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AnáliseRicardo #39 – A Tartaruga Vermelha é um achado do Studio Ghibli

a tartaruga vermelha ricardo

• O ciclo da vida

Hoje é o dia de falar de um daqueles filmes que passam despercebidos por muita gente, mas que tem um toque marcante para quem se deixa levar pela história dele. Vem comigo conversar sobre A Tartaruga Vermelha.

O meu contato com esse filme veio por meio do Oscar de 2016. Ele estava concorrendo com outros dois filmaralhassos que são Minha Vida de Abobrinha e Kubo e as Cordas Mágicas. Quem ganhou foi Zootopia, e vocês vão me perdoar, mas entre Moana, Zootopia e qualquer um dos outros três daquele ano, eu iria tranquilamente em qualquer um dos outros três.

Essa é a versão do Ricardo anti imperialismo norte-americano? Não. Mesmo que o discurso caiba, eu acho que esses filmes têm o poder de mudar mais a sua visão de mundo que Moana ou Zootopia. Digo isso caso você seja uma criança ou mesmo um adulto.

Tem uma frase de efeito de que filme bom é aquele que dura com o tempo. Isso é uma falácia, até porque o filme é um produto do seu tempo. Tirar um filme de quando foi lançado é a mesma coisa de tirar um jogo de futebol dos gramados, se torna outro esporte. No entanto, existem filmes que te permitem olhar para eles com outras perspectivas, principalmente com o seu amadurecimento e vivência de mundo.

Eu tenho filmes que fazem isso, principalmente os filmes do Scorsese, Kubrick, Kurosawa e até mesmo os do Takahata e Miyazaki. Então, na primeira vez que fui ver esse filme, eu esperava a experiência do Studio Ghibli que eu sempre tive, ainda mais com o Takahata como um dos produtores.

O primeiro impacto foi quando os traços de animações europeias estavam no filme. É claro que há um movimento bonito entre duas linhas de trabalho de animação, entre a asiática e a europeia, mas sinceramente? Isso não importa tanto, porque o que o filme quer falar é universal, tão universal que decide não usar falas.

O filme conta a história de um náufrago que acaba parando em uma ilha deserta e todas as vezes que ele consegue fazer sua jangada para sair desse lugar, uma tartaruga vermelha quebra tudo e ele retorna para a ilha.

A conversa do homem com a natureza é marca registrada do Studio Ghibli. Aqui em A Tartaruga Vermelha, a conversa é mais crua e sem mergulhar muito na fantasia que normalmente mergulha, até um certo ponto de virada. Mas calma, ainda vou chegar lá.

Até esse ponto de virada chegar, o filme mostra o cara se esforçando para se alimentar, sonhando em sair daquele lugar e o quão frustrante é para ele não conseguir sair. Tanto é que ele projeta em um animal a principal culpa por não conseguir sair, mas é só o animal mudar de forma, se tornar mais humano é que ele percebe que não era sobre o animal.

Com isso saímos dessa camada do filme e vamos para outra um pouco mais funda e vamos falar do que eu adoro, vamos falar sobre o ser humano.

O visual de A Tartaruga Vermelha

Eu poderia falar que o filme trabalha muito bem o início e final da vida, começando o filme com uma cena na água, que nos remete ao começo da vida na Terra, e termina com a morte dos personagens, mas isso ainda tá na superfície dessa camada.

O filme tem consigo um trabalho primoroso de comentar sobre a vida vivida. Aquela que nos faz nos apaixonar por estar vivo. Por vezes nos derretemos por alguém e damos mais valor para onde ela vem, por vezes construímos nosso lar e temos de saber a hora certa de deixar as coisas tomarem seu caminho.

Eu já estava morando longe dos meus pais há uns 2 ou 3 anos quando eu assisti, eu estava lutando comigo mesmo para ser fisioterapeuta porque eu achava que meus pais queriam seus filhos como doutores, mas foi no cinema que eu me descobri e num surto de raiva liguei pro meu pai e disse que eu não iria fazer essa faculdade por mim, seria por eles. Claro que eu não falei dessa forma e, no meio daquele tsunami, meu pai falou uma parada que eu só iria entender com esse filme.

Foi nesse momento que meu pai falou que essa era a minha vida, minha relação com as coisas que vivi é que me permitiram ter a noção do que eu queria.

Quando A Tartaruga Vermelha deixa de lado a história do pai e acompanha um pouco mais a trajetória do filho, mostrando como ele vai se encontrando consigo e com a natureza, isso torna o filme impactante para mim, principalmente naquele cenário.

Eu falei de duas perspectivas e o longa soube trabalhar isso muito bem, mostrando como a vida é feita de ciclos e conexões. O homem com a natureza e a dinâmica do pai com o filho são exemplos disso.

É possível ver esse transitar em formas e perspectivas até mesmo na animação, voltando ao que eu disse sobre os traços europeus sendo mesclados com a animação oriental.

A Tartaruga Vermelha me marcou de uma forma gigantesca por uma perspectiva e, reassistindo ao longa hoje, ele me marcou de uma outra forma. É claro que tem muito da nossa vivência e experiência, mas para um filme que se propõe a falar sobre a vida, contar sobre dar adeus a pessoas, tentar sair de uma situação improvável, falar sobre o nosso contato com a natureza, o ciclo da vida… é muita coisa para se falar e ainda assim, A Tartaruga Vermelha faz isso com maestria.

Filmaço. Assistam com o coração aberto, isso aqui vale a pena.

 

Ricardo Gomes
O Sharkboy que se formou em Jornalismo e ama o cinema

 

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Este texto faz parte de um quadro de colaborações com outros redatores. O artigo não foi escrito pelo maravilhoso Luiz Felipe Mendes, dono do blog, e não necessariamente está alinhado às ideias dele.

Publicado por Ricardo Gomes

O cara que mais perde tempo assistindo TV e escrevendo sobre, segundo Michelle (minha gata).