• Um resgate da memória
Cá estou eu pra falar novamente sobre um filme tupiniquim. Pra quem não sabe, eu tenho um quadro específico em que escrevo exclusivamente sobre longas brasileiros – você pode encontrar essas críticas na seção de Leleco Nacionais, que chega ao seu 6º capítulo. Além disso, também já fiz curtinhas sobre outras produções do nosso país, como Hoje Eu Quero Voltar Sozinho e Bingo: O Rei das Manhãs. Hoje, vou relatar o que achei de Ainda Estou Aqui, que tem boas chances de representar o Brasil no Oscar de 2025.
Sinopse
No Rio de Janeiro da década de 1970, a família de Rubens e Eunice Paiva vive em plena felicidade. No entanto, a sombra da Ditadura Militar se apossa daquela casa quando Rubens é levado até um local desconhecido e as autoridades negam o seu desaparecimento. Cabe a Eunice e aos filhos do casal evitar que a memória do pai seja ignorada e esquecida.
Crítica
Ainda Estou Aqui é um fenômeno. Dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, o filme vem ganhando ampla divulgação no âmbito internacional e levando uma boa quantidade de pessoas ao cinema no Brasil. Até o momento em que escrevo esta crítica, mas de 1 milhão de brasileiros já foram conferir o longa nas telonas. Ele estreou em 7 de novembro e eu fui assistir no dia 20. Mesmo depois de quase duas semanas, a sala estava lotada.
Não há como começar essa análise sem falar do principal destaque. A atuação de Fernanda Torres vem sendo celebrada por praticamente todo mundo, e não é pra menos. Ela começa o filme de maneira discreta e, por alguns minutos, parece que Ainda Estou Aqui “pertence” mais a Selton Mello do que à própria atriz principal. Porém, isso faz parte do jogo. Em determinado momento, Fernanda Torres se apodera dos holofotes e se transforma na força vital da narrativa.
A sua interpretação não precisa de choros exagerados ou monólogos complexos pra ser grandiosa. Com naturalidade e delicadeza, Fernanda Torres dá vazão a uma variedade de sentimentos, fazendo com que a gente se esqueça que ela está atuando e passe a enxergar a personagem como um ser humano real. Afinal de contas, a história é baseada em fatos, o que deixa tudo ainda mais genuíno.
Walter Salles faz um excelente trabalho ao comandar as ações. O primeiro ato é muito tranquilo e aparentemente trivial, como se a rotina daquela família não fosse levar a algo particularmente impactante. À medida que os minutos passam, surge uma espécie de tensão que eu não sei muito bem como explicar. A ameaça da Ditadura Militar começa a aparecer sutilmente. Em uma cena, passa um caminhão cheio de policiais por alguns segundos em frente à praia. Em outra, Rubens Paiva entrega uma carta a uma pessoa desconhecida da maneira mais suspeita possível, levantando em nossa mente a possibilidade de que ele seja pego por isso.
Ainda Estou Aqui adapta a sua narrativa conforme ela caminha. Drama e suspense são os gêneros mais pulsantes, mas o filme jamais fica estático. O único elemento que realmente me incomodou um pouco tem a ver com a parte sonora. A trilha é ótima, mas eu tive dificuldade de entender alguns diálogos. Não sei se foi por causa da mixagem, pela dicção dos atores ou por algum outro motivo. Pensei que fosse só comigo, mas minha namorada apontou a mesma coisa. Eu perdi várias conversas, mesmo apurando bastante os meus ouvidos. Uma dessas conversas foi simplesmente a mais decisiva do filme, o que atrapalhou minha experiência. A partir desse momento, inclusive, o longa perde um pouco do pique antes de se recuperar no final.
Veredito
Ainda Estou Aqui é merecedor de todos os elogios que vem recebendo em terras nacionais e internacionais. É um filme sensível que retrata um período turbulento de forma crua, sem precisar se recorrer à ficção ou a excessos na trama, como em Marighella. Os personagens são calmamente desenvolvidos e a atriz Fernanda Torres brilha; na verdade, todo mundo do elenco tá ótimo. A caracterização do período é muito bem feita e nos insere totalmente naquela história. Quando os créditos rolam na tela, é até difícil retornar à realidade.
+ Melhor personagem: Eunice Paiva
Acho que essa opinião é unânime pra todo mundo que assiste ao filme, até pela atuação da Fernanda Torres. Mas eu queria também só ressaltar um pouco a participação especial de Fernanda Montenegro. Não tem jeito, a mulher é uma força da natureza. Ela aparece por cinco minutos e sequer tem falas, mas comunica tanto com os olhares que me deixou impressionado.
Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco
Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco
Nota nº 3: pra saber sobre quais filmes eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco: Filmes
Nota nº 4: sabia que eu agora tenho um canal no YouTube? Não? Então corre lá pra ver, uai: Pitacos do Leleco
OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO O FILME. O AVISO ESTÁ DADO
- Confesso que no início eu demorei a entender quem era quem na família Paiva, mas enfim consegui pegar. Acho muito interessante como cada membro reagiu ao sumiço do Rubens de um jeito diferente. A Eunice sentia que precisava proteger os filhos e escolheu se fechar no próprio casulo. A Vera era a voz revoltada da situação, enquanto Eliana espelhava o trauma. Ana Lúcia representava a confusão, Marcelo era a voz da melancolia e Beatriz, do medo.
- Eu me envergonho em dizer que não conheço tanto a história da Ditadura Militar quanto deveria. Eu aprendi sobre o regime durante o meu período escolar e também procurei conteúdo extra ao longo dos anos. Mas confesso que faz tempo que não me aprofundo no assunto, alguns detalhes fugiram da minha memória e eu não sabia exatamente qual tinha sido o destino de Rubens Paiva. Naturalmente, imaginei que ele estaria morto, mas esse desconhecimento me ajudou a mergulhar ainda mais no clima de indefinição do filme a respeito do destino daquele homem.
- Sobre aquilo que mencionei na crítica, eu não consegui entender de primeira a fala do Félix, em que ele afirma que o Rubens “morreu na guerra”. Precisei perguntar pro meu irmão depois que o filme acabou. A câmera estava focada na Fernanda Torres e o Humberto Carrão falou meio rápido, então simplesmente não compreendi e não tive a oportunidade de ler os lábios do ator. Uma sequência que poderia ter sido forte ficou meio dispersa pra mim, e a confirmação da morte do Rubens acabou não tendo tanto impacto imediato.
- Eu fiquei refletindo sobre aquele militar que passou algumas informações pra Eunice e fez questão de que ela soubesse que ele não concordava com aquilo. Que diferença isso faz, sério, no final das contas? Torturar por convicção ou por obrigação não significa a mesma coisa pras vítimas? Me pareceu muito mais um ato de convencimento próprio de que ele não era uma pessoa ruim do que arrependimento e expiação dos pecados. Aquele policial não tinha coragem alguma e poderia até ser mais gentil do que os outros, mas isso não mudou nada na vida dos torturados.
- Tópico reservado pra gente lamentar a morte do cachorro Pimpão. Aquele motorista que o atropelou vai se ver com o John Wick, posso garantir.
- Eu já falei lá na parte de Melhor Personagem, mas volto a destacar a participação da Fernanda Montenegro como a Eunice mais velha. As suas expressões vagas, o olhar perdido e enlutado, o resgate da memória ao ver uma matéria jornalística sobre a Ditadura, tudo isso sem precisar abrir a boca pra falar. Que atriz, na moral.
Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?