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AnáliseSylvester #02 – Dois Homens e Meio

• Two and a Half Men

Mesmo não sendo tão cultuada quanto outras séries do gênero, veja alguns motivos pelos quais “Dois Homens e Meio” é uma das melhores sitcoms já feitas

Criada por Chuck Lorre e Lee Aronsohn, a série de TV “Dois Homens e Meio” mostra o dia a dia de dois irmãos, Charlie Harper (Charlie Sheen) e Alan Harper (Jon Cryer), depois que Alan se divorcia e se muda com o filho para a casa de Charlie. A comédia foi gravada entre 2003 e 2015 e durou 12 temporadas. A trama aborda as diferenças entre os estilos de vida dos irmãos e os efeitos que a mudança do irmão e do sobrinho causam na vida de Charlie.

Abertura

Começando do começo (por mais redundante que isso possa parecer), a abertura de “Dois Homens e Meio” consegue fazer o espectador entrar no clima do seriado. A canção chama-se “Manly Men” (“Homens Viris”, em tradução literal), composta por Grant Geissman. É cantada primeiramente por Charlie Sheen, Jon Cryer e Angus T. Jones. Depois, por Ashton Kutcher, Cryer e Jones. Apesar da duração curta e de ser apenas em um cenário, o ritmo, a melodia, a interpretação dos atores e a montagem de Jones crescendo ao longo dos anos funcionam muito bem. É uma daquelas aberturas em que a gente se anima e canta junto, similar ao que acontece em Smallville e Friends. Este texto contém alguns spoilers da série.

Química entre os protagonistas

Charlie Sheen e Jon Cryer tiveram bastante química. O talento dos dois atores ficou evidente nas cenas. Enquanto Charlie tinha um humor ácido, com olhadas cínicas e tiradas irônicas, Alan era mais abobado. Ele também era mais moralista, ao menos nas primeiras temporadas. Os dois personagens eram diferentes em quase tudo – Charlie era o músico mulherengo e bem sucedido financeiramente. Por outro lado, Alan fez faculdade e tornou-se quiroprático (especialista em coluna e tecido nervoso). Ele também se casou, teve um filho, se divorciou e acabou ficando sem casa, tendo ainda que pagar pensão para a ex-mulher. Um boa fórmula para muitos conflitos na interação dos dois irmãos.

Você pode ver um exemplo dessa química clicando aqui (https://www.youtube.com/watch?v=SLMAvPn_1gA). Na cena, da Temporada 6 Episódio 21, Chelsea, namorada de Charlie, organiza um encontro duplo para apresentar uma amiga a Alan, que segundo ela, era a mulher perfeita. Na verdade, a amiga se tratava de Rose, velha conhecida dos irmãos.

Talento de Jon Cryer

Jon Cryer dá vida ao personagem mais engraçado do programa. Ele passa pelas situações mais bizarras possíveis. Muda o visual, se machuca, aparece várias vezes só de cueca, entre outras coisas. Tudo isso revela a versatilidade do ator, que transita muito bem entre momentos de rir, chorar, refletir e brigar (por mais que o público acabe rindo em todos eles).

Alan é do tipo que fala e gesticula mais, que faz caras e bocas, mas sem parecer forçado. Não à toa sua atuação no seriado lhe rendeu dois prêmios Emmy – um por Melhor Ator Coadjuvante em Série de Comédia, em 2009; e outro na categoria Melhor Ator em Série de Comédia, em 2012. Fora isso, ele ainda teve cinco indicações, também ao Emmy, na categoria Melhor Ator Coadjuvante.

Participação de Jake

Diferente de sitcoms como Friends, How I Met Your Mother e The Big Bang Theory, aqui um dos personagens principais é uma criança, Jake Harper (Angus T. Jones), o filho de Alan. O ator literalmente cresce com o seriado, tendo participado de quase todas as temporadas. Jake é do tipo descompromissado, que não gosta de estudar. Ele participa de vários momentos engraçados do programa, muito por causa do seu QI abaixo do normal.

É interessante ver como Jake é colocado em meio a tantas situações/momentos de “caráter adulto”, como jogos, apostas, bebidas, piadas sobre sexo e assim por diante. Claro que nada nunca é levado totalmente a sério. Enquanto Alan tenta educar o filho com valores, Charlie surge do outro lado para quebrar qualquer noção de certo e errado, o que propositalmente leva ao riso (até porque as perguntas e o simples jeito de Jake colaboram fortemente para isso). Vale ressaltar que, apesar das diferenças de personalidade, umas das poucas coisas que Alan e Charlie têm em comum é o amor pelo menino.

Curiosamente, Angus T. Jones mais tarde se tornou adventista e, em um depoimento gravado para a igreja em 2012, afirmou que a série era “suja” e que as pessoas não deveriam assisti-la. Depois ele acabou se desculpando por tais declarações, mas, em 2014, voltou a criticar o programa. Dessa vez, Jones disse que era um “hipócrita pago” pois não estava de acordo “em ser parte de algo que ganhava as manchetes do mundo enquanto existem problemas de verdade para muitas pessoas”. Jones foi um dos atores mirins mais bem pagos da história da TV, ganhando certa de US$ 350 mil por episódio.

Evelyn Harper

Como não falar de uma das melhores coadjuvantes das sitcoms que existe? Evelyn Harper (Holland Taylor) é a mãe que causa boa parte da angústia nos filhos Charlie e Alan. Uma senhora bonita, elegante, corretora de imóveis e empoderada. Exige atenção dos filhos, mas ela mesma não é do tipo carinhosa ou amorosa. Entre os filhos, há uma clara preferência dela por Charlie. Esse, inclusive, se parece muito com a mãe no gosto pelo álcool e por nunca assumir um compromisso amoroso sério.

São vários os momentos em que Charlie e Alan discutem para decidir qual deles vai falar com a mãe, ou até sair com ela para algum lugar. Em outros é possível perceber como Evelyn consegue pressionar ou caçoar da sua prole apenas pelo olhar. Não há nada de elaborado nas cenas em questão, mas os cortes, as expressões do rosto e a sincronia do elenco chamam muito a atenção e colaboram para o sucesso.  Ela já ganhou um prêmio Emmy de melhor atriz em série dramática por O Desafio. Sua última aparição foi no filme Para Todos os Garotos: P.S.: Ainda Amo Você, recentemente lançado na Netflix.

Mas nem tudo são flores, conforme veremos a seguir.

Impacto da saída de Charlie Sheen

É inegável que a série perdeu qualidade após a saída de Charlie Sheen. Devido a internações em clínicas de reabilitação para dependentes químicos e, principalmente, desentendimentos com Chuck Lorre, Sheen deixou o programa no decorrer da oitava temporada, que contou somente com 16 episódios. A justificativa dada para sua saída da trama foi uma viagem para Paris. Charlie vai para a capital francesa junto com Rose, sua vizinha stalker, e morre atropelado por um metrô. Essa explicação vai por água abaixo (spoiler) no último episódio da 12ª temporada, quando Rose apresenta outro motivo para o sumiço de Charlie, com direito a uma animação 3D de nível amador e uma pequena participação do personagem de Charlie Sheen, interpretado por um dublê de corpo (fim do spoiler).

Assim, no primeiro episódio da nona temporada, surge o personagem de Ashton Kutcher, Walden Schmidt, um nerd bilionário recém divorciado. Kutcher até se esforça, mas a ausência de Charlie causa um buraco significativo na narrativa. Charlie fazia um personagem muito mais identificável, além de Sheen ser melhor ator que Kutcher. Em alguns momentos das temporadas finais, são feitas referências ao personagem e à própria pessoa de Charlie Sheen, servindo como alfinetadas de Chuck Lorre ao ex-colega da equipe.

Já um dos pontos mais baixos da famosa comédia é a 11ª temporada, quando a filha de Charlie, Jenny, interpretada por Amber Tamblyn, entra na história. Indo a Los Angeles em busca de uma carreira como atriz, ela também decide encontrar-se com o pai biológico. Apesar de nunca terem se conhecido, Jenny se parece com Charlie em pontos cruciais, como o gosto por bebidas e a preferência por mulheres.

O que ocorreu, na verdade, foi que Jenny entrou para preencher o espaço deixado por Jake e preservar a premissa inicial do projeto. Angus T. Jones também acabou saindo da série de forma polêmica, após ter desenvolvido fortes convicções religiosas (conforme explicado acima). O personagem vai para o exército, depois inicia um romance com uma garota e daí vai morar em outro país. Jones volta para uma rápida participação no último episódio da 12ª temporada, com um visual bem diferente, a propósito. Com ou sem Jake, Charlie Harper nunca deixou de ser lembrado ou citado.

Veredito

“Dois Homens e Meio” começou muito bem e manteve esse nível por bastante tempo. Talvez um dos segredos aqui seja o fato de que a série se concentrou em somente dois protagonistas (por extensão, “dois e meio”). Assim, foi possível explorar ao máximo os pontos fortes e fracos de cada um, aliando isso com ótimos personagens coadjuvantes, como Berta (Conchata Ferrell), Judith (Marin Hinkle) e as já citadas Evelyn e Rose. Também houve, é claro, participações especiais marcantes, como as de Arnold Schwarzenegger, do já falecido Michael Clarke Duncan e do próprio Martin Sheen, pai de Charlie na vida real.

A saída abrupta de Charlie deixou, sem dúvidas, um vazio enorme no programa. Coube a Cryer assumir o protagonismo e tentar amenizar os danos, o que ele fez dentro das possibilidades. Outro ponto negativo recai justamente sobre seu personagem, a partir da entrada de Ashton Kutcher. Alan torna-se quase um parasita: não trabalha mais, não se preocupa tanto quanto antes com as responsabilidades financeiras de pai, ex-marido e namorado, e vive às custas de Walden. Não sabemos qual seria o desfecho de Alan Harper se Charlie não tivesse saído, mas fica claro que ele regrediu, do ponto de vista de desenvolvimento de personagem. Pode ser que tenha sido uma maneira encontrada pelos roteiristas e criadores de tornar Walden útil na trama.

Apesar de todos esses fatores, “Dois Homens e Meio” conseguiu reservar seu espaço em meio a tantas séries e sitcoms existentes. É leve e divertida, além de brincar com muitos “tabus”. Tudo torna fácil a maratona, por mais que seja pela segunda, terceira ou quarta vez.

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Sylvester Carvalho
Estudante de Jornalismo. Amante de filmes e séries. Grande fã do Homem-Aranha

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Este texto faz parte de um novo quadro de colaborações com outros redatores. O artigo não foi escrito por Luiz Felipe Mendes, o dono do blog.

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).