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AnáliseRicardo #17 – X: A Marca da Morte dá aula de edição em um slasher

x a marca da morte ricardo

• O sonho americano

O filme de hoje, X – A Marca da Morte, é um daqueles que dividem opiniões, mas ainda assim duas coisas são inegáveis nele: a qualidade e o fato dele ser incomum.

Eu estou começando a falar dele justamente por conta da estreia do novo filme da franquia, MaXXXine. Eu fiquei nessa de “será que faço um revisitando franquias ou crítica?”, então optei pela crítica, já que não tem tanto tempo assim que a franquia começou.

Mas isso é só contexto, então vamos parar de enrolar e falar logo sobre X – A Marca da Morte, com alerta de spoilers.

Eu sei que o que vou falar aqui pode incomodar muita gente, mas eu sinto que a gente pode estar olhando para uma das franquias de terror marcantes no cinema hollywoodiano, no pique de Sexta-Feira 13, Halloween e A Hora do Pesadelo.

Parece exagerado, mas pensa comigo: se levarmos em consideração que essas franquias começavam com o pé direito e depois desandavam, apresentando um ou dois filmes muito bons e diferentes, essa franquia aqui já alcançou esse feito, indicando que o terceiro pode manter o mesmo nível também.

Essas franquias que eu havia citado têm até estruturas parecidas, apresentando o vilão matando geral e depois uma volta nas origens deles. Aqui nós temos a mesma estrutura, mas cá entre nós, acho que bem melhor trabalhada do que a origem de Freddy ou Jason. Repito, com todo o respeito.

Aaah, mas por que você tá elogiando tanto a franquia e não tá falando do filme?

É bem simples, o projeto pode até ter começado com um filme e ir ganhando corpo, mas uma franquia que lançou dois longas no mesmo ano e um terceiro em menos de dois ou três anos merece destaque, principalmente pelo fato da qualidade não ter caído tanto assim.

X – A Marca da Morte apresenta inúmeros clichês do gênero, mas sabe muito bem como abraçar esses clichês e utilizá-los ao seu favor. Seja com os jovens, seja com o vilão, a localidade e até mesmo a protagonista, parece que a gente já viveu aquilo ali com algum outro filme, mas só parece, tá?

O roteiro coloca lado a lado a nossa protagonista e a assassina, algo que nós não temos muito nos slashers, por que normalmente é sempre um assassino super poderoso que parece impossível de vencer e deve ser por isso que eles continuam vivos. Aqui, o verdadeiro vilão da franquia continua vivo, mas a assassina não, mudando algumas peças nesse tabuleiro. 

Mia Goth, a atriz protagonista do filme

Os jovens não são bobos que tomam um monte de atitudes bestas. O mais perto que se pode falar que foi de atitude besta é a que veio de um ex-soldado, mas isso não seria surpresa, até porque ele esteve no Vietnã, então para ele não seria uma coisa muito bizarra o que ele estava fazendo ali. E outra, essa atitude só seria mais bizarra porque nós, o público, sabemos que naquele lago teria um perigo.

Esse trunfo está no roteiro e na direção do longa, que criam ambientes e situações para que o que aconteceu, aconteça. E quando acontece, graficamente e artisticamente é incrível.

Eu digo na parte artística por dois pontos específicos.

Quem me acompanha sabe que eu adoro quando um filme se utiliza da técnica para contar a sua história e não fica utilizando dela para floreios.

Aqui, com um dos melhores trabalhos de montagem de 2022, percebemos como o diretor conseguiu contar a história e o subtexto desse filme.

Seja numa sequência aérea do lago para contextualizar ameaças, seja para um diálogo no fim das gravações do filme pornô ou seja na sequência onde o vilão e a assassina se mostram para nós.

O roteiro de X – A Marca da Morte, pelo menos para mim, deixa claro que o vilão do filme é o sucesso ou aquele “American Dream” que a gente sabe muito bem o que é.

Seja em uma conversa entre o produtor e o diretor do filme, seja em uma conversa entre a mulher do som com o diretor ou seja na conversa entre atores, todos querem alcançar o sucesso e “vencer na vida”, estando com seu rosto estampado naquele filme.

No entanto, um rosto buscava também apresentar para o mundo o que poderia ter sido, mas agora ele não consegue mais. A assassina gostaria de ter se tornado uma bailarina famosa e sair daquela repressão que ela vivia. Assim como a nossa protagonista.

O que realça o desejo dessa assassina está também no fato de que ela não consegue mais ter uma relação sexual com seu marido. Então ligar o fato de que ela queria ser destaque e de que ela não fazia mais sexo há algum tempo com os jovens que estão produzindo um filme pornô, isso foi o estopim para tudo acontecer na cabeça dessa mulher, que já não era muito boa.

Mas essa é uma das partes do roteiro. O maior destaque, para mim, está na montagem que não só ajuda a criar um clima, mas conta a história. O principal momento está na cena em que a assassina se revela ou naquele segmento. Até porque vemos a cena criar tensão sexual, seja para uma idosa que vê uma jovem despida na beira do lago, seja para o casal de jovens que está filmando na casa ao lado.

Mais para frente ainda vemos a assassina e a protagonista espelharem uma cena parecida com a que tem no filme pornô e, se você ainda acha que eu tava viajando nessa, agora o diretor praticamente esfrega que há uma tensão sexual, um desejo ardente de possuir aquele corpo que está à frente. Isso aqui é aula de edição, tá? Aula.

X – A Marca da Morte é um baita de um filme de slasher. Não que seja completamente original, acredito que é bem difícil assistirmos algo original hoje, mas é um filmaço.

O filme pode até mudar alguns aspectos, como a “jovem puritana” morrendo, os jovens sendo gente boa ao invés de serem babacas por completos e muito mais… mas assim como a sociedade para a qual esse filme é vendido, ele não consegue combater o seu verdadeiro vilão, o tal sonho americano.

 

Ricardo Gomes
O Sharkboy que estuda Jornalismo e ama o cinema

 

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Este texto faz parte de um quadro de colaborações com outros redatores. O artigo não foi escrito pelo maravilhoso Luiz Felipe Mendes, dono do blog, e portanto não necessariamente está alinhado às ideias dele.

Publicado por Ricardo Gomes

O cara que mais perde tempo assistindo TV e escrevendo sobre, segundo Michelle (minha gata).