Marvel, Séries

WandaVision (2021)

• O androide e a feiticeira

Goste ou não, é preciso admirar a capacidade de planejamento da Marvel. A empresa elaborou um projeto ousado e foi a grande precursora dos extensos universos compartilhados no cinema. Todo mundo agora quer fazer igual. Quando os produtores de Harry Potter decidiram dividir As Relíquias da Morte em duas partes, diversas outras sagas seguiram o mesmo caminho, como Crepúsculo, Jogos Vorazes e Divergente, apesar dessa última ter desistido da ideia posteriormente. É natural que diferentes obras tentem seguir uma fórmula que provou dar certo, mas a imitação não garante um resultado final satisfatório. O Universo Cinematográfico da Marvel não é bom apenas por ter sido pioneiro, mas sim porque apresenta uma média de qualidade muito alta. Consolidada nas telonas, a Marvel decidiu se aventurar com WandaVision no mundo das séries, através da plataforma Disney+, e uma coisa ficou bem clara: mais uma nova tendência pode ter sido inaugurada diante dos nossos olhos.

 

Sinopse

Após os eventos de Vingadores: Guerra Infinita, Wanda Maximoff foi uma das super-heroínas mais drasticamente afetadas pela batalha contra Thanos. Ela precisou sacrificar o amor de sua vida a fim de salvar a todos, fazendo isso enquanto segurava o ataque de um dos seres mais poderosos do universo, apenas para presenciar o Visão sendo trazido de volta à vida e aniquilado de maneira muito mais brutal pelo Titã Louco. Wanda foi apagada do mundo, retornou alguns anos depois, conseguiu sua vingança, mas as cicatrizes continuaram. Agora, a feiticeira está presa em um reality show dos anos 1950, junto ao… Visão, aparentemente trazido de volta à vida. O que está acontecendo em Westview, cidade onde se passam as novas aventuras de Wanda?

MasterChef Westview

Crítica

Se você, que acompanha fielmente o MCU, ficou totalmente perdido nos primeiros episódios de WandaVision, imagina um desavisado que foi assistir à série achando que entenderia tudo.

Não se engane, você precisa ter um conhecimento prévio do Universo Cinematográfico da Marvel a fim de compreender WandaVision. Se nunca assistiu aos filmes e tem preguiça de começar a maratona, é bom pelo menos ler um resumo dos acontecimentos mais importantes. Ainda assim, a série é feita para os fãs. Ela parte do pressuposto de que o seu público é aquele que se dedica a aproveitar cada longa-metragem da empresa. Por isso, WandaVision não se preocupa em fornecer um contexto elaborado de recapitulação. Para os fãs menos enérgicos, isso pode ser um problema. Como eu já assisti cada filme cerca de 1000 milhões de vezes, essa característica não foi transformada em defeito.

Eis que dei seguimento à maratona. Até pensei em esperar a temporada inteira acabar para ver tudo de uma vez, mas era praticamente impossível. Alguns minutos depois do lançamento de cada episódio, a Internet inteira já estava comentando a respeito. E, se formos ser bem sinceros aqui, eu não conseguiria esperar de qualquer jeito, então aceitei o meu destino. Os dois primeiros episódios me provocaram um misto de emoções. A música de abertura da Marvel me remeteu a um sentimento de nostalgia muito forte, por conta da saudade de ir aos cinemas. As primeiras aparições de personagens tão queridos me forneceram alegria e uma sensação de familiaridade, como se estivesse revendo amigos depois de muito tempo. Talvez eu esteja sendo um pouco piegas ao escrever tudo isso, mas é a verdade.

O humor da série é muito equilibrado. Como a ambientação é de uma sitcom, a comédia é um elemento necessário para o funcionamento da obra, e nós sabemos bem de que maneira a irreverência típica da Marvel é recebida pelo público. Eu, pessoalmente, gosto do tom bem-humorado dos filmes, mas reconheço que às vezes as piadas passam do ponto e são colocadas em momentos que exigiam uma carga dramática mais acentuada. Porém, isso definitivamente não ocorre em WandaVision. O humor da série foge do pastelão e adequa-se às décadas representadas na tela. A cada episódio, o cenário avança dez anos, e o figurino, a maquiagem, o roteiro e os diálogos se adaptam às mudanças causadas pelos saltos temporais. A produção toma muito cuidado com essas alterações, e adiciona um tempero especial com comerciais recheados de referências.

O mistério principal, isto é, acerca da justificativa de Wanda Maximoff e o Visão estarem inseridos em uma programação televisiva inusitada, é sutilmente alimentado a cada minuto que passa. Em determinadas partes, a série faz a gente esquecer que estamos vendo uma obra de super-heróis, e nos deixa curtir representações de sitcoms antigas. Quando percebe que o enredo está ficando muito preso dentro da ilusão, WandaVision acende uma faísca. A princípio, discretamente. Por fim, a trama acelera. A partir do quarto episódio, a Marvel decide gritar na nossa cara que estamos no MCU e não devemos esquecer desse fato. De repente, somos despejados no universo que tanto conhecemos e daí em diante somos agraciados por um deleite atrás do outro.

Os atores estão todos muito confortáveis em seus papéis. Elizabeth Olsen consegue entregar o equilíbrio perfeito entre a fragilidade e o poder, e Paul Bettany interpreta um personagem confuso e curioso. Kathryn Hahn é a clássica vizinha invasiva, e os cidadãos de Westview são importantes coadjuvantes, enriquecendo a ambientação da série. Teyonah Parris faz sua estreia como Monica Rambeau, e apresenta uma agente determinada e corajosa. Kat Dennings e Randall Park retornam ao MCU como Darcy Lewis e Jimmy Woo, respectivamente, e são peças essenciais tanto na parte dramática quanto na área cômica da obra. Tyler Hayward, por sua vez, ocupa o espaço de antagonista ambicioso, ávido por poder e controle. As engrenagens de WandaVision foram posicionadas de modo preciso pelos roteiristas, e fazem parte de uma máquina que funciona ridiculamente bem.

A metade final da minissérie (graças a Odin, Loki, Thor e Hela, não teremos continuação) perde-se um pouco no ritmo, mas por uma razão plausível. O fato de WandaVision ter iniciado a sua história abruptamente exigia que fossem incluídas explicações que amarrassem todas as múltiplas pontas soltas deixadas para trás. Sem isso, a série teria levantado perguntas sem oferecer respostas, um erro grave de roteiro. Em vez de cair em tal armadilha, a obra pisa no freio e toma seu tempo para justificar cada nuance introduzida. Essa quebra de narrativa é funcional e inevitável quando pensamos a longo prazo, mas atrapalhou um pouco a experiência.

Além disso, teve uma coisa que me deixou um pouco incomodado, mas não consegui perceber logo de cara o que era. Depois de refletir bastante sobre tudo o que rolou, consegui descobrir a fonte do meu ligeiro desagrado. WandaVision é muito charmosa e seu conceito é excelente. A cada década que passa, eu ficava mais instigado a descobrir qual seria o próximo passo. A série cuidadosamente construiu esse modelo, mas no terço final da produção isso se perdeu. Em termos de combates e ação, a produção acabou ficando meio genérica para os padrões daquele universo. As caracterizações de personagens e ambientes forneceram uma eletricidade pra lá de magnética e um imenso brilho de originalidade. Na reta final, o roteiro pareceu se entregar à fórmula do MCU, com poucas restrições. Não que haja algo de errado com a fórmula, não tem nada a ver com isso, mas eu gostaria de ter visto conflitos mais diferentes, talvez uma resolução mais distinta.

A conclusão é feita com o selo Marvel de autenticação. A empresa ofereceu material necessário para centenas de teorias diferentes, justamente para que os fãs ficassem loucos e enchessem todos os lugares de possíveis caminhos que a série tomaria. Em vez de aceitar esses caminhos, WandaVision define a jornada do seu jeito. Alguns podem considerar uma quebra de expectativa, mas não é culpa da Marvel se os fãs trataram meras especulações como fatos inquestionáveis.

A espada e o distintivo

Veredito

Eu não vou negar que existem críticas tendenciosas. É óbvio que alguns profissionais do ramo elogiam – e condenam – produtos por mera comodidade. Eu poderia ficar o dia inteiro aqui citando exemplos. Entretanto, não acho que seja o caso da Marvel. É claro que você pode discordar, achar os filmes chatos e bobos, e não existe nenhuma opinião mais válida do que a outra. De qualquer forma, eu costumo elogiar a Marvel porque ela dificilmente estraga tudo, a meu ver. WandaVision poderia ter dado muito errado. A narrativa fragmentada poderia facilmente não ter se encaixado com o estilo do MCU, mas a empresa acertou mais uma vez. WandaVision abriu portas e iniciou uma tendência com potencial de dominar o mercado nerd pelos próximos anos. A série possui uma premissa original, apoia-se em um produto de sucesso, ao mesmo tempo em que deixa clara a sua autenticidade, constrói uma ambientação que nos deixa de sorriso no rosto e desenvolve personagens repletos de camadas e carisma. É difícil não gostar, e a Wanda merecia uma valorização dessa magnitude. Entretanto, a obra poderia ter sido perfeita, pois tinha pavimentado um caminho para isso. Se tivesse mantido seu conceito até o fim, eu teria tido dificuldades em encontrar defeitos relevantes. Nota final: 4,5/5.

Darcy em um circo com pouca incidência de horrores

 

>> Crítica de Vingadores: Era de Ultron

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • Normalmente, eu faço as Observações Spoilentas de maneira mais aleatória, mas nesse pitaco de WandaVision vou comentar episódio por episódio. O primeiro quase não teve acontecimentos impactantes, só que aquele jantar foi bizarro. A trama da recepção desastrada foi tão clichê que eu amei, porque era exatamente o propósito. Na hora em que o convidado, Sr. Hart, estava engasgando e a sua esposa pediu pra Wanda parar… aquilo me deu calafrios.
  • O segundo episódio já foi um pouco mais agitado. O drone vermelho surgindo, a Dottie se cortando e o sangue destacando-se em cena, alguém conversando no rádio e perguntando se a Wanda podia ouvi-lo, ela e o Visão fazendo truques de mágica pra vizinhança e um apicultor misterioso aparecendo no fim. Ufa. Por um momento, eu jurava que a pessoa do rádio era o Steve Rogers. Sei que era impossível, mas a voz me lembrou muito a do Chris Evans. E eu me iludi achando que o apicultor seria o grande vilão da temporada.
  • Enfim, cores! Mais um sinal de quão terrivelmente errado eu estava: eu pensava que a S.W.O.R.D. era a nova H.Y.D.R.A., e que a série desenvolveria um panorama forte pro futuro da Marvel. Nada a ver. Sobre o nascimento dos gêmeos, fiquei empolgado com as chegadas dos possíveis Célere e Wiccano (sei pouca coisa de quadrinhos, mas isso eu tenho uma pequena noção). Até refleti sobre a possibilidade de o Magneto aparecer, acho que todo mundo fez isso.
  • Adorei o quarto capítulo. Queria muito que a Marvel não tivesse colocado a Darcy e o Jimmy nos pôsteres de divulgação da série, teria sido bem legal a surpresa. Ainda assim, gostei muito do retorno de ambos, e amei a introdução com a Monica sendo trazida de volta dentro de um hospital. Deu pra ter uma noção do caos que tomou a Terra após a reversão do estalo.
  • COMO ASSIM O PIETRO VERSÃO EVAN PETERS??? Velho, sinceramente. Por algumas semanas abençoadas, flertei demais com a ideia da introdução dos X-Men no MCU. Cheguei a pensar na possibilidade de a Marvel dibrar todo mundo, mas não quis acreditar. Ela foi lá e fez. Apesar de tudo, achei legal a subversão.
  • O episódio de Halloween foi bom demais. A Wanda e o Visão com os visuais clássicos, os filhos deles descobrindo os poderes e a Monica adquirindo seus próprios poderes após ultrapassar o portal foram momentos espetaculares.
  • ENTÃO QUER DIZER QUE A AGNES É A FEITICEIRA AGATHA HARKNESS??? Ok, fãs de quadrinhos, vocês podem até ter achado isso meio óbvio, mas eu não tenho noção de HQs, então fui surpreendido. Porém, eu pensava que era a própria Wanda que tinha criado um papel de vilã pra Agnes, e que na verdade a Wanda era a própria vilã. Demorei um pouco pra entender que a Agnes era realmente a grande antagonista, mesmo depois de ela falar que matou o cachorrinho Sparky (John Wick desaprova).
  • Tinha ouvido falar que o penúltimo episódio era meio lento, mas foi um dos meus favoritos. Gostei pra caramba da explicação do porquê de a Wanda ter escolhido sitcoms como cenários, além da reconstrução da cena em que ela ficou presa com o irmão por dois dias em Sokovia. Foi interessante também ver a Agnes destruindo suas próprias companheiras de covil, incluindo a própria mãe, e a Wanda finalmente sendo revelada como a Feiticeira Escarlate (seja lá o que aquilo significasse, porque eu não sabia. Pensava que Feiticeira Escarlate era apenas o codinome dela).
  • O último episódio… rapaz. Foi incrível a Agatha e a Wanda se estraçalhando e os Visões conversando sobre o Navio de Teseu e afins. Acabou que a feiticeira do mal foi aprisionada em Westview, e a feiticeira do bem (?) renovou seu guarda-roupa e sacrificou a própria família pra libertar a cidade (não fez mais que a obrigação, né).
  • Temos apenas algumas perguntas após o fim da série, vamos lá. Aonde foi parar o Visão Branco com Voz de Ultron? Qual é o destino real da Feiticeira Escarlate, e a Wanda vai conseguir evitá-lo? Ela agora tá dando uma de Doutor Estranho enquanto lê e faz comida, será que isso vai fazê-los se aproximar um do outro? A Agnes vai retornar? O Mefisto, tão especulado pelos fãs, vai dar as caras? O Evan Peters entrou na série só pela zoeira mesmo? Billy e Tommy ainda estão vivos? Se sim, como isso é possível? Monica Rambeau vai se encontrar com Nick Fury e os skrulls? Darcy vai entrar novamente pro time do Thor, e o Jimmy pra equipe do Homem-Formiga e da Vespa? O Hayward se deu mal mesmo ou vai voltar? Please stand by.

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Wanda Maximoff
Sua trajetória, que se iniciou em Vingadores: Era de Ultron, alcançou um ápice que eu não achava ser possível após Vingadores: Ultimato. Wanda é uma excelente personagem porque alia um poder gigantesco a uma personalidade machucada, exausta. A gêmea Maximoff colocou seu nome de vez no Universo Cinematográfico da Marvel.

A mulher que fez uma beterraba gigante suar de medo

+ Melhor episódio: E09 (“The Series Finale”)
O sexto e o oitavo capítulos são absurdos de bons, mas o episódio derradeiro finaliza tudo com chave de ouro.

Anos 80 em sua mais pura essência

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).