• Um terror que provoca
Hoje, eu trouxe uma surpresa de 2024 que chegou de mansinho e foi se revelando como uma das grandes pérolas do ano. Tô falando de A Substância, um filme que te faz sentir de tudo e mais um pouco. A direção aqui é da Coralie Fargeat, que também dirigiu A Vingança, e, mais uma vez, ela não deixa a gente sair ileso da sala de cinema.
Sem mais enrolação, bora pra crítica!
Uma das coisas que mais me atraíram em A Substância foi o estilo, que eu chamaria de um “Cronenberguismo” moderno. Quem curte filmes que têm um pé na realidade e outro no surreal vai adorar esse. Ele não se preocupa em te dar respostas fáceis. A Substância constrói um universo onde o absurdo é tratado como algo quase comum, o que é um prato cheio pra quem curte narrativas mais ousadas.
A diretora Coralie Fargeat, que já tinha mostrado seu talento em A Vingança, leva esse conceito de incômodo ao limite. Ela não tá aqui pra te dar uma experiência confortável. Desde o início, fica claro que ela quer mexer com seus sentimentos. E isso é uma das marcas mais fortes dela como diretora: a capacidade de te tirar da zona de conforto, seja através da história, seja pelas sensações físicas que o filme provoca.
Só que, comparando com A Vingança, A Substância talvez não chegue a ser tão impactante. Eu senti que o nível de impacto aqui é menor, mas o desconforto tá presente do início ao fim. Ela trabalha bem esse incômodo, especialmente em momentos como a forma nojenta que um personagem se alimenta no início do longa. Isso já te prepara pro que tá por vir e te coloca no clima certo pro restante do filme. Dá pra perceber que a diretora quer te fazer sentir nojo, no sentido literal e figurado.
O filme brinca com analogias que fazem a gente pensar. Logo nos primeiros minutos, ele mostra claramente o que quer discutir: o culto à juventude, a obsessão com a aparência e, claro, a pressão absurda da indústria cinematográfica sobre as mulheres. A Substância é um retrato distorcido dessa obsessão e usa o bizarro pra levar essas ideias ao extremo. E nem precisa de muitas explicações pra isso. A trama vai se desenvolvendo naturalmente, e você entende o ponto sem que o filme precise te guiar pela mão.
A estrela de cinema que recorre a uma substância mágica pra manter sua juventude é quase uma caricatura dos padrões exigidos pela indústria. A escolha de Margaret Qualley e Demi Moore como protagonistas é certeira. Qualley, com sua carreira em ascensão, traz essa vibe de uma atriz ainda sendo moldada pela indústria. Já a Demi Moore, que brilhou nos anos 90 e foi ficando de escanteio com o passar dos anos, representa exatamente essa pressão de se manter relevante.
A analogia é clara: as duas atrizes vivem o que suas personagens estão passando, de formas diferentes. E isso torna o filme ainda mais forte, porque a gente consegue enxergar a verdade por trás da ficção. Esse casting foi, sem dúvida, um dos grandes acertos do filme.
Falando das atuações, tanto Qualley quanto Moore entregam muito bem o que o filme pede delas. Qualley tá construindo uma carreira sólida, com papéis interessantes em filmes do Tarantino e do Lanthimos, mas aqui ela eleva seu jogo. Ela entende a superficialidade da personagem e, ao mesmo tempo, a profundidade da angústia que carrega. É aquela atriz que precisa se manter relevante a qualquer custo. Dá pra sentir essa pressão em cada gesto, em cada fala.
E a Demi Moore? Bom, ela surpreende demais aqui. É como se ela estivesse canalizando toda a frustração de sua própria trajetória em Hollywood. A personagem dela é uma reflexão sobre o que acontece com atrizes que não conseguem se encaixar nos padrões de juventude e beleza impostos pela indústria. E Moore faz isso com uma carga emocional muito forte. Você sente a dor dessa mulher que, aos poucos, vai se desintegrando, tanto física quanto emocionalmente.
Outro ponto que merece destaque é o design de produção. O filme cria um universo próprio, mas não exagera no visual. Ele é consistente e sabe quando deixar a fantasia aparecer. A escolha de cenários e o uso de efeitos práticos elevam o nível de estranheza sem tirar a gente da imersão. E isso é difícil de fazer, ainda mais quando o filme está lidando com temas tão absurdos.
A trilha sonora também é um fator chave aqui. Ela complementa perfeitamente o clima estranho e perturbador. Não é uma trilha que você vai sair cantarolando, mas é o tipo de música que fica na sua cabeça, causando aquela sensação de desconforto que o filme quer provocar.
Agora, falando da estrutura narrativa, A Substância é um filme que vai crescendo em estranheza até chegar no ápice, que é o final completamente insano. Sério, a Fargeat puxa a corda até o limite. A conclusão do filme é daquelas que vai dividir opiniões. Tem gente que vai amar, tem gente que vai odiar. Eu, particularmente, curti essa ousadia de não entregar algo fácil de digerir. Mas, como eu falei antes, esse não é um filme preocupado em te agradar. Ele quer que você sinta algo, nem que esse algo seja incômodo, bizarro ou até repulsivo.
E o final reflete exatamente isso. Se você curte uma narrativa que não faz questão de te segurar pela mão, esse é o filme pra você. A Substância não tem medo de ser estranho, e esse é o charme dele.
Pra concluir, A Substância é uma grata surpresa em 2024. É um filme que provoca, te faz sentir desconforto e que, acima de tudo, levanta questões importantes sobre o papel das mulheres na indústria do entretenimento. Pode não ser pra todos os gostos, mas, se você curte um terror que flerta com o surreal e o absurdo, vale muito a pena conferir.
Ricardo Gomes
O Sharkboy que estuda Jornalismo e ama o cinema
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Este texto faz parte de um quadro de colaborações com outros redatores. O artigo não foi escrito pelo maravilhoso Luiz Felipe Mendes, dono do blog, e não necessariamente está alinhado às ideias dele.