Obras de Época, Séries

Vikings: 6ª Temporada (2019/20)

• Olhos azuis

Quando uma obra tem uma parte boa e uma ruim, ela quase sempre vai ser lembrada pelos pontos negativos. O final de Dexter, por exemplo, é tão fraco que a gente acaba esquecendo do tanto que a série era espetacular no início. A mesma coisa com The Walking Dead (apesar de uma ótima nona temporada), Supernatural e tantas outras. Vikings segue o mesmo caminho. Nos primeiros anos, ela era praticamente uma unanimidade. Lembro direitinho que existiam as comparações com Game of Thrones, e olha que esta última estava em seu auge. Com a queda de qualidade em GoT, era a oportunidade de Vikings se consolidar como a principal série de temática medieval, mas não foi o que aconteceu. A quinta e a sexta temporadas são apenas uma sombra do que a série já foi um dia. Acho que, se algum dia eu for reassistir, não sei nem se animarei de ver os dois anos finais. Os motivos? Falarei deles logo mais.

 

Sinopse

As coisas estão finalmente tranquilas em Kattegat. Ivar foi expulso de terras vikings, abrindo espaço para Bjorn governar com segurança e Lagertha enfim se aposentar das batalhas e concentrar-se em outras atividades. Porém, ingênuo quem achava que isso duraria muito tempo. As decisões tomadas por Bjorn levam a conflitos sangrentos, e os escudos e espadas voltam à ativa – mas não para todos. Ubbe pensa cada vez mais em navegar por águas misteriosas e conhecer novas terras, enquanto Hvitserk virou uma casca, aterrorizado pelo fantasma de seu irmão desossado. E, por falar nele, Ivar sobreviveu e viajou para leste, encontrando-se com patrulheiros russos e entrando de cabeça naquele ambiente.

Relaxa, cara, eu peço um Ubbe pra você
Relaxa, cara, eu peço um Ubbe pra você

Crítica

O começo da sexta e última temporada de Vikings é bom. No ano anterior, a série arriscara bastante ao diminuir o protagonismo de personagens consolidados a fim de abrir espaço para histórias mais frescas. Eu admirei a estratégia, mas praticamente nenhum dos novos personagens possuía tanto carisma quanto a maior parte dos coadjuvantes de outrora. Para reverter o problema, Vikings forneceu importância a Lagertha e Bjorn, dois dos últimos remanescentes da incrível obra que aprendemos a gostar tanto. Ao mesmo tempo, o arco de Ivar é instigante e, durante alguns episódios, Vikings caminha bem enquanto desenvolve a tensão para os enfrentamentos que em breve surgiriam.

Mas isso não dura muito. Como a série tomou a terrível decisão de aumentar o número de capítulos de 10 para 20 a partir da quarta temporada, o roteiro foi forçado a se esticar. Em resumo, núcleos que poderiam e deveriam ter sido condensados são estendidos, levando os espectadores ao tédio. Entretanto, daria pro resultado ter sido melhor se o enredo tivesse focado mais nos pontos fortes do que nos fracos. Pensem comigo. Imagine que você está fazendo uma prova com 20 questões. Dá tempo de responder todas elas com tranquilidade, mas, se errar alguma, vai prejudicar o seu desempenho geral. O que você faz, responde as 20 questões, mesmo que algumas sejam bem difíceis, ou se concentra apenas nas que sabe a resposta? É a mesma lógica com Vikings. Em vez de a obra voltar suas atenções para aquilo que tinha de melhor e investir nos acertos garantidos, ela vai fundo, atira pra todo lado e seus erros acabam prejudicando os pontos positivos.

A produção da série está muito boa. Os cenários, sobretudo os da Rússia, são de tirar o fôlego e a ambientação é rica. Os figurinos, a fotografia e até as atuações têm seus méritos. O roteiro é quem escorrega, começando por Ubbe. O melhor personagem da quinta temporada foi completamente sabotado. Sacrificaram-no com uma trama lenta e inútil, e só deram uma história legal pra ele quando faltavam três episódios pra série acabar. Hvitserk também não funcionou. Eles começaram a temporada o tratando como alguém ferido pelo luto e a paranoia, até que tais características foram subitamente abandonadas e transformadas em obstinação e lealdade forçada. O arco da Islândia foi outro que não me causou interesse algum. No geral, Vikings também pecou ao perder a sua própria identidade, principalmente nas questões místicas. Desde o começo da série, deparamo-nos com personagens capazes de ter visões do que aconteceria em um determinado ponto. Na sexta temporada, parece que todo mundo tem esses sonhos proféticos, apenas para facilitar o enredo. A figura do Vidente comete os mesmos erros, e, pra mim, acabou com todo o peso que aquele personagem costumava ter no passado.

Além disso, Vikings sempre destacou-se por suas batalhas. É claro que, com o avanço do tempo e o legado de Ragnar Lothbrok, os nórdicos naturalmente seriam contemplados por histórias menos bélicas, a favor de outras envolvendo negociações e diplomacia. Entretanto, as lutas foram diminuídas em um ponto que tornaram a trama excessivamente arrastada. Temos também a discussão envolvendo idiomas, mas essa eu consigo passar pano. O ideal seria se Vikings tivesse sido inteiramente contada com línguas antigas, a fim de causar uma maior imersão? É claro e evidente que sim, mas isso não teria sido nada prático. Quando um personagem nórdico conversa com algum inglês, por exemplo, e de repente o seu idioma muda, acho interessante a saída que a série encontrou para nos dizer que os vikings não falavam em inglês, mas a obra é contada assim simplesmente por ser mais acessível. Esse detalhe, portanto, não me incomoda, mas os outros sim.

Há três parágrafos, eu fiz uma analogia pra explicar que a série não valoriza os seus pontos fortes. Contudo, há outro problema intrínseco nessa análise. Mesmo decidindo explorar todas as nuances possíveis e não apenas aquelas com mais potencial, daria para Vikings ter entregado um resultado mais satisfatório. O problema é que demoram demais a desenvolver certos arcos, ignoram alguns e apressam outros. O desnível é bizarro. O roteiro precisava ter equilibrado melhor as suas ações.

Achava que eu só daria porrada aqui? Ora pois, eu classifiquei a quinta temporada como Bom Entretenimento, então claramente ela possui qualidades. Além das questões técnicas já mencionadas, Vikings traz de volta toda a força genuína de Ivar. Embora esteja vestido com um “plot armor” gigantesco, Ivar deixou de ser aquele mimado desmiolado da temporada passada e se assemelhou mais às suas aparições na quarta temporada. O núcleo da Rússia também é eficiente, e teria sido perfeito se tivesse sido um pouquinho mais curto. A maneira com que os personagens lidam com a morte é algo incrível, porque a série espelha esse mesmo sentimento nos episódios. Vikings acerta em cheio nas histórias de Bjorn, Lagertha e Gunnhild, e presta homenagens mais do que merecidas em sua temporada de encerramento. É uma pena ter sido uma conclusão morna e apática em boa parte do tempo.

Se fosse Game of Thrones, o Harald seria muito um nortenho
Se fosse Game of Thrones, o Harald seria muito um nortenho

Veredito

O fim da série pareceu um fim de temporada, e não a conclusão de tudo. Muita coisa ficou em aberto. Acabou sendo um final mediano de uma série excelente até a morte do Ragnar, e que alternou entre poucos momentos bons e uma maioria de momentos médios desde então. A sexta temporada entregou elementos fortes quando optou por extrair o melhor de seus personagens mais bem construídos. A série é visualmente linda, a primeira metade conseguiu resgatar sensações parecidas com aquelas inseridas nos anos iniciais da obra, e parte da identidade de Vikings conseguiu ser preservada. Por outro lado, houve um desequilíbrio frustrante na trama, a série apostou nas fichas erradas, sabotou algumas de suas qualidades centrais e utilizou incontáveis facilitadores narrativos. Quando eu me lembrar de Vikings no futuro, espero sinceramente que o primeiro pensamento esteja relacionado às primeiras temporadas, e não às últimas. Nota final: 3,0/5.

Aslaug, o Retorno

 

>> Crítica da 1ª Temporada de Vikings

>> Crítica da 2ª Temporada de Vikings

>> Crítica da 3ª Temporada de Vikings

>> Crítica da 4ª Temporada de Vikings

>> Crítica da 5ª Temporada de Vikings

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • O bom é que a Lagertha jurou nunca mais lutar e seu juramento não durou nem dois episódios. Eu não esperava que a morte dela seria pelas mãos do Hvitserk. Já sabia que ia morrer porque tinha pegado spoiler, mas enfim. A luta dela com o bandido lá foi sensacional. Eu sinceramente nem lembrava que ela seria assassinada por um filho do Ragnar, por isso fiquei tão preocupado com a briga. Achei a morte dela em si bem melancólica, mas tinha de ser assim. As homenagens feitas pra ela me fizeram chorar.
  • O Bjorn não deveria ter banido aqueles caras, era óbvio que daria merda. Ou ele os matava ou os prendia, o banimento só deu margem pra que eles virassem bandidos e assassinos. E já que estamos falando do Bjorn, achei a morte de seu filho Hali bastante boba. Tudo bem que ele era uma criança, mas por que diabos o moleque ficou balançando uma espada no ar enquanto os inimigos ainda estavam ali? Tinha uma verdadeira maldição com os filhos dele, né. Talvez fosse punição pelo jeito que ele tratava suas esposas, namoradas e amantes. Aliás, que irônico o Bjorn com Ingrid e Gunnhild, basicamente a mesma história do Ragnar com Aslaug e Lagertha.
  • Não fez nenhum sentido o Bjorn ter sido atingido pelo Ivar. O que um aleijado estaria fazendo no meio da batalha daquele jeito? Mas a morte dele foi espetacular. Tudo poderia ter dado muito errado se o soldado lá tivesse atirado uma flecha na cabeça do Bjorn ou se os earls da Noruega não tivessem chegado, mas foi uma jogada de mestre. Bjorn morreu inspirando milhares, era o que ele fazia. Mas cá entre nós, seus feitos ficaram bem longe dos de Ragnar. Tipo, bem longe.
  • Ninguém grita quando tá sendo queimado nessa série. Primeiro o Hvitserk, depois o Rei Olaf. Isso é que é realismo.
  • No antepenúltimo episódio, deu pra ver o tanto que o Ubbe foi desperdiçado na temporada. Um pouquinho dele e da galera na América do Norte já foi melhor do que todo o núcleo envolvendo o povo se congelando nos outros locais. Sobre os outros arcos, não havia nada muito interessante a declarar, e olha que faltavam dois capítulos pra série ACABAR. Fico triste que deram uma história boa pro Ubbe só no final, daria pra ter desenvolvido pra caramba aquele rolê com os nativos. O fato do Ubbe não ter feito a Águia de Sangue e sim ter tido misericórdia com o ladrão, a relação entre as culturas, O FLOKI APARECENDO AOS 48 DO SEGUNDO TEMPO. Perderam tempo demais com tramas bem mais fracas. E, sobre isso, o Floki aparecendo foi bem legal, mas quais as chances de os vikings se encontrarem naquele local específico, considerando o tamanho da costa do continente? Sério, é muita sorte. Poderiam facilmente ter ido parar em milhões de outros lugares.
  • Kjetill ficou doido de vez na Groenlândia, e não surpreendeu ninguém. Enquanto isso, todo mundo fugiu de barco dali. Só acho que poderiam ter pegado os dois navios, carregado todos os suprimentos possíveis e deixado os imbecis lá. Seria uma boa punição, deixá-los passar fome.
  • Príncipe Oleg morto exatamente do jeito que ele previu que seu irmão morreria: por uma flecha do Igor. Seu fim foi patético, mas no bom sentido. A loucura foi tanta que o homem valente morreu suplicando. E o Príncipe Dir foi meio que um Sansão às avessas. Tirou o bigode e tudo resolveu dar certo. Sobre o Igor, adorei sua amizade com o Ivar e me emocionei quando eles se despediram.
  • Gunnhild acabou se jogando no mar e sacramentando seu fim. Achei que iria causar alguma morte (a do Harald, por exemplo) antes da sua, mas não rolou. Achei um ato meio vazio.
  • Muito bom o fato de que Ivar e Harald decidiram invadir a Inglaterra simplesmente porque estavam sem nada pra fazer. E deu muito ruim.
  • A morte do Erik foi ok, embora um pouco tardia. Ele poderia ter morrido antes em vez de ficar cego, ou ter morrido logo em seguida por um acidente – afogando-se, por exemplo. Já a morte do Harald foi totalmente anti-climática. Aparentemente o Ivar o deixou pra morrer, mas o cara foi morto do jeito mais imbecil por um desconhecido, que foi burro ao ponto de não terminar o serviço e acabou morrendo também. Pela importância do personagem, Harald merecia uma morte mais impactante.
  • Ingrid governando Kattegat eu até aceito, ainda que relutante. Mas o Hvitserk se convertendo e ficando na Inglaterra? Sei lá, pareceu fora do personagem, assim como todos os seus outros atos. Quem exatamente era o Hvitserk? Sem falar na morte do Ivar, por um cara aleatório novamente. E todo aquele rolê da profecia de sua morte estar relacionada com o Hvitserk? Abandonaram isso no final? E achei meio estranho terem mudado aquele diálogo falando dos olhos azuis. A explicação antes era relacionada à própria morte do Ivar, mas depois isso foi alterado para dizer que os olhos azuis surgiriam quando ele estivesse prestes a quebrar seus ossos. Qual o sentido? E não entendi ele ter simplesmente se entregado à morte.
  • Outra coisa sobre o Hvitserk: ele foi banido em vez de queimado, e conseguiu sobreviver na floresta em pleno inverno. Até aí tudo bem. Mas quando encontrou o Ivar, ficou de boa se gabando de ter matado a Lagertha e esqueceu de todas as alucinações com o irmão (???).
  • Rollo poderia ter aparecido ou pelo menos ter sido lembrado, poxa. E o filho do Ivar com a Katia também poderia ter sido mencionado. Faltou uma sensação maior de ciclos se fechando. Contudo, gostei da última cena com o Ubbe e o Floki fitando o horizonte. Em outras circunstâncias, teria sido perfeito.

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Ivar
Ele está longe de ser o meu favorito, pois esse posto está reservado para o Ubbe. Entretanto, infelizmente a temporada não conseguiu extrair o que ele tinha de melhor. Lagertha e Bjorn foram destaques muito positivos, mas por pouco tempo. Ivar conseguiu ser mais constante, embora eu tenha sérias reclamações do que o roteiro fez com ele em muitos momentos. Provavelmente o Melhor Personagem mais fraco de Vikings.

Bran e Rickon Stark
Bran e Rickon Stark

+ Melhor episódio: S06E06 (“Death and the Serpent”)
Três capítulos me causaram sentimentos intensos nessa temporada. Um deles me causou tristeza, outro me deu uma sensação de orgulho. Não vou citar quais, mas quem assistiu, sabe. O episódio que elegi como o melhor foi o único capaz de me provocar tensão nesse ano de Vikings.

Sem eles, a temporada teria sido Mais ou Menos
Sem eles, a temporada teria sido Mais ou Menos

+ Maior surpresa: Oleg
O príncipe russo contou com uma sólida interpretação de Danila Kozlosvky (eu sou o único que acha ele um pouco parecido com o Bryan Cranston?) e foi uma contraparte eficaz de Ivar. Serviu ao seu propósito.

Ele parece estar meio Putin com a situação
Ele parece estar meio Putin com a situação

+ Maior decepção: Hvitserk
Pra mim, tomaram todas as decisões erradas em relação a esse personagem. Começaram com um arco batido, mas com algumas particularidades que poderiam ser trabalhadas. Se isso tivesse sido feito, o resultado teria compensado. Em vez disso, deram uma volta esquisita e Hvitserk ficou totalmente sem identidade.

O primeiro vampiro nórdico
O primeiro vampiro da História

+ Mais subestimada: Gunnhild
Senti que poderiam ter dissecado melhor a personagem. Na primeira metade da temporada, isso foi feito com maestria. Na segunda parte, deixaram-na um pouco de lado.

Tal sogra, tal nora
Tal sogra, tal nora

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).