• O sistema é foda
O principal objetivo do diretor José Padilha em Tropa de Elite era expor a brutalidade policial do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que mostrava a falta de escolhas das próprias forças de combate ao crime, tendo em vista que o tráfico teimava em ressurgir sempre que uma ameaça era eliminada. Muitos interpretaram como uma homenagem ao Bope ou à polícia como um todo. Nunca foi sobre isso. Em Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro, as intenções por trás da premissa ficam mais claras do que a água do Caribe, mostrando que o verdadeiro poder está bem longe das favelas e da falta de oportunidades incessantes na sociedade comum.
Sinopse
Depois de pensar em deixar o Bope, o agora Coronel Nascimento desiste de seus planos iniciais e segue na ativa, sendo um dos mais temidos policiais do Rio de Janeiro. Porém, após um incidente catastrófico em um presídio da cidade, ele é afastado do cargo e transferido para uma função administrativa, onde passa a enxergar a hierarquia de poder de forma muito mais ampla. Assim, ele toma como missão pessoal desmantelar o sistema de dentro pra fora, equilibrando a balança na luta do bem contra o mal.
Crítica
Tropa de Elite 2 é um dos meus filmes brasileiros favoritos de todos os tempos. Ele foi um dos principais responsáveis por moldar a minha opinião política, que permanece até hoje (apesar de ter sofrido algumas alterações pelo caminho). Eu assisti pela primeira vez em 2017, em uma época um tanto quanto turbulenta lá em Brasília. Até aquele ponto, a minha visão de mundo ainda era muito moldada pela minha realidade socioeconômica, com influência constante da televisão e das pessoas ao meu redor. No cenário do entretenimento, este filme foi um divisor de águas pra mim.
Vamos deixar de enrolar e ir direto ao assunto. Tudo de bom que havia em Tropa de Elite perdura em sua sequência. Logo no início, temos aquela boa e velha recapitulação, com a manutenção do sistema de narração por parte de Roberto Nascimento, o maior personagem da carreira do Wagner Moura e um dos mais icônicos do cinema nacional. O primeiro ato possui uma sequência de ação e tensão que imediatamente captura a nossa atenção. Se alguém dá play nesse filme sem botar muita fé de que será tão bom igual ao primeiro, tem suas dúvidas sanadas rapidamente.
A inserção de novos personagens ajuda a turbinar a história. Dou um destaque especial pro Diogo Fraga, vivido na pele do ator Irandhir Santos. A sua personalidade e visão de mundo são tão diferentes do protagonista que criam um clima de yin-yang, mostrando o quanto é complexo o convívio entre pessoas que pensam de maneiras tão opostas. Isso pode parecer meio óbvio pra quem vive no Brasil em pleno 2024, mas temos de lembrar que esse filme é de mais de uma década atrás, quando a polarização ainda não estava tão grande assim.
Outros personagens perdem espaço, como Matias, mas outros ganham importância, como Rocha e Fábio. Essa troca de holofotes poderia não fazer bem à trama, mas funciona. Isso porque o foco do primeiro filme estava na passagem de bastão do Capitão Nascimento para o seu futuro pupilo. Já o segundo filme tem um propósito totalmente diferente, tornando a diminuição da importância de Matias uma consequência da alteração de proposta, e não um problema advindo dela. Além do mais, a evolução dos outros personagens que eu mencionei é tão grande que acaba suprindo um possível estranhamento no enredo.
E por falar em enredo, ele é muito bem construído. A história caminha de acordo com o humor do Coronel Nascimento, colocando no roteiro todos os sentimentos pelos quais ele está passando. No momento em que Nascimento está convencido de que precisa matar quantos bandidos for necessário, o filme se transforma em uma obra violenta. Quando Nascimento sofre uma certa desilusão, o filme fica mais triste e pessimista. É como se a narrativa de Tropa de Elite 2 fosse um reflexo dos pensamentos de seu personagem central, algo que definitivamente não é fácil de se fazer. A conclusão fica, de certo modo, um pouco aberta, mas não de um jeito inacabado. É como se o final do filme fosse um gancho pra nossa realidade atual, que não deve se findar tão cedo.
Veredito
Tropa de Elite é indiscutivelmente uma joia do cinema brasileiro. Frases icônicas, personagens marcantes, uma história forte e memorável. Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro consegue a proeza de ser ainda melhor. A trama é mais política do que policial, mas serve como um complemento perfeito ao seu antecessor. Todas as qualidades estabelecidas previamente são potencializadas, dando espaço pra mais bons elementos que transformam o segundo filme não só em uma excelente sequência, mas em um ótimo filme por si só. Eu sou fã de carteirinha deste aqui, e recomendo a todo mundo que gosta da sétima arte.
>> Crítica de Tropa de Elite (2007)
Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco
Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco
Nota nº 3: pra saber sobre quais filmes eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco: Filmes
Nota nº 4: sabia que eu agora tenho um canal no YouTube? Não? Então corre lá pra ver, uai: Pitacos do Leleco
~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO O FILME. O AVISO ESTÁ DADO ~
- Quem esperava que o Matias fosse morrer daquele jeito tá mentindo. Simplesmente deram um tiro pelas costas em um dos personagens mais importantes da franquia, como se ele não fosse ninguém. Que porra é essa, Marreco?
- Mesmo assistindo pela segunda vez, eu ainda fico chocado com o destino da jornalista, Clara. Ainda mais com aquela cena do bandido arrancando os dentes do cadáver da mulher, como se estivesse fazendo a coisa mais normal do mundo.
- Ok, tenho uma opinião um pouco polêmica: eu não gosto muito do Fortunato. Eu sei que os programas estilo Cidade Alerta são meio daquele jeito mesmo, com todo aquele teatro, mas achei o personagem caricato até demais. Eu sou do meio do jornalismo, então sei dos excessos desse tipo de apresentador, mas o Fortunato não me pareceu alguém real. Ainda assim, o ponto de sua existência na história é válido, não questiono isso.
- O que eu acho muito doido no Fraga é que todos o enxergam como um homem meio covarde, que fica defendendo bandido, mas o maluco é mais corajoso do que a maioria daqueles policiais. Não é qualquer um que entra em um presídio só com criminosos perigosos, sem usar colete de proteção, pra poder acabar com um motim entre facções. E tudo ainda poderia ter dado “certo”, se não fosse o dedo nervoso do Matias no Seu Jorge.
- Até hoje, a evolução do Nascimento é uma das melhores que eu já vi em um personagem de filmes. Ele passou de policial truculento pra uma pessoa resignada pelo sistema em um espaço de dois filmes, com uma trajetória totalmente compreensível. Pena que provavelmente não adiantou muita coisa no universo da obra, pois delações nem sempre levam a algum lugar na vida real.
- Sem dúvidas, a morte do Rocha também é um dos recados mais importantes de Tropa de Elite 2. Ele não era o sistema, apenas se aproveitava dele. A partir do momento que uma outra pessoa tivesse a ideia de ocupar a mesma lacuna, a sua sobrevivência não seria mais uma garantia. E, de fato, não foi.
~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~
+ Melhor personagem: Coronel Nascimento
Não tem como, Roberto Nascimento é a alma e o coração da duologia de Tropa de Elite, e não tem como alguém superá-lo. Contudo, devo dizer que o Major Rocha, interpretado por Sandro Rocha, chegou perto disso, entregando um personagem sem escrúpulos e que é fácil odiar.
Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou do filme. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?