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AnáliseRicardo #41 – Diários de Motocicleta carrega uma força silenciosa

diários de motocicleta ricardo

• O road movie de Walter Salles

Hoje, a gente vai falar de Diários de Motocicleta, do Walter Salles. E olha, vou te contar: esse é um daqueles filmes que me marcaram profundamente lá no início da minha cinefilia. Foi, inclusive, o primeiro filme do Walter Salles que eu assisti, e é isso que torna essa conversa ainda mais especial. Vamos deixar de enrolação e cair de cabeça nessa análise!

Introdução Pessoal e Primeiras Impressões

Eu lembro nitidamente de quando assisti a Diários de Motocicleta pela primeira vez. Foi no famoso Corujão da Globo, e eu fiquei completamente apaixonado pela história. Esse foi meu primeiro contato real com a figura de Che Guevara. Crescendo em uma cidade que faz fronteira com a Bolívia, eu já tinha ouvido falar dele de forma muito positiva, mas foi só depois de me mudar para Goiânia que percebi como as percepções sobre ele variavam tanto. Parecia que havia algo que eu ainda não tinha entendido sobre o homem por trás do ícone.

Mas, acredite se quiser, esse não foi o motivo principal pelo qual eu me apaixonei por esse filme logo de cara. O que realmente me pegou foi o tal do road movie. E sério, como eu achava esse estilo incrível!

O Fascínio pelo Road Movie

Eu acho que essa paixão pelo gênero road movie, pelo menos naquela época, tinha muito a ver com o fato de eu não conhecer tão bem as figuras apresentadas no filme. Era como se eu estivesse descobrindo o mundo ao lado deles, sem nenhuma bagagem prévia. E essa sensação de descoberta é uma das coisas mais mágicas que o cinema pode nos oferecer, né?

Só que, com o tempo, comecei a perceber que, em se tratando de um filme biográfico, às vezes é importante termos uma noção prévia sobre quem são essas figuras. Não que isso seja essencial, mas facilita bastante, especialmente quando o filme lida com personagens tão complexos quanto Ernesto “Che” Guevara.

A Complexidade de Ernesto Guevara

Diários de Motocicleta faz um ótimo trabalho em apresentar Ernesto antes de se tornar o “Che” Guevara que o mundo conheceu. É o retrato de um jovem idealista, ainda em formação, tentando entender o mundo ao seu redor. Mas, na minha primeira vez assistindo, senti que algo estava faltando. Faltava aquele toque mais pessoal, que nos fizesse mergulhar mais fundo na mente de Ernesto.

E isso me fez pensar no que eu chamo de “fator Walter Salles”.

O Fator Walter Salles: Direção Sutil, mas Distante

Olha, eu respeito muito o trabalho do Walter Salles. Ele é um diretor super competente, com uma visão muito clara do que quer mostrar. Mas, às vezes, eu sinto que falta algo nos filmes dele. Parece que, por mais que a história seja interessante, falta aquele envolvimento emocional mais forte. É quase como se ele observasse seus personagens de longe, sem se envolver profundamente.

Não me entenda mal, Diários de Motocicleta é um ótimo filme, mas essa abordagem “neutra” do Salles acaba deixando a obra um pouco fria. E em uma história sobre uma jornada de transformação pessoal tão intensa, isso faz falta.

A Montagem e o Ritmo da Jornada

Isso me leva ao ponto da montagem. Daniel Rezende, o montador do icônico Cidade de Deus, faz um trabalho interessante aqui, especialmente no início do filme. A montagem acompanha a dificuldade da viagem de Ernesto e Alberto Granado, refletindo sobre o quão desgastante e problemático foi viajar de moto pela América do Sul com poucos recursos.

A edição muitas vezes pode parecer truncada e lenta, mas, ao meu ver, isso reflete bem o que os personagens estavam passando. A jornada não foi fácil, e a montagem te faz sentir isso. Mas mesmo com esse ritmo mais arrastado, há algo fascinante nesse formato de road movie.

Gael García Bernal e Rodrigo de la Serna

As Localidades Definem o Filme

O que eu mais amo em Diário de Motocicletas é como as localidades se tornam personagens do filme. Cada lugar que Ernesto e Alberto visita vai moldando a visão de mundo deles, colocando uma nova peça nesse quebra-cabeça que é a transformação do protagonista. Desde o abandono de um romance até o contato com as pessoas mais humildes e doentes da América Latina, cada experiência vai pesando na balança até que, no final, Ernesto está pronto para se tornar o Che que conhecemos.

E é isso que faz de Diário de Motocicletas um ótimo road movie. A estrada, os encontros e as paisagens não são apenas um pano de fundo; eles são parte fundamental da jornada de transformação do personagem.

Gael García Bernal e Rodrigo de la Serna: A Alma do Filme

E claro, não dá pra falar desse filme sem mencionar a atuação de Gael García Bernal. Ele entrega uma performance sutil, mas poderosa, mostrando a transformação interna de Ernesto à medida que ele encontra as injustiças do continente. A cada nova situação, a gente vê um pedaço do Che se formando, e essa construção é feita com muita delicadeza.

Mas a verdadeira alma do filme é a dinâmica entre Gael e Rodrigo de la Serna, que interpreta Alberto Granado. A química entre os dois é incrível. Eles provocam um ao outro, questionam suas decisões, mas, no fim das contas, a parceria e a amizade prevalecem. E essa conexão é o coração pulsante do filme.

A Trilha Sonora de Gustavo Santaolalla

Eu não poderia deixar de mencionar a trilha sonora de Gustavo Santaolalla. Se você já jogou The Last of Us ou assistiu Relatos Selvagens, você provavelmente conhece o trabalho dele. Santaolalla tem uma capacidade incrível de transmitir sentimentos através da música, e aqui não é diferente. A trilha de Diário de Motocicletas é suave, introspectiva, e complementa perfeitamente o tom melancólico e reflexivo do filme.

O Impacto do Filme e a Conclusão da Jornada

Walter Salles sabe fechar muito bem seus filmes, é possível ver isso ao final deste. A transformação de Ernesto é evidente, tanto em suas últimas palavras do longa para o seu amigo quanto pelo motivo que o fez mudar, mostrando as pessoas que contribuíram com essa mudança. O que começou como uma simples viagem de aventura se tornou uma jornada de autoconhecimento e consciência social. 

No fim, Diários de Motocicleta pode não ter a mesma potência que eu senti na primeira vez que assisti, mas ele carrega uma força silenciosa. Ele sabe exatamente qual história quer contar e qual recorte da vida de Ernesto Guevara quer apresentar. É um filme que, mesmo sem grandes explosões emocionais, deixa uma marca duradoura.

 

Ricardo Gomes
O Sharkboy que se formou em Jornalismo e ama o cinema

 

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Este texto faz parte de um quadro de colaborações com outros redatores. O artigo não foi escrito pelo maravilhoso Luiz Felipe Mendes, dono do blog, e não necessariamente está alinhado às ideias dele.

Publicado por Ricardo Gomes

O cara que mais perde tempo assistindo TV e escrevendo sobre, segundo Michelle (minha gata).