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AnáliseRicardo #38 – Memórias de um Caracol é um filmaço agridoce

memórias de um caracol artigo ricardo

• Além do espetáculo visual

O filme de hoje é um daqueles que já me ganha logo de cara só pela estética. Sim, a gente vai falar de Memórias de um Caracol, uma animação em stop-motion que, visualmente, é um espetáculo. Mas será que a história é tão bonita quanto o trabalho visual? Fica comigo que a gente vai descobrir!

Se você não me conhece meu nome é Ricardo Gomes, sou jornalista e um daqueles curiosos para entender um pouco mais de cinema. Pra começar, deixa eu contar: eu sou fã do Adam Elliot. Ele é o diretor desse filme, e se você já viu Mary & Max, sabe do que estou falando. A estética dele é única, mas não é só isso. Ela se conecta diretamente com as histórias que ele conta, sempre carregadas de emoção e, muitas vezes, de tragédia.

Agora, deixa eu ser sincero. Mary & Max ainda é o auge do trabalho do Adam, mas dá pra perceber como ele tem essa necessidade quase visceral de contar histórias do jeitinho dele. E Memórias de um Caracol segue nessa mesma linha.

Na Austrália dos anos 1970, conhecemos Grace, que desde pequena enfrenta uma vida cheia de tragédias. Órfã de mãe, ela é criada pelo pai paraplégico e alcoólatra, Percy. Mas as coisas só pioram: quando Percy morre, Grace e seu irmão gêmeo, Gilbert, são separados e mandados para lares adotivos diferentes.

Gilbert sofre nas mãos de uma família evangélica cruel, enquanto Grace se fecha completamente no seu próprio mundinho, encontrando conforto em sua coleção de caracóis e porquinhos-da-índia.

Anos depois, a vida dela muda quando ela conhece Pinky, uma idosa excêntrica que se torna sua amiga e confidente. E é com essa amizade que Grace começa, lentamente, a redescobrir um pouco de esperança.

Sim, é um filme sobre a beleza da vida, mas num mundo completamente desigual. E, olha, o roteiro faz um trabalho incrível ao mostrar isso, especialmente quando compara a vida dos dois irmãos. É cruel, mas ao mesmo tempo é uma maneira de revelar as nuances desse universo.

Agora, deixa eu compartilhar algo mais pessoal. Eu gosto de narrativas agridoces, mas confesso que Memórias de um Caracol exigiu muito de mim. É um filme melancólico, e eu sou do tipo que já tem que lidar com minhas próprias lutas do dia a dia, sabe? Então, mergulhar numa história tão pesada assim mexeu comigo.

Adam Elliot, diretor de Memórias de um Caracol

Diferente de Mary & Max, que dava uns respiros no meio da narrativa, aqui não tem muita fuga. Você fica preso naquela realidade dura o tempo todo. E, olha, isso me deixou pra baixo.

Claro, tem a famosa técnica do estilingue emocional, onde o filme te puxa pra um lado pra depois te lançar num turbilhão de emoções. Só que aqui, eu senti que isso não teve tanta força quanto em outras histórias.

Um ponto que eu preciso comentar é sobre a montagem. Feita pelo Bill Murphy, ela parece tropeçar um pouco no ritmo. Principalmente no final, parece que o filme acelera de uma forma que não combina com o que veio antes.

Mas calma, isso não estraga o filme, tá? Só o torna mais previsível em alguns momentos. Você meio que já sabe que algo bom vai acontecer logo depois de uma aceleração, então perde um pouco do impacto.

Agora, vamos falar da fotografia, que é o ponto alto aqui. Gerald Thompson fez um trabalho impecável! A estética é linda, as cores são bem escolhidas, mas o que me pegou mesmo foi a mise en scène.

A casa da Grace é praticamente uma extensão dela. Cada canto, cada detalhe daquele cenário parece contar uma história. É como se fosse o casco do caracol. É um trabalho minucioso, que exige dedicação, mas que valeu a pena.

Eu costumava pensar, quando moleque, que seria uma coisa de doido ter sua casa inteira nas costas como um caracol. Quantas coisas incríveis poderiam caber ali? Quantas fotos e momentos sensacionais eu poderia guardar lá?

Quando a gente cresce e percebe que a maioria das situações são negativas, guardar suas coisas em seu casco talvez seja a pior das decisões que podemos tomar. Parece que nossos corações ficam pequenos demais pra tanto sentimento, seja bom ou ruim. Parece que nosso casco tá pertinho de quebrar.

Precisamos encontrar, seja na arte, em pessoas queridas ou em nós mesmos, caminhos para deixar as coisas irem e serem o que precisam ser. É complicado, não tem jeito fácil de se fazer isso, mas quem tá falando aqui é uma pessoa que já foi um caracol igualzinho a Grace e que por pouco não quebrou.

Filmaço!

 

Ricardo Gomes
O Sharkboy que se formou em Jornalismo e ama o cinema

 

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Este texto faz parte de um quadro de colaborações com outros redatores. O artigo não foi escrito pelo maravilhoso Luiz Felipe Mendes, dono do blog, e não necessariamente está alinhado às ideias dele.

Publicado por Ricardo Gomes

O cara que mais perde tempo assistindo TV e escrevendo sobre, segundo Michelle (minha gata).