mesma magia da época de Paul Walker, mas em que outro lugar você veria um Pontiac Fiero acelerando pelo espaço sideral e destruindo um satélite em órbita? Onde mais você veria a veterana atriz Helen Mirren pilotando um carro com o maior nível de aura possível, batendo papo enquanto foge de dezenas de policiais? É disso que eu tô falando! Melhor personagem: Dominic Toretto. Em Velozes & Furiosos 8, eu achei o Vin Diesel meio travadão. Não sei se foi por causa do luto pela morte do amigo, ou pelas confusões com The Rock, mas ele tá bem mais leve em Velozes & Furiosos 9. Embora várias de suas cenas sejam piegas, acho que o protagonista da franquia voltou a se destacar. Menção honrosa também pro Roman, que quase roubou o posto de melhor do filme, e Ramsey, que possui uma sequência bem divertida, dirigindo pelas ruas de Edimburgo.

Velozes & Furiosos 10 – O passado cobra
Depois da minha atenção ter voltado a ser despertada com Velozes & Furiosos 9, eu esperava que Velozes & Furiosos 10 seguisse na mesma toada. Eu tinha lido alguns comentários a respeito do décimo capítulo principal da franquia, e muitos diziam que era uma evolução em relação ao anterior, e que o vilão interpretado por Jason Momoa era possivelmente o mais legal até ali. Com isso, as minhas expectativas estavam mais altas do que baixas pela primeira vez desde a morte de Paul Walker.
Ao longo da duração, eu fiquei tentando me convencer de que o longa estava melhor do que eu realmente achava. Em determinado ponto, percebi que não estava tão divertido assim. Quando acabei o filme, não fiquei com aquele sorriso no rosto. Na verdade, eu até torci um pouquinho o nariz pro final, que me soou extremamente forçado.
Se não fosse o vilão Dante, é bem possível que Velozes & Furiosos 10 encabeçasse a minha lista dos mais fracos da franquia (não que ele esteja bem colocado, vejam bem). No papel, ele tinha tudo pra ser bom: a gangue toda reunida, um antagonista cheio de maneirismos, um certo retorno às origens com a volta ao Rio de Janeiro, por exemplo, e potencial de embalar a trama por meio da nostalgia. Acho que o principal motivo pelo qual isso não funciona tão bem é a direção de Louis Leterrier.
Eu sei que essa não é uma saga que se destaca nos aspectos técnicos, mas em geral todos eles possuem um comando de cenas funcional pelo que é proposto. Aqui, eu achei que a direção exagerou nos cortes rápidos dentro das próprias cenas, não exprimiu o melhor dos personagens e ainda teve aquela parte bizarra da Tess com o Aimes. Por que diabos a Agência tem uma plataforma no meio de uma caverna, com várias telas e gravações impossíveis de terem sido registradas? Parece um negócio meio Os Incríveis, mas não no bom sentido. Eu gosto de alguns aspectos futuristas da franquia, mas tem hora que eles passam do ponto.
Depois de ter visto uma maluquice atrás da outra em Velozes & Furiosos 9, acho que o décimo errou nessa parte. Com exceção da sequência daquela bomba em formato de bola rolando pelas ruas de Roma, que propositalmente emulou muito bem a sequência do cofre em Operação Rio, eu não me empolguei com as cenas de ação. Os personagens também estão meio apagados, e o retorno de Gisele me deu a nítida impressão de que será uma decisão tão idiota narrativamente quanto o retorno de Han. Por outro lado, esse foi o filme em que eu mais gostei da Cipher, uma vilã que pra mim teve seus altos e baixos, e eu adorei as cenas do Jakob com o pequeno Brian. É uma pena que o irmão do Toretto se foi daquele jeito, achei que desperdiçaram o John Cena em sua melhor versão.
Velozes & Furiosos 10 possui provavelmente o melhor vilão real da franquia, já que os Shaw e até mesmo o Jakob entraram pro time do bem. No entanto, é um filme bastante irregular. A ausência do Brian está cada vez mais esquisita, até dentro do contexto da saga, porque não tem nada a ver com o personagem não participar do que está acontecendo. Não sei qual seria a solução perfeita, só sei que tá esquisito. Vamos ver se o último capítulo (acredite se quiser) vai amarrar tudo direitinho. Melhor personagem: Dante Reyes. O ator Jason Momoa rouba a cena com seu carisma e foi uma das escolhas mais fáceis de Melhor Personagem nesses filmes. Destaque também pro Jakob, que finalmente teve o potencial de John Cena aproveitado, embora não por muito tempo.

+ Veredito
Por mais que eu ame a franquia, é indiscutível que o legado de Velozes e Furiosos teria sido bem maior se o sétimo filme tivesse sido o último. Até se houvesse spin-offs, acho que a saga teria sido melhor preservada. Ao escolher dar continuidade à história, após a trágica morte de Paul Walker, os produtores apostaram alto. Financeiramente, deu muito certo, mas artisticamente falando, pela ausência de palavra melhor, isso empobreceu o conjunto. Mesmo assim, é possível se divertir com os filmes desta nova e turbulenta era. O que eu mais gostei foi Velozes & Furiosos 9, talvez seguido por Velozes & Furiosos 10, Velozes e Furiosos 8 e Hobbs & Shaw; são longas de nível bem parecido. Vamos ver o que o futuro nos reserva.

>> Velozes e Furiosos #01, #02, #03 – Era dos Carros Tunados
>> Velozes e Furiosos #04 a #07 – Tiro, Porrada e Bomba (2009/11/13/15)
CURIOSIDADES
- Quando a lista de “Mais Procurados” é mencionada em Velozes e Furiosos 8, os membros do grupo são citados como os números 6, 8, 9, 10 e 11. O 7 é um tributo a Brian, cujo intérprete, Paul Walker, morreu em um acidente de carro.
- Idris Elba se recusou a utilizar uma fala do roteiro de Hobbs & Shaw, em que seu personagem diz ser o “James Bond negro”. Em vez disso, eçe mudou pra “Superman negro”. Isso porque o ator é muito cogitado pra estrelar o próximo 007.
- Durante uma cena de perseguição em Edimburgo, Ramsey afirma que não tem carteira de motorista. Na vida real, a atriz Nathalie Emmanuel, que interpreta a personagem, também não tem habilitação.
- Desde o início da franquia, principalmente após o quinto filme, a família é um tema recorrente nas histórias. Em Velozes & Furiosos 10, a palavra “família” é dita um total de 56 vezes, recorde na saga.
FICHA TÉCNICA
Nome original: The Fate of The Furious
Duração: 2h16
País: EUA
Diretor: F. Gary Gray
Elenco principal: Vin Diesel, Dwayne Johnson, Jason Statham, Charlize Theron, Michelle Rodriguez, Tyrese Gibson, Ludacris, Kurt Russell
FICHA TÉCNICA
Nome original: Fast & Furious Presents: Hobbs & Shaw
Duração: 2h17
País: EUA
Diretor: David Leitch
Elenco principal: Dwayne Johnson, Jason Statham, Idris Elba, Vanessa Kirby, Helen Mirren, Eiza González
FICHA TÉCNICA
Nome original: F9
Duração: 2h23
País: EUA
Diretor: Justin Lin
Elenco principal: Vin Diesel, Michelle Rodriguez, Jordana Brewster, John Cena, Tyrese Gibson, Ludacris, Nathalie Emmanuel, Charlize Theron
FICHA TÉCNICA
Nome original: Fast X
Duração: 2h21
País: EUA
Diretor: Louis Leterrier
Elenco principal: Vin Diesel, Jason Momoa, Michelle Rodriguez, Jordana Brewster, Tyrese Gibson, Ludacris, Nathalie Emmanuel, Brie Larson
Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco
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Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê acha dos filmes. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?