Drama, Séries

Designated Survivor: 3ª Temporada (2019)

• Como nascem os políticos

Ser cancelada uma vez já é triste por si só, ser cancelada duas é tragicamente cômico. Após uma segunda temporada sem audiência muito expressiva, Designated Survivor foi descontinuada pela ABC. O fato não gerou tanta comoção como outros exemplos que vimos recentemente – Lucifer, Sense8, The OA e Brooklyn Nine-Nine -, mas ainda assim a Netflix resolveu entrar em cena e resgatar a produção. Com Kiefer Sutherland novamente no comando do elenco, a empresa entregou um total de dez novos episódios. Por questões de contrato, muitos atores não participaram da continuação: Paulo Costanzo (Lyor Boone), LaMonica Garrett (Mike Ritter), Zoe McLellan (Kendra Daynes), Ben Lawson (Damian Rennett), Jake Epstein (Chuck Russink) e Breckin Meyer (Trey Kirkman). Além disso, Tanner Buchanan (Leo Kirkman) tem uma aparição mínima. A Netflix, por sua vez, fez o suficiente para entregar um desfecho digno antes da série ser realmente finalizada.

 

Sinopse

A história se passa logo depois do final da segunda temporada, após o presidente Tom Kirkman anunciar sua candidatura para as Eleições seguintes. Com a decisão tomada, ele agora precisa se preparar para uma campanha arriscada e complicada, já que Cornelius Moss será seu principal adversário. Enquanto o antigo companheiro aposta na experiência política e em uma certa confiança da nação, Kirkman tá fazendo aquilo tudo pela primeira vez na vida. Pra vencer, ele vai atrás de pessoas que o ajudem em seu propósito, mas sem abrir mão de seus valores para com os cidadãos estadunidenses.

Esta deve ser a expressão de quem filma os vídeos do Everson Zóio

Crítica

A primeira coisa que a gente estranha é a ausência de alguns personagens principais, até mesmo essenciais. A série não se preocupa nem um pouco em explicar o que aconteceu com eles. Lyor era um dos conselheiros mais importantes do presidente? Foda-se, livrem-se dele como se nunca tivesse existido! Mike era um guarda-costas de confiança e amigo de Kirkman? Quem se importa! Kendra trabalhava como advogada na Casa Branca? E daí!
Porém, a gente acaba se acostumando. É claro que não deixa de ser um defeito, mas o roteiro dá um jeito de contornar o desaparecimento em massa e sustenta o novo enredo do jeito que consegue. Pra isso, apresenta vários novos personagens, e todos eles funcionam bem. Lorraine Zimmer é a nova chefe de campanha, uma mulher sem um pingo de escrúpulo. Dontae Evans é um jovem com talento para o marketing digital, e passa a ser útil para angariar votos. Mars Harper é o chefe de gabinete competente no trabalho, mas com falhas na vida pessoal. Isabel Pardo cumpre seu papel militante e Sasha surge como uma nova figura materna para Penny, mas ainda rende outros arcos por ser uma mulher transexual.
Eu senti falta dos antigos no começo, mas os novos foram tão bem que acabei relevando. A temporada ainda tem outra qualidade: o amadurecimento. O primeiro ano de Designated Survivor foi frenético, como costuma acontecer com obras que se iniciam a partir de uma tragédia e/ou uma conspiração. O segundo foi um pouco mais maçante, excessivamente patriótico e recheado de acontecimento forçados se levarmos em conta o mundo real. O terceiro traz uma pegada mais política do que de ação, deixando os núcleos de Hannah Wells bem menos relevantes que o ambiente da Casa Branca. Pra mim, isto funciona totalmente, porque a agente perdeu seu propósito após a temporada inicial. Ela ainda consegue engrenar uma história interessante ao lado do Dr. Eli Mays, mas é apenas uma sombra do que já fora no passado.
O último conjunto de capítulos da série é MUITO superior ao seu antecessor, e à sua própria maneira tão bom quanto o primeiro. O ritmo é outro, o foco também, mas eu acho que fizeram o certo. Toda série que investe em um clima acelerado e com reviravoltas intermináveis pra sempre, sem tentar criar uma nova identidade e se adaptar pra manter o interesse de quem tá assistindo, tende a cair de nível. Sim, Prison Break, estou olhando pra você

David Bowie – Is There Life on Mars

Veredito

Designated Survivor ganha a cara da Netflix em sua temporada de encerramento. As pautas estão mais sociais, os personagens mais verossímeis e multidimensionais e a história mais concentrada no desenvolvimento gradativo do enredo. Os palavrões estão mais presentes, e vi muito norte-americano hipócrita dizendo “ain, mas tem muita palavra feia”. Pode ter morte, explosão, roubo, traição, mas palavrão não pode. A série traz mais novidades, como depoimentos de pessoas reais pra complementar os episódios, o que funciona melhor do que eu imaginaria se os roteiristas me trouxessem a ideia antes dela ser colocada em prática. A saga de Tom Kirkman é finalizada de uma maneira que faz sentido, mas alguns detalhes são deixados em aberto. Não sei se isso foi feito com a intenção de tentar uma continuação ou somente pra mostrar que muita coisa ainda poderia acontecer naquele universo. O importante é que nada decisivo foi deixado sem resolução. Nota final: 4,0/5.

Então, senhor, posso sugerir uma pessoa para trabalhar na área de informática? O nome dela é Amanita

 

>> Crítica da 1ª Temporada de Designated Survivor

>> Crítica da 2ª Temporada de Designated Survivor

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • A Isabel tá no limite entre lacradora do Twitter e ativista sensata. Algumas de suas falas pareceram meio artificiais, e nem sempre ela tinha razão em sua abordagem. Ainda assim, teve uma presença importante e protagonizou uma química boa com o restante do elenco. Só fiquei com preguiça do clichê dela começar a falar em espanhol aleatoriamente do nada, porque todo filme/série faz isso com alguém estrangeiro. Parece ter a única função prática de reforçar a nacionalidade da pessoa em questão, do tipo “ei, não esquece que esta aqui é latina, viu?”.
  • Fiquei surpreso de forma positiva quando o Mars não revelou sua traição pra esposa. Obviamente, eu não torcia pra ele se safar do ato, mas é outra coisa muito comum na experiência audiovisual. Todo segredo eventualmente é revelado pra que haja um drama previsível. O mesmo vale pra quando o Aaron não demorou a temporada inteira pra revelar à Izzy que dormira com a Emily. Economizou muito tempo.
  • Não vou mentir e dizer que fiquei devastado com a morte da Hannah. Os roteiristas perderam a mão com ela e, cá entre nós, não se encaixava mais na história. Minha ressalva fica pra maneira com que a série trabalhou a morte de uma de suas personagens principais. O corpo nem foi mostrado, não houve nenhum tipo de despedida digna, somente um breve discurso, e a posteridade ignorou um pouco sua importância e legado. Tomaram a atitude certa, mas escorregaram na execução.
  • Pelo amor de Deus, Emily, larga de ser paladina da justiça. O que importa se a Lorraine obteve as gravações de maneira ilegal, ela acabou poupando o país de um governo completamente autoritário. Até porque o Cornelius Moss, por mais cascudo que fosse, naquele momento era só um peão das outras figuras supremacistas. “Ain, mas os fins não justificam os meios“. É claro que justificam!! Se ela estivesse sendo ameaçada, tenho certeza que pensaria diferente. E outra, ter denunciado a Lorraine pro FBI tem o potencial de gerar uma treta muito maior do que se tivesse ficado calada. E ah, isto não é uma crítica à construção da Emily como personagem, achei que foi bastante condizente e, analisando friamente, ela acabou sendo uma das melhores da temporada. Só estou discordando de suas ações.
  • Aquela moça do laboratório, amiga do Eli, foi realmente genial, né? Em vez de se afastar do local pra fazer a ligação, ficou NA PORTA como se o cara não fosse desconfiar. É duvidar demais da nossa capacidade cognitiva.
  • Eu gosto do Seth, mas ele merecia um núcleo mais legal do que aquele envolvendo a sua filha biológica. Pareceu um pouco desperdiçado na temporada, mas quando exigido foi um excelente alívio cômico.
  • Dontae foi um baita cuzão e a Netflix apresentou um ponto de vista pra lá de controverso. Colocaram o cara como um coitadinho que mentiu pro seu amante sobre ser portador de HIV. Mano, foda-se se ele era “indetectável”, este não é o tipo de coisa que se esconde. As pessoas que forem ter relações com você têm o TOTAL direito de saber. Fiquei meio pistola que a série deu toda a razão pro Dontae e pintou o seu futuro possível namorado como o irracional da história. É claro que deve ser barra pesadíssima ter o vírus e precisar conviver com o preconceito da sociedade, mas essas coisas se resolvem no diálogo, e não na falta de esclarecimento. O que faltou foi o Dontae assumir um pouco da culpa, porque ele teve sim.
  • A trama envolvendo a Emily e sua mãe foi tão parecida com House of Cards que eu tive uma forte sensação de deja vu. Foi outro arco que demorou a se encerrar, aliás, esticaram-no além da conta.
  • Não sei vocês, mas senti uma vibe meio romântica entre a Sasha e o presidente por algumas frações de segundo. Há a probabilidade de ter sido só coisa da minha cabeça, mas não pude deixar de reparar no olhar de sua cunhada quando Tom Kirkman estava no sofá contando sobre seus recentes estresses.
  • O final fez muito sentido. A série se chama Designated Survivor, e na última cena o protagonista se tornou o mais novo presidente eleito. Dito isso, ele não era mais o Sobrevivente Designado, e sim um chefe de Estado legitimado pelo voto. Sim, algumas coisas ficaram em aberto – a gravidez de Isabel, o impacto internacional do novo mandato, a conspiração de extermínio das minorias, a prisão de Lorraine Zimmer -, mas nenhuma delas era o foco inicial da produção. Com o que tinha em mãos, a Netflix fez um ótimo trabalho.

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Aaron Shore
Ele não é perfeito e nem o mais íntegro. Entretanto, seus dramas são reais e suas tomadas de decisão fazem sentido com a sua própria construção. Roubou a cena na temporada.

Se ele fosse baixinho, poderia ter o apelido de Aaron Short?

+ Melhor episódio: S03E08 (“#scaredsh*tless”)
Uma atitude corajosa do roteiro, convergência das histórias e ocorrências com desdobramentos impactantes. O capítulo final também foi ótimo, mas este me agradou mais.

A concentração de uma dupla prestes a desenhar um membro sexual masculino em uma parede qualquer

+ Maior evolução: Tom Kirkman
Acreditar que um político pode se manter completamente limpo, no meio de tanta manipulação e jogo de interesses, é tão ingênuo quanto clicar em “soneca” no despertador e crer que vai dar tudo certo. Até o mais correto ser humano se corrompe com o poder, ainda que em quantidades variáveis.

E o governo não faz nada………..

+ Maior surpresa: Lorraine Zimmer
Ela chegou pra dar um choque de realidade no telespectador. Designated Survivor sempre lapidou seus personagens “maus” sob um estereótipo forte. Lorraine é orgânica e faz tudo que precisar pra conseguir seus objetivos, mesmo que isto signifique sacrificar a sua própria moral – e a dos outros. Além dela, todas as novas adições agregam valor, como Mars, Isabel, Dontae, Eli Mays e Sasha.

Não tem foto melhor pra representá-la: no fundo da imagem, observando com um olhar de quem sabe mais que todo mundo ali

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).