Drama

Inventando Anna (2022)

• As facetas de uma golpista

Eu tô gostando cada vez mais dessa parada de minissérie. Só de pensar que não terei de me preocupar com recapitulações futuras, porque daqui a um ano não lembraria mais dos detalhes, me dá um alívio absoluto. Por isso, não tive tantos problemas em iniciar Inventando Anna. Atualmente, eu tô com uma espécie de pacto interno de não começar séries novas, a fim de terminar as antigas que estão desatualizadas. As exceções ficam pra obras da Marvel, que estão sempre em alta, e algumas outras que estiverem muito na crista da onda. Como esta minissérie se trata de algo mais curto e direto, deu pra maratonar tranquilamente, mesmo o conjunto tendo nove episódios de uma hora cada.

 

Sinopse

Anna Delvey é inteligente, ninguém pode negar. Por meio de seu instinto de sobrevivência e imensa cara de pau, a jovem conseguiu enganar dezenas de figurões de Nova York, afirmando ser uma milionária herdeira alemã. Depois de quase alcançar o topo, as coisas mudam a partir do momento em que Anna é presa. Interessada por sua improvável trajetória, a jornalista Vivian Kent tenta convencer a golpista a contar a sua versão da história. Assim, a linha entre verdade e mentira se mostra cada vez mais tênue, sobretudo por conta da incrível capacidade manipulativa da suposta criminosa.

Sabe por que ela está sempre com calor? Porque é a Vivian KENT

Crítica

A showrunner de Inventando Anna é ninguém menos do que Shonda Rhimes, responsável por criar Grey’s AnatomyHow To Get Away With Murder, Bridgerton, entre outras. Portanto, a mulher sabe o que faz. O seu talento com a ficção é inquestionável, mas as coisas aqui são um pouquinho diferentes. Anna Delvey é uma pessoa real, que existe de verdade. Desta forma, como encontrar o equilíbrio entre contar uma história que seja atrativa enquanto série, ao mesmo tempo em que se busca retratar um caso verídico?

O principal exemplo que surgiu na minha mente ao ver a proposta de Inventando Anna foi o filme brasileiro VIPs, com Wagner Moura. No longa em questão, um cara simplesmente inventa que é filho do dono de uma grande companhia aérea. Por incrível que pareça, as pessoas acreditam. O pior de tudo é que isso realmente aconteceu. Este filme é ótimo, e inclusive fica a recomendação. Atualmente, tá na plataforma Star+.

Seguindo em frente, eu pensei que Inventando Anna seguiria uma linha semelhante. Afinal de contas, Anna Delvey é essencialmente uma golpista que enganou um bando de gente rica somente com a sua lábia, antes de ser pega pelas autoridades. Porém, o estilo desta série é diferente por vários motivos.

A trama possui um senso sarcástico bem acentuado. O humor ácido do roteiro é refletido nos personagens, criando uma maneira distinta de se contar a história. O formato é parecido com uma série de investigação. Contudo, em vez de emular uma premissa policial, Inventando Anna foca em uma construção mais jornalística. À medida que Vivian Kent vai entrevistando pessoas, alguns pontos do enredo vão ficando mais claros.

A princípio, esse sistema me deixou com o pé atrás. Isso porque logo ficou evidente que cada episódio voltaria as suas atenções para um personagem específico. Esse estilo de narrativa pode funcionar muito bem, da mesma forma que pode deixar a história massuda e com uma progressão demorada. Com isso, a minha primeira reação foi pensar que ficaria com preguiça e me sentiria cansado de toda aquela jornada.

Eu não poderia estar mais enganado. Inventando Anna é incrivelmente viciante. Depois de colocar todas as peças no lugar para fazer a história andar, ela deslancha. Aos poucos, os personagens vão ganhando facetas que me fizeram mudar de opinião constantemente em relação a eles. Anna e Vivian, por estarem no centro de tudo, são os maiores pontos de enfoque. Os coadjuvantes também são capazes de gerar sensações diversas, deixando o conjunto mais rico e aumentando a nossa curiosidade.

Ao contrário do que eu pensei inicialmente, a minissérie não é enjoativa. A ironia narrativa, as constantes descobertas e reviravoltas, tudo coroado pela noção de ser uma história baseada em fatos, culminam em uma experiência agradável de acompanhar. Mesmo contendo episódios de cerca de uma hora cada, eles passam voando e a vontade que eu tive era de continuar maratonando, mesmo quando o relógio já marcava 4h da manhã.

Isso significa que é uma obra à prova de falhas? Pergunta idiota, vocês sabem que não. Apesar de conquistar pelo seu ritmo e estilo, Inventando Anna não conseguiu me enganar ao ponto de ignorar alguns elementos negativos. Ela possui uma premissa pra lá de instigante, mas os detalhes que compõem o enredo são demasiadamente básicos. A série investe muito em estruturas batidas na televisão. Temos a jornalista descredibilizada que busca uma redenção antes que seja tarde demais; dois advogados em um combate intelectual, o carismático desacreditado contra a rígida e experiente; problemas matrimoniais que são colocados de lado por pessoas que só querem saber de trabalho. Muita coisa aqui é familiar, e, consequentemente, carece de criatividade.

No entanto, o maior defeito pra mim foi o roteiro ter caído na mesma armadilha que Anna Delvey montou para suas vítimas. Na primeira metade da minissérie, é possível enxergar uma certa imparcialidade por parte do enredo. A imagem de Anna é glorificada, mas isso fazia sentido naquele ponto pois fazia parte da construção da personagem. Porém, quanto mais a história vai se aproximando de seu fim, mais a série quer pintar a sua protagonista como se fosse uma pobre coitada incompreendida, e não uma golpista inescrupulosa e mimada.

De forma crua, não há problema em obras de ficção fazerem juízo de valor. Documentários é que precisam ser mais neutros. Ainda assim, Inventando Anna parece querer induzir o espectador a chegar à mesma conclusão dos responsáveis pelo texto, de maneira rasa, mesquinha e até mesmo desrespeitosa. Além disso, a série quer tanto romantizar Anna Delvey que se esquece completamente de personagens que tiveram suas histórias destrinchadas na primeira metade. Para eles, não houve nenhum tipo de resolução satisfatória.

Por fim, os roteiristas fizeram pouco esforço pra explicar os meandros das ações de Anna, deixando buracos consideráveis. Eu terminei a série com muitas perguntas a respeito do modus operandi dela. Algumas dúvidas foram sanadas por pessoas aleatórias do app TV Time, outras permanecem sem respostas até hoje.

Matt Murdock vs. Jeri Hogarth

Veredito

De forma bem branda, Inventando Anna é como se fosse uma versão descontraída e romantizada de O Golpista do Tinder. Acompanhar a trajetória de Anna Delvey é sensacional, por se tratar de uma pessoa tão recheada de camadas. O roteiro consegue encontrar a fórmula de nos manter sempre interessados no próximo passo de sua protagonista, mesmo quando muitas outras coisas estão acontecendo ao mesmo tempo. É uma minissérie viciante e que sabe bem como atiçar a nossa curiosidade. Contudo, abre mão de polir a sua trama de modo a aprofundar e inovar em certas dinâmicas, trai a própria proposta quando chega perto da conclusão, e tenta enganar o espectador com uma visão contraditoriamente simplista. Como retrato da realidade, possui muitos poréns. Como obra de entretenimento, funciona que é uma beleza. Nota final: 4,0/5.

Viagem com as migas :*

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco

Nota nº 5: sabia que eu agora tenho um canal no YouTube? Não? Então corre lá pra ver, uai: Pitacos do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • Como eu sou um formado na área, é impossível não torcer pelo sucesso da Vivian, mas eu acho muito louco como funciona o jornalismo nos EUA. Parece uma competição incessante de quem fala sobre um tema polêmico primeiro. Deus me livre viver disso naquele lugar, eu não aguentaria. Por outro lado, aqueles jornalistas mais velhos que ajudaram a Vivian são as melhores pessoas do mundo.
  • Falando agora da Vivian em si, o marido dela precisou aturar muita coisa, hein? E achei legal eles terem feito isso ao contrário. Normalmente em uma série ou filme, é o marido que precisa cumprir alguma tarefa importante, deixando de lado todo o seu relacionamento com a esposa. Desta vez, foi a Vivian fazendo o mesmo com o Jack. Gostei da jornada da personagem, só não curti o seu envolvimento excessivo com a Anna no final.
  • E já que mencionei a dita cuja, tá na hora de dizer a minha opinião de forma mais explícita. Não vou negar, torci pra que ela construísse a Fundação Anna Delvey porque é bom demais ver rico sendo enganado e virando chacota por causa disso. Porém, comecei a torcer contra a Anna a partir do momento em que ela sacaneou com a Rachel. O pior foi ver os comentários do TV Time dizendo que a Anna havia pagado muita coisa pra Rachel, então era justo que ela fizesse o mesmo. Em que mundo essa galera vive?? Bicho, se eu tivesse uma melhor amiga milionária que se oferecesse pra bancar viagens e restaurantes, nem passaria pela minha cabeça ter de retribuir isso tudo, financeiramente falando.
  • A Rachel, inclusive, recebeu um tratamento ridículo por parte da série. Sim, ela capitalizou em cima da Anna e faturou uma bolada. Porém, ao contrário da Anna, tecnicamente ela não fez nada de errado. Rachel só expôs a Anna depois de ter se afundado em dívidas por causa dela. Rachel não enganou ninguém pra conseguir isso. Se eu tivesse ficado com um trauma do tipo por conta de uma golpista, o mínimo que gostaria de receber seria algum tipo de compensação. E se o troco viesse em cheques de milhares de dólares, melhor ainda. É uma pena que a série a tratou como se fosse uma vilã desalmada que não respeita as amigas.
  • Por outro lado, a Kacy foi provavelmente a única amiga da Anna que viu a verdade por trás dela antes de ser tarde demais. Talvez tenha sido enganada no início, mas logo aprendeu a lição. Gostei.
  • E aí, galera, alguém se lembra da Nora e do Val? Não? Sem problemas, porque aparentemente a série também se esqueceu.
  • O Chase também é outro que entra nessa lista. Pô, a série não poderia ter colocado no final uma cena de personagens que haviam sido tão cuidadosamente explorados, antes de serem descartados totalmente?
  • Inicialmente, eu gostei da Neff. Posteriormente, não conseguia nem olhar pra cara dela. Eu odeio esse tipo de pessoa, que invalida a visão alheia só porque com ela foi diferente. Além de tudo, a bichinha foi hipócrita pra caramba. Quando era o dela que estava na reta, ficou toda brava com a Anna, que acabou pagando o que devia. Quando aconteceu a mesma coisa com a Rachel, com o pequeno detalhe de que a Anna não pagou o que devia, a Neff se colocou em um pedestal moral patético.
  • Não consegui sentir nem um pingo de pena do Alan Reed por ter sido enganado. Por que eu sentiria? O cara redescobriu o amor pela vida, e, mesmo levando prejuízo, na verdade ficou com um lucro absurdo.
  • Ok, não tem como não gostar do Todd. O seu comprometimento com o caso, mesmo sabendo que a Anna não merecia, mesmo sendo ridicularizado e destratado, mesmo sendo uma total zebra no julgamento, foi incrível de ver. E ainda bem que não forçaram um romance dele com a Vivian. Eu juro que teria abaixado pelo menos 0,5 na minha nota, caso isso tivesse acontecido.

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Anna Delvey
Não vou negar, no começo eu me irritei com o sotaque forçado dela. Todavia, fazia parte da personagem, e com o tempo a protagonista foi ficando cada vez mais interessante. Em um momento, eu estava torcendo pra ela conseguir o que queria, por mais moralmente questionável que isso possa ser. No outro, estava torcendo pra que desse tudo errado.

Eu tenho uma foto muito parecida com essa, mas tô tomando Coca-Cola em uma festa de aniversário

+ Melhor episódio: E07 (“Cash on Delivery”)
Não tem muito o que dizer, é o auge da temporada. Capítulo alucinante e elétrico.

Suas definições de “puxa-saco” foram atualizadas

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).