• Casos de família
Era de se esperar que os fãs de Game of Thrones estariam desconfiados de House of the Dragon. Digo isso porque eu era um deles. Acho que ninguém contesta que GoT foi o maior fenômeno do século na televisão, mas que terminou de maneira melancólica com um desfecho pra lá de decepcionante. Se o final tivesse sido bom, todo mundo teria mergulhado de cabeça no spin-off. Contudo, quando a gente tem uma experiência ruim com algo, é difícil desvincular o sentimento negativo. Infelizmente, é assim que as coisas funcionam. A imagem de Game of Thrones pra sempre ficará manchada pelas suas últimas temporadas. Por isso, o desafio de House of the Dragon era duplamente difícil. Além de precisar fazer jus à fase brilhante de sua antecessora, a série precisava fazer os fãs se esquecerem da tragédia recente. E não é que conseguiram?
Sinopse
House of the Dragon se passa cerca de 200 anos antes dos acontecimentos de Game of Thrones. Portanto, os Targaryen ainda estavam no poder, os Lannister não passavam de uma família nobre qualquer e dragões sobrevoavam Westeros com a tranquilidade que pombos sobrevoam o Brasil. O reino está próspero, com uma Porto Real pulsante e um cenário político estável. Porém, tudo muda quando Viserys I decide nomear a sua filha, Rhaenyra, como a herdeira do trono. E qual o problema? Bom, nenhuma mulher jamais assumiu o Trono de Ferro. Com isso, a quebra do status quo é vista com maus olhos pelos mais poderosos, plantando a semente de uma guerra sangrenta que seria conhecida como a Dança dos Dragões.
Crítica
O elemento que mais chama a atenção nos primeiros episódios de House of the Dragon é a parte artística e visual. Claramente, o orçamento está lá em cima. Ao contrário da primeira temporada de Game of Thrones, o spin-off tem o luxo de contar com efeitos especiais impressionantes logo no começo. Considerando que um dos grandes focos da série está nos dragões, tal fator ajuda muito.
No entanto, a obra não possui só um visual bonito. A substância também se mostra presente. Os jogos de câmera, a montagem das cenas, as ambientações e a composição dos cenários são extremamente bem feitos. O elenco é talentoso, e a direção não fica atrás. O modo como os cineastas conduzem os acontecimentos é similar a GoT, só que com toques de originalidade que distinguem House of the Dragon e fornecem o sentimento de identidade. Acima de tudo, o spin-off quer mostrar que pertence a Westeros, sem ser apenas uma mera cópia barata de Game of Thrones.
Assim como em GoT, House of the Dragon possui uma certa poesia no roteiro. Os diálogos são excelentes, e as interações entre os personagens são potencializadas por interpretações seguras, deixando sempre o nível lá em cima. Paddy Considine, no papel de Viserys, é um dos destaques que valem a menção. Ele não é o protagonista, e muitas vezes acaba sendo subestimado pelos próprios espectadores. Contudo, a atuação do homem que dá vida ao personagem é uma das melhores da temporada, se não for a melhor. Definitivamente, a seleção de elenco é um dos maiores trunfos da série.
Quanto à compreensão da trama, há dois fatores indo em direções opostas. Por um lado, a história é mais direcionada. Em GoT, a gente tinha arcos em Porto Real, Winterfell, Muralha, Essos, Correrrio, Ninho da Águia, Ilhas de Ferro e vários outros lugares. A quantidade de nomes que precisávamos decorar era absurdamente maior, e isso dificultava o entendimento principalmente pra quem não estava familiarizado com os livros. Em HoD, as ações se concentram basicamente em Porto Real, em Pedra do Dragão e em conflitos nos Degraus. É mais fácil de decorar as coisas desse jeito, mas a maneira com que ocorre a passagem de tempo bagunça tudo.
Em GoT, o enredo acontece quase em tempo real, dando a impressão de que somente alguns dias ou semanas se passam entre um fato e outro. Em HoD, a cada episódio há um salto temporal que pode variar de meses a anos. É interessante essa estratégia porque praticamente toda a primeira temporada da série não passa de uma preparação para o que vem depois dela, o evento conhecido como Dança dos Dragões. Nesse sentido, a tática de não perder tempo com o “pré-evento” dá certo. O problema é que isso deixa a progressão dos acontecimentos mais confusa e, consequentemente, o impacto fica menor. Há um tom segmentado que não me agradou muito, não dando tempo para eu me afeiçoar totalmente aos personagens.
Mesmo assim, essa fragmentação da história dá a impressão de se tratar de um amontoado de contos, o que a série consegue aproveitar bem. A cada episódio, o roteiro parece escolher um tema central no que se basear. Pode ser vingança, sexo, família, honra, mas sempre haverá um tema em comum que amarrará todos os contornos do episódio em questão. Além disso, como o roteiro é muito bem escrito, ele é capaz de inserir assuntos banais em temáticas sérias, usando e abusando das metáforas e do simbolismo.
Veredito
O dilema de todo spin-off baseado em uma outra obra de sucesso é o mesmo. Os fãs do produto original com certeza vão assistir, e assim a audiência já está garantida. Porém, é preciso ter em mente que as comparações sempre vão existir, ainda mais no começo. House of the Dragon parece sofrer um pouco com isso, e conduz uma história fragmentada com certo receio de que os espectadores fiquem entediados. A questão é que a série nem precisava disso. O conteúdo presente nela por si só é extremamente sólido, e os profissionais por trás da realização são bastante competentes. Isso vai desde a direção e o elenco até o trabalho dos bastidores. De volta a Westeros, a gente tem a impressão de que nunca saiu de lá, e se apaixona uma vez mais por um mundo onde dragões são tão comuns quanto lobos gigantes. Quem quiser assistir pelo espetáculo visual, vai se impressionar. Quem quiser assistir pelo roteiro, vai se deleitar. Quem quiser assistir pelos dois, com certeza vai gostar. Nota final: 4,5/5.
Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco
Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco
Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco
Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco
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~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~
- Vocês também tiveram a impressão de que as coisas durante os governos Targaryen eram melhores? Porto Real parecia tão mais limpa. Mas talvez seja só o contraste entre a ótima administração do Rei Jaehaerys com a péssima administração de Robert Baratheon.
- Cara, não sei se é só comigo, mas fiquei com muita agonia daquela cena do parto. Sério, me pega muito. Eu vi sem problema algum membros sendo decepados, sangue jorrando, mas a partir do momento em que o meistre precisou cortar a barriga da Aemma, parece que tudo ficou real demais.
- É legal de ver o tanto que House of the Dragon consegue inserir temas aparentemente banais (uma caça a um cervo) em temas extremamente sérios (realeza e direitos de nascença). Na verdade, era de se esperar, considerando que certos reis morreram justamente por causa de um javali. Foi interessante notar também o quanto o Viserys começou a sorrir mais a partir do momento em que teve um filho homem. O que um patriarcado não faz, hein?
- Queria que tivessem explicado e desenvolvido melhor a guerra envolvendo Daemon, Corlys e o Engorda Caranguejos. Pra mim, ficou tudo muito na superficialidade. Pelo menos a cena do Daemon saindo com metade do Príncipe Dahar, como um caranguejo prestes a ser degustado, foi espetacular.
- Eu simplesmente amei os momentos de tensão durante o casamento da Rhaenyra e do Laenor. Parecia que alguma merda aconteceria a qualquer momento, e de fato aconteceu: Criston perdendo as estribeiras e matando Joffrey, o amante de Laenor. Definitivamente, casamentos em Westeros não são coisa boa. Genial também o rato bebendo sangue na última cena do episódio. O único problema é que sei lá, como é que o Criston Cole continuou na Guarda Real depois de ter ASSASSINADO um nobre perante toda a corte? Isso seria NO MÍNIMO motivo pra banimento, talvez até pra Patrulha da Noite. Eu sei que a Alicent o protegeu e tal, mas a influência dela era tão grande assim? Ou será que o Otto interveio? O Harwin foi banido por muito menos…
- Não sei o que pensar a respeito da profecia dos Targaryen da “Canção de Gelo e Fogo”. De certa forma, é legal, mas fica parecendo um retcom forçado só pra história se conectar com Game of Thrones. Mas, como o George R.R. Martin tá envolvido no projeto, algum fundo de verdade deve ter, né?
- Confesso que me irritou um pouquinho essas passagens de tempo tão longas. Pô, eu consigo entender um lapso de alguns meses, talvez até um ano, mas DEZ ANOS? Acho que o conteúdo da série perde muito com isso. Primeiro que, quando a gente começa a se ambientar com os rostos da nova história, um único episódio mexe totalmente com tudo e volta a deixar a história “confusa”. A questão é que o universo de GoT tem muita gente, muito nome, muita casa, muito lugar. Nos primeiros episódios (e nos primeiros livros) é natural que a história fique meio difícil de entender, mas com o tempo vai ficando mais fácil. A decisão de avançar dez anos é meio que um passo atrás em relação a essa “evolução”. A morte do Harwin Strong é um grande exemplo disso. O momento teria tido muito mais peso se tivéssemos tido tempo suficiente de conhecer melhor o personagem.
- Laena se queimou com fogo de dragão pra não morrer no parto e ter a morte de uma montadora de dragões. Será que o Daemon a amava mesmo? Acho que sim. Mas quem ele queria mesmo era a Rhaenyra, todos sabemos.
- Acabou que o Laenor teve o destino mais legal de Westeros. O cara pôde fugir com a pessoa amada pra outro continente a fim de fugir de toda a pressão da realeza. Um golpe duro no rosto da homofobia!
- Viserys decrépito caminhando pela sala do trono só pra defender a Rhaenyra foi emocionante. É uma pena que ele delirou mais tarde, falou o nome do Aegon, confundiu a Alicent e sem querer acendeu a faísca da Dança dos Dragões.
- Olha, eu entendo a Rhaenys não ter queimado o Aegon e o Conselho. Sinceramente, não cabia a ela fazer aquilo. Poderia até ter “resolvido um problema”, mas com certeza teria criado outro. Imagina se todo mundo começasse a se ver no direito de matar os integrantes da família real assim, sem mais nem menos? Caos total.
- Bicho, eu nunca senti um clima de terror/suspense tão grande no universo Westeros quanto no último episódio da temporada. Aquela caça do Aemond ao Lucerys com os dragões foi tensa demaaaais, mesmo eu já sabendo o que aconteceria (sim, eu peguei spoiler). Deu até vontade de ler o Fogo & Sangue, que tá na minha prateleira há anos.
~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~
+ Melhor personagem: Rhaenyra Targaryen
Quatro pessoas ficaram no páreo, pra mim: Rhaenyra, Viserys, Daemon e Alicent. Pra decidir quem ficaria com o prêmio, levei em conta o peso do protagonismo e a regularidade da personagem tanto com a primeira atriz, Milly Alcock, quanto com a segunda, Emma D’Arcy.
+ Melhor episódio: S01E08 (“The Lord of the Tides”)
Difícil escolher, viu. Eu gostei muito do quarto episódio, e também do quinto. O último também foi incrível. Contudo, escolhi o oitavo por conter um dos momentos mais impactantes da temporada.
Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?