Ação/Policial, Séries

Narcos México: 2ª Temporada (2020)

• O Voo de Ícaro

A frase é pra lá de clichê, mas não deixa de ser verdadeira: quanto maior a ascensão, maior a queda. O principal mal de quem busca o poder é a insatisfação pulsante de sempre querer mais, abrindo mão de tudo o que fora conquistado antes. Pessoalmente, a sede de poder me parece algo bem vazio. Se eu gostaria de ser milionário? Obviamente que sim! Eu usaria o dinheiro pra viajar ao redor do mundo, proporcionar o máximo de conforto pra mim, meus amigos e minha família, faria coisas que eu nunca imaginaria ser possível, e tentaria também usar a grana para propósitos mais honrosos, digamos assim. Acho que a maioria da população faria o mesmo. O que eu não consigo entender é o conceito de já ter tudo e ainda desejar mais. Entretanto, acredito que um certo líder do narcotráfico mexicano também deveria pensar assim no começo. De fato, o poder corrompe.

 

Sinopse

Miguel Ángel Félix Gallardo sacrificou seus próprios companheiros a fim de se manter fora da cadeia e dar seguimento ao seu império. Todos os importantes chefes de praça no submundo das drogas no México estão unificados perante a bandeira de Félix, cada um cuidando de seu território, mas trabalhando sob a tutela de um único homem. Precisamos reconhecer que foi uma ideia ousada e inicialmente bem-sucedida. Contudo, a aliança dos traficantes só duraria enquanto o acordo fosse vantajoso para todos os lados. Em outras palavras, a partir do momento em que aparecesse uma turbulência, o sindicato de Félix seria ameaçado. Foi tiro e queda: o ramo da cocaína está passando por dificuldades, e Félix tenta arranjar um jeito de fazer com que tudo continue funcionando, ao mesmo tempo em que conflitos internos vão aparecendo. Enquanto isso, uma operação da DEA liderada por Walt Breslin tenta desmantelar de vez o domínio do narcotráfico no México.

Se isso fosse Harry Potter, com certeza o Gallardo teria tomado a poção Félix Felicis

Crítica

Obras com bons diálogos me conquistam logo de cara. Isso sempre me fascinou tanto em Narcos quanto em Narcos: México, a capacidade de entregar um ótimo roteiro, diálogos pertinentes e personagens incríveis, apoiados por interpretações de primeira linha. Essas características estão presentes na segunda temporada de Narcos: México. O roteiro não perde tempo com conversas batidas, os acontecimentos vão sendo desenhados com capricho e as atuações estão no ponto. Porém, aqui temos a maior instabilidade do universo de Narcos até então.

A temporada começa morna, como era de se esperar. Aos poucos, a série tenta colocar o espectador de volta às terras mexicanas, uma tarefa complicada sobretudo pra quem viu a primeira temporada há muito tempo. Eu demorei pelo menos metade da temporada pra decorar mais ou menos quem era quem, e, enquanto escrevo este pitaco, estou com outra guia aberta pra poder citar os nomes corretos dos personagens, porque os rostos misturam todos em minha cabeça. Temos a galera de Sinaloa (Héctor, Chapo) e Tijuana (a família Arellano Félix), as tramas políticas na Cidade do México, e os personagens não são tão memoráveis como na época em que estávamos figurativamente na Colômbia. São muitos grupos diferentes, muitos nomes, e a escassez de registros históricos servindo pra nos ambientar na história também afeta a experiência. Quando as filmagens dos acontecimentos reais aparecem, as explicações são feitas de maneira muito rápida e, se você distrair-se um pouquinho, provavelmente vai perder fragmentos importantes do enredo. A série gasta muito tempo com núcleos de pouca relevância em detrimento de contextualizar melhor as ocorrências essenciais para o entendimento da trama.

Nos aspectos técnicos, Narcos: México herda o defeito da maioria das séries da Netflix: a escuridão. As cenas que se passam à noite são particularmente irritantes. Eu entendo que a falta de luz contribui para uma maior imersão na série, mas de nada adianta se eu não consigo enxergar absolutamente nada. Sequências que poderiam ser impactantes perdem força, pois são difíceis de enxergar. Além disso, os diálogos são absurdamente baixos. É meio incômodo ter que ficar aumentando a televisão pra conseguir ouvir o que os personagens estão dizendo (eu assisto legendado, mas gosto de ouvir as vozes das pessoas conversando) e alguns segundos depois ter de abaixar o volume drasticamente por conta de um tiroteio. Em contrapartida, a cinematografia é linda. Os cenários são de tirar o fôlego, e a reconstituição histórica das cidades e dos campos é impressionante. Visualmente, Narcos: México é praticamente impecável, com a única ressalva para a persistente escuridão em determinados momentos.

Quanto à experiência geral, vou retomar o que disse no segundo parágrafo. A temporada começa morna, e até aí sem problemas. Todavia, a trama demora demais a engrenar, e nesse meio-tempo a maratona se torna cansativa e tediosa. Depois de uma lentidão excessiva, a história finalmente entra nos trilhos e a partir daí a série fica nota 10. O protagonista interpretado por Diego Luna, o qual estava em baixa na temporada, se recupera e termina as ações em alta. Quando as conspirações políticas entram em pauta, a série melhora em 200% e faz a gente enxergar de forma definitiva o impacto negativo do narcotráfico em uma nação. Pela primeira vez, eu senti um total desprezo pelo Félix, e isso é uma coisa boa. No lado da DEA, a trajetória de Kiki Camarena na primeira temporada de Narcos: México é bem melhor do que o caminho traçado por Walt Breslin na segunda, e eu fiquei muito mais interessado nas cenas envolvendo os traficantes do que as partes incluindo os policiais.

Os gringos salvadores da pátria

Veredito

Contando as três temporadas de Narcos e a única de Narcos: México, o segundo ano desta última é o mais inferior dos cinco. A história demora a engrenar, os personagens são menos explorados e a imersão ocorre de modo mais fragmentado. Walt Breslin é uma boa adição, mas fica à sombra de Kiki Camarena. Félix Gallardo perde carisma, mas pelo menos diz a que veio na reta final. A ambientação dos acontecimentos é mais pobre, e ganha força apenas a partir do sétimo capítulo, quando tudo o que eu queria fazer da minha vida era continuar assistindo pra explorar os desdobramentos da série. Em um apanhado geral, a segunda temporada de Narcos: México começa lenta, dá atenção para alguns personagens sem muito a entregar, e chega a ficar desinteressante devido ao seu ritmo devagar e à longa duração de seus episódios, cada um com cerca de uma hora. No entanto, o roteiro se recupera, resgata o potencial de cada personagem, acelera a narrativa e aposta no talento de seu elenco, tudo isso sustentado por uma belíssima fotografia e diálogos inspirados. Nota final: 4,1/5.

Um pequeno aperitivo para a próxima temporada

 

>> Crítica da 1ª Temporada de Narcos: México

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • Está instituído que, a partir de hoje, qualquer presente de aniversário que eu receber precisa ser pelo menos do mesmo nível de um tigre. Se não for isso, nem quero.
  • Acho hilário o quanto os estadunidenses sempre se acham os bonzinhos da situação, até mesmo nas torturas. Enquanto tentavam arrancar a informação do torturador do Camarena, ficavam só socando um cara acostumado a esse tipo de coisa. É muita inocência, pelo amor. Quando o outro maluco da DEA (não fiz questão de decorar o nome de ninguém a não ser o do Walt, até porque os outros não tiveram profundidade nenhuma) atirou no traficante, soltei um sonoro “finalmente!” ao lado do meu pai. Ah, e gostei muito da hora em que a narração do Walt falou que os EUA eram o país mais drogado do mundo, e que era hipócrita eles agirem como os juízes do assunto. Compartilho desse pensamento.
  • Muito boa a aparição do Pacho Herrera. As brigas veladas com o Félix, com o colombiano vencendo o primeiro round e o mexicano, o segundo… porém, no final das contas, o Cartel de Cáli se saiu melhor na história. E ainda tivemos o Salcedo dando as caras <3
  • Sobre os irmãos Félix, a Enedina parecia ser a única com um cérebro. O Ramón era um completo desmiolado, e o Benjamín soava como quem não sabia o que estava fazendo. Eles podem até ser poderosos, mas a falta de sagacidade pode custar caro no futuro.
  • Ok, foi boa a ideia da Isabella de contrabandear drogas através de trabalhadoras, mas sinceramente… não fez diferença nenhuma. Ela foi presa no final, a Enedina não sofreu nenhum tipo de consequência, e todo o arco me deu a impressão de não ter servido pra nada.
  • Vou confessar que eu não conseguia lembrar quem era o Acosta. Na hora em que ele apareceu, me veio uma vaga lembrança de seu rosto. Eu pensei em colocá-lo como Maior Evolução em vez de Melhor Personagem, mas não teve como. O cara tacou o foda-se e foi morar no Texas, encontrou uma garota e se apaixonou, e agiu o tempo todo como alguém que desejava deixar a vida do crime pra trás. Quando retornou ao universo do narcotráfico, o fez nos seus próprios termos, e ainda resolveu falar com jornalistas pra expor parcialmente as polêmicas. Só discordei de ele ter resolvido dar a vida pra salvar a Mimi e o futuro filho. Se tivesse aceitado o acordo do Walt, talvez as coisas tivessem dado certo. Acho que eu não seria capaz de entregar minha vida de bandeja igual ele fez, teria ido pros EUA na certa.
  • O Calderoni é um fdp, né? O cara nem pode ser chamado de agente duplo mais, é um agente múltiplo. A quem ele serve, na real? Porém, preciso reconhecer que é um puta personagem bom, muito provavelmente o mais “acinzentado” da série. Ele trafega muito constantemente entre o bem e o mal, se é que podemos levar esses conceitos em conta.
  • Foi chocante todo o grupo do Walt, exceto por ele, ter morrido na emboscada do aeroporto, mas eu não fiquei com uma sensação de luto. Como eu já disse ali em cima, não consegui sequer decorar os nomes deles, e o backstory de cada um era muito superficial. Sei que um tinha um irmão na cadeia, outro buscava voltar pra família ou algo assim, só que a série não deu muita atenção pra isso. Por esse motivo, a morte deles foi mais um marco narrativo do que um momento de tristeza. E sobre o Walt, eu jurava que ele seria aquele tipo de policial sem escrúpulos que faria as merdas acontecerem, mas a série conseguiu demonstrar bem a sua fragilidade, principalmente em decorrência da perda do irmão para as drogas. Ah, e foi genial o seu plano de tirar o sobrinho do Secretário de Defesa de sua fortaleza ao se aproveitar da paranoia do cara. Fico imaginando o desespero que ele sentiu quando percebeu que tinha desembarcado em solo texano.
  • Que RAIVA do Félix naquele rolê das Eleições, velho. O que será que teria sido do México se aquele Salinas cara não tivesse sido eleito presidente? Não dá pra garantir que o país teria se desenvolvido ao ponto de ter carros voadores ou algo do tipo, mas muita coisa poderia ter mudado. E essa atitude de colocar zeros a mais nas cédulas de votação pra fraudar as Eleições foi, a longo prazo, uma atitude muito pior do que explodir um avião como Pablo Escobar mandou fazer. E impressionante que ainda tem gente que apoia voto impresso em pleno 2020…
  • Não julgo o Palma ter dado uma de Negan pra cima do amante de sua esposa. Porra, o cara matou a família inteira dele, incluindo as crianças. E pirei no fato de que o Palma conseguiu sobreviver, apesar de tudo. Arrisco que não por muito tempo.
  • Incrível a mudança do Félix, né? Qualquer pingo de decência que ele ainda tinha dentro de si foi apagado totalmente. A sua relação com a ex-esposa (aliás, o que aconteceu com a segunda?) é uma prova disso. No fim, ele acabou sozinho na prisão (melhor do que ter as companhias do Rafa e do Neto, acho). Aquele diálogo final com o Walt, por falar nisso, foi simplesmente sensacional. Ruim com o Félix, pior sem ele, mas alguém precisava pará-lo no final das contas. É um paradoxo. Agora eu quero até ver o caos que se alastrou no México após a sua saída, principalmente os conflitos entre Tijuana e Sinaloa. Espero que a terceira temporada não demore a chegar.

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Pablo Acosta
Nos últimos episódios da temporada, Félix Gallardo teve um pico muito grande de qualidade, mas o seu início infelizmente foi um pouco abaixo. Pablo Acosta, por sua vez, foi constante o tempo inteiro, até quando havia um certo ar de mistério em relação ao mesmo.

Quando seu time leva o gol de empate aos 48 minutos do segundo tempo

+ Melhor episódio: S02E08 (“Se Cayó El Sistema”)
O auge da temporada foi quando as tramitações políticas entraram em cena. E o auge do auge foi bem aqui.

Botar os vacilão pra Mimi

+ Maior surpresa: Juan Nepomuceno Guerra
Ele entrou na série como quem não queria nada, e deu um verdadeiro baile em muita gente ao colocar sua experiência em prática, o tipo de experiência que só surge com a passagem do tempo.

Guerra é guerra, moleque

+ Mais subestimado: Amado Carrillo Fuentes
Sem ele, possivelmente os cartéis mexicanos não seriam nada. Amado é uma engrenagem essencial no sistema do narcotráfico, e exerce sua função sem chamar atenção exagerada para si mesmo.

SubestiAmado

+ Mais inútil: Isabella Bautista
Tenho muita preguiça de personagem sem muito a entregar. Sinceramente, se o seu arco tivesse sido completamente removido
, não teria feito falta nenhuma.

A Isa não teve uma Bella participação na temporada

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).