Drama

Bebê Rena (2024)

bebê rena

• Um trauma atrás do outro

Confesso que eu ando com um certo preconceito em relação às produções da Netflix. Em grande parte, é por conta do ranço que eu desenvolvi quanto às políticas da empresa naquela história de aumentar preços das assinaturas, proibir compartilhamento de senhas ou cancelar séries promissoras e renovar obras de qualidade duvidosa. Por isso, toda vez que surge a “série da vez” na Netflix, sobre a qual todo mundo da Internet de repente começa a comentar – Wandinha, Bridgerton e Dahmer: Um Canibal Americano são alguns dos exemplos – eu meio que me desligo e espero o hype passar pra não ter que assistir. O mesmo teria acontecido com Bebê Rena, mas fui convencido a assistir pela minha namorada. E foi bom eu ter dado essa chance.

 

Sinopse

Conheça Donny Dunn. Aspirante a comediante, ele trabalha em um bar qualquer de Londres, mora com a ex-sogra e tem perspectivas incertas para o futuro. Sua vida vira ainda mais de cabeça pra baixo quando uma mulher chamada Martha Scott chega ao bar, com uma expressão de tristeza. Donny se compadece da situação e oferece um drinque grátis à mulher. O ato de gentileza evolui pra uma espécie de amizade, que rapidamente se transforma em uma relação doentia de perseguição.

Recado da série: não sejam gentis. Brincadeira, gente, sejam sim

Crítica

Pra quem já sabe o que significa o termo “stalking”, pode pular pro próximo parágrafo. Pra aqueles que não estão familiarizados com essa definição em inglês, é quando uma pessoa começa a invadir constantemente a privacidade de outra, perseguindo-a no sentido mais amplo da palavra. Com o advento da Internet, essa prática criminosa se tornou mais comum, pois é relativamente fácil encontrar informações pessoais alheias, chegando ao ponto até de vasculhar o itinerário completo de um indivíduo.

Dito isso, a trama de Bebê Rena tem o stalking como principal catalisador. É mais frequente que esses criminosos sejam homens, por diversas razões, sendo a maior delas a convenção social masculina de que figuras femininas são meros objetos. No entanto, isso não quer dizer que o contrário não aconteça. Determinados tipos de violência atingem com mais frequência um gênero específico, mas esta minissérie mostra que homens também podem ser vítimas das mais variadas esferas de assédio.

Eu poderia escrever um artigo inteiro só sobre como a masculinidade tóxica tende a atingir intensamente os próprios homens. Por exemplo, com a noção de que sofrer importunação por parte de uma mulher é motivo de chacota. Bebê Rena trabalha esse assunto de maneira sublime, sobretudo porque se trata de uma história real vivida por Richard Gadd, que interpreta o protagonista.

Vamos falar dele então. Não consigo imaginar o tamanho da coragem e da força necessárias pra que uma pessoa não só decida contar a sua própria história de vida, cheia de traumas e vulnerabilidade, como reviver esses eventos da maneira mais próxima possível. Criei uma grande admiração por Richard Gadd por causa disso. O restante do elenco de Bebê Rena é reduzido, mas também faz um excelente trabalho. Jessica Gunning, como Martha, é um grande destaque, dando viva a uma personagem repulsiva e carismática, tudo no mesmo balaio. Nava Mau, por sua vez, interpreta Teri, que funciona como a bússola moral do enredo e tem uma identidade bem estabelecida.

A trama vai majoritariamente direto ao ponto. O fluxo é brevemente interrompido no meio da temporada, com um episódio inteiro de flashback. No primeiro momento, enxerguei essa parada como algo negativo, mas a escolha criativa se justificou. Aquele interlúdio foi pra lá de necessário pra responder alguns questionamentos a respeito do protagonista, causando uma sensação ainda maior de intimidade.

A quantidade de sete episódios é perfeita pra contar tudo o que o roteiro precisava contar, sem tirar nem pôr. Há espaço pra comédia, drama e choque, em um conjunto de tirar o chapéu.

Acho que não é aí que fica a entrada pro Ministério da Magia, moço

Veredito

Bebê Rena é, acima de tudo, uma verdadeira aula de como a mente humana processa experiências traumáticas. Poucas vezes na vida eu vi algo tão desconfortável em diferentes frentes. Essa característica é consequência de um roteiro intimista e que nos aproxima tanto de seus personagens que nos sentimos parte de suas vidas. Dá pra assistir à minissérie em uma breve (e potente) maratona. Mesmo com poucos e curtos episódios, ela definitivamente deixa a sua marca.

🎵 tchururu 🎵 Próxima estação, next station, Bresser-Mooca

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco

Nota nº 5: sabia que eu agora tenho um canal no YouTube? Não? Então corre lá pra ver, uai: Pitacos do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • Eu demorei mais do que eu gostaria de admitir pra perceber que aquelas frases “sent from my iPhone” eram escritas pela própria Martha. Quando eu finalmente me toquei disso, fiquei rindo sozinho com o comprometimento da Martha em construir uma pessoa totalmente fictícia em todas as esferas. Que doideira.
  • Não tem jeito, a Teri é a melhor pessoa desta série. Não é todo mundo que teria dado uma segunda chance pra alguém como o Donny (na verdade, foram mais de duas, se formos pensar bem), e ela tentou entendê-lo até chegar um ponto em que não dava mais. De qualquer forma, eu me simpatizei muito com ela.
  • Uma das coisas que eu iria criticar inicialmente em Bebê Rena é que o interesse do Donny por um site de relacionamentos com pessoas transsexuais veio muito do nada, sem explicação aparente. Não que esse interesse precise de explicação, mas a maneira com que a série inseriu essa informação me deu a impressão de que havia alguma história maior por trás disso, o que acabou se provando uma verdade. Cara, dá pra escrever um livro inteiro sobre sexualidade só com base na experiência do Donny.
  • E por falar em sexualidade, eu acho sensacional quando séries ou filmes dizem muito ao falar pouco. Naquela cena em que o pai do Donny afirma que “cresceu na Igreja Católica” e deixa o restante no ar, só olhando pro filho… bicho do céu, me deu até arrepios. Que bom que os pais do Donny foram compreensivos. E eu ri muito do pai dele dizendo “boa sorte com a transsexual!” quando o Donny estava indo embora de trem kkk
  • Sobre a Martha, é muito maluco como eu queria que ela fosse punida durante todo o tempo em que acompanhei sua jornada, mas ao mesmo tempo meio que sentia falta dela quando não aparecia. Acho que isso foi muito mérito da atriz, mas eu fico refletindo sobre como o Donny da vida real, ou Richard, nutria esses sentimentos conflitantes em relação a ela.
  • Não vou mentir, eu fiquei com muita vergonha alheia dos shows de comédia do Donny Dunn. Toda vez que ele iniciava uma apresentação, eu tinha vontade de esconder meu rosto debaixo do travesseiro e não sair dali tão cedo.
  • Às vezes a gente fica mal acostumado com algumas tramas envolvendo violência sexual na ficção. Na maior parte das vezes, ou o culpado sai impune devido a um poder simbólico ou algo impactante acontece com ele, como forma de punição. Ver o Donny voltando a conversar com o Darrien como se nada tivesse acontecido, ou melhor, como se o Darrien fosse uma droga que o Donny não conseguia se reabilitar, foi um retrato tão cruel da realidade que me atingiu em cheio.

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Donny Dunn
Olha, todos os três personagens principais poderiam ocupar esse posto tranquilamente, e eu não levantaria ressalvas. Martha e Teri são essenciais pra condução da trama e têm arcos e singularidades notáveis. Porém, Donny é um dos personagens mais complexos que eu vi nos últimos tempos, e por isso ele merece este prêmio.

Nada como um amor genuíno pelo trabalho <3

+ Melhor episódio: E03 (“Episode 3”)
Sim, o quarto episódio é o mais forte, o sexto possui um monólogo impressionante e o último fecha a temporada de maneira perfeita. Porém, vou eleger o terceiro como o melhor simplesmente por ter sido ele a me fisgar totalmente em Bebê Rena, alcançando o seu primeiro ápice.

Mulher é foda, né, galera! Haha

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).