• Panela de pressão
Por que gostamos tanto de azarões? Se você tem o costume de acompanhar esportes, sabe que quase todo mundo torce pro time que não é favorito para vencer, a não ser que a equipe favorita seja aquela pela qual você torce. Isso é regra no futebol, no basquete, no automobilismo… e com o futebol americano não é diferente. Depois de duas temporadas (nos dois sentidos da palavra) cobrindo o EMCC Lions, em Scooba, no Mississippi, a Netflix decidiu mudar de faculdade. O alvo da vez foi o ICC Pirates, em Independence, no Kansas. Ao contrário dos Lions, os Pirates nunca tiveram uma cultura vitoriosa. No ano de 2017, porém, o clube contratou um novo técnico e diversos jogadores de talento, e Last Chance U estava lá para conferir.
Sinopse
Derrotas atrás de derrotas. Na Conferência Jayhawk da Divisão II do college football, o Independence Community College está acostumado a perder. Para se ter uma ideia, a última vez em que a equipe conseguiu ser campeã de sua conferência foi no final da década de 1980. Desde então, os Pirates nunca conseguiram ser competidores sólidos por muito tempo. Jason Brown chega para mudar essa cultura. Com fama de ser um excelente recrutador, o novo head coach de ICC chega com tudo. Ele convence jogadores com grande potencial a se mudar para o estado do Kansas, a fim de construir um legado dentro de uma faculdade que amargava incontáveis reveses. Apesar de ser um ótimo olheiro, o treinador tem um problema: a ira. Assim como Buddy Stephens, do EMCC Lions, Jason Brown é explosivo, exigente e até mesmo desrespeitoso. Será que a sua filosofia de trabalho funcionou com os Pirates?
Crítica
A atmosfera da série permanece a mesma, assim como a sua estrutura. Os episódios são contados a partir da perspectiva de pessoas específicas, envolvidas com o time ou com a cidade. As tramas alternam entre a concentração e os jogos da equipe, a vida pessoal dos atletas e técnicos, além de histórias que ajudam a enriquecer e dar uma sólida identidade à cidade-sede da temporada.
A diferença na abordagem está majoritariamente na pressão fornecida pelas culturas. Nas duas primeiras temporadas, os capítulos deixaram bem claro que aquele ali era um time que alcançou o topo e gostaria de sustentá-lo. Na terceira, a ideia era de criar uma jornada do herói, acompanhar uma franca evolução de um clube em ascensão. Com isso, enquanto antes o foco era a manutenção de um trabalho vitorioso, as atenções agora estão centradas na mudança de todo um pensamento.
Foi uma ideia genial. Sim, Last Chance U poderia tranquilamente ter permanecido em Scooba, mas o final do segundo ano deixou bem claro o encerramento de um ciclo. O estafe dos Lions estava mais impaciente com os documentaristas, o elenco estava sendo bastante alterado e Brittany Wagner, o pilar daquele programa esportivo e educacional, não figurava mais lá para desempenhar o equilíbrio entre o resultado e o lado humano dos envolvidos no processo. Ao fim da segunda temporada, o EMCC Lions claramente passava por uma renovação, e assim a série também o fez.
De certa forma, é um pouco difícil de ver a diferente ambientação. Nos primeiros momentos, eu só conseguia pensar coisas como “o que quero saber desse pessoal de Kansas? Tragam de volta meu Mississippi!” e “quem essa galera acha que é, remanejando a melodia da música de abertura?“, mas aos poucos fui me acostumando. Então, a experiência tornou-se empolgante. As vitórias dos Pirates eram bem mais emocionantes, no sentido de que ninguém esperava que ganhassem, pra começo de conversa. É interessante também notar que, embora o time contasse com diversos jogadores talentosos, o conjunto era bem aquém do esperado. Quando os triunfos vinham, era claramente por conta dos atributos individuais.
A professora de inglês Latonya Pinkard preenche parcialmente o vácuo deixado por Brittany Wagner. São relações diferentes, mas Latonya consegue fortalecer alguns laços com determinados atletas, especialmente o linebacker Bobby Bruce, carregando nas costas o lado sensível da temporada. As histórias pessoais dos jogadores são, em sua maioria, sofridas e até mesmo trágicas, assim como nas duas primeiras temporadas. Contudo, o senso de proximidade com os garotos se perde um pouco, principalmente por causa de Jason Brown.
Buddy Stephens era nervosinho. Ele xingava, cobrava e gritava, mas também apoiava e ensinava. Jason Brown é bem mais agressivo, e nem sempre adota uma linguagem mais branda. Frequentemente, ele ameaça os jogadores, abusa psicologicamente deles e tem uns ataques de raiva extremamente desproporcionais. Ele é aquele técnico durão, que busca extrair o melhor de seus jogadores por meio de motivações brutas. Isso funciona até certo ponto, pois chegam momentos em que os seus comandados deixam de respeitá-lo, sobretudo quando ele mesmo erra em excesso e passa a destratar seus próprios treinadores.
No início, eu tolerei e entendi o jeitão de Jason Brown, ainda mais por causa da sua criação em Compton. Entretanto, à medida que o tempo foi passando, o clima ficou cada vez mais pesado, e os episódios, mais difíceis de ser assistidos. O enfoque ficou tanto nas explosões do técnico e na repercussão em cima dos jogadores que aquela noção de humanidade tão característica de Last Chance U se perdeu.
A série é belamente produzida. A fotografia, a escolha de imagens, a condução da narrativa seguem impecáveis. A mudança de cenário fez bem à série, mas o próprio conteúdo da escola acabou por atrapalhar um pouco.
Veredito
A ideia foi boa, e a execução também. Porém, a temporada foi um pouco sabotada pelo próprio elenco. Nas duas primeiras temporadas, era possível analisar o enredo pela perspectiva do desempenho escolar dos alunos, o rendimento dos atletas, o cuidado dos professores, as intrigas do time e os resultados finais. Na terceira, a trama inicial começa bastante próspera, com a ideia de gravar o trajeto emergente de uma equipe sem muita tradição. Os personagens e suas dores são bem explorados pela direção, ainda que não haja uma conexão tão grande quanto antes, e o aspecto técnico da série é do mais alto nível. No entanto, a atmosfera é pesada e acaba afetando a experiência, tornando a maratona mais complicada do que o imaginado. Nota final: 4,1/5.
>> Crítica da 1ª Temporada de Last Chance U
>> Crítica da 2ª Temporada de Last Chance U
Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco
Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco
Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco
Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco
~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~
- Algumas pessoas não consideram um spoiler, mas eu gosto de assistir séries como Last Chance U sem saber o que aconteceu no campeonato em questão. Como não acompanho muito a Divisão II do college football dos EUA, não fazia ideia de qual seria o resultado final da temporada dos Pirates. Desta forma, cada coisinha foi uma surpresa. Foi uma pena não terem se classificado para o Nacional (ainda que, se pararmos pra pensar, não mereciam mesmo), mas pelo menos conseguiram um título de conferência depois de décadas. Show!
- Jason Brown: no começo, me vi interessado pelo seu jeito inescrupuloso. Eu morro de preguiça da hipocrisia estadunidense quando o assunto é palavrão. Tipo, tudo bem falar sobre sexo, drogas e violência, incentivar o porte de armas e afins, mas nooooossa, falou “fuck”, então merece punições. Jason Brown tá pouco se ferrando pra isso, só que não é este o problema. O cara foi desrespeitoso demais, até um dos outros treinadores quis bater nele. Ele tratava os jogadores quase como máquinas, não conseguiu o respeito devido deles e cansou de pressionar psicologicamente o elenco inteiro. Jason é um excelente recrutador, realmente acima da média, mas como treinador é terrível, tanto pela sua conduta quanto pelas suas táticas.
- Malik Henry: e por falar nas táticas, que cara inteligente é o Malik, hein? O tenso é que dava pra perceber que seu coração não estava totalmente naquilo. Desculpem por isso, posso estar julgando demais, mas aquele pai dele é um bosta. Ficou fora da vida do filho por um tempão, e quando voltou se viu no direito de ser o mais controlador possível. Grande parte do motivo pelo qual Malik é tão indisciplinado com certeza tem algo a ver com isso.
- Kerry Buckmaster: torci pra caramba por ele. Dono de uma das histórias mais pesadas da temporada, o cara era claramente um dos melhores jogadores do time, quando saudável. Dava pra sentir a queda de rendimento na linha ofensiva quando ele não estava podendo atuar.
- Bobby Bruce: senti uma vibe muito Isaiah Wright nele. Um atleta incrível, mas tantas cicatrizes o deixaram propenso à autossabotagem. Seu relacionamento com a professora Pinkard foi uma das coisas mais legais da temporada, e não dava pra não torcer pelo seu sucesso.
- É muito louco de ver como os jogadores destroem suas próprias carreiras. Cara, qual é a dificuldade de chegar pontualmente nos treinos, fazer as tarefas de casa, estudar para a prova? Parece algo tão fácil e banal, mas quando paramos para analisar a vida de cada um lá, faz muito sentido. É aquela coisa, né, você tem que ter muita sorte para conseguir prosperar em meios tão tóxicos. A maioria não consegue.
- Muito irônico o fato de que, assim que a série parou de cobrir os Lions, eles voltaram a ser campeões nacionais. Coincidência?
~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~
+ Melhor personagem: Bobby Bruce
Talvez eu tenha um certo apreço por personagens inseguros e problemáticos que tentam dar a volta por cima. Bobby Bruce é uma pessoa boa e um ótimo jogador. Suas crises pessoais são um ponto forte da temporada, e que acabaram por marcar a história. Latonya Pinkard também é destaque positivo.
+ Melhor episódio: S03E03 (“Jimmys ans Joes”)
É impressionante como algumas partidas esportivas parecem um roteiro cinematográfico ou televisivo. Quando acontece de um jogo emocionante estar sendo documentado de perto, aí é que as coisas ficam melhores ainda.
Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?