Ficção científica

Westworld: 3ª Temporada (2020)

westworld 3

• Livre-arbítrio

Nós realmente temos controle sobre nossas próprias escolhas? Os seres humanos estão fadados a repetir os mesmos erros ao longo da História? Somos capazes de exercer o livre-arbítrio ou todas as nossas decisões já foram tomadas e estão escritas em tinta não removível, no livro do destino? Filosofia nunca faltou em Westworld. A introdução da série apresentou um panorama empolgante de misturar robôs no Velho Oeste, no Japão dos samurais e na Índia, mas o ponto central sempre esteve além da superfície. A primeira temporada trabalhou principalmente com o tema ético a respeito da vida em si, questionando o que de fato caracteriza o sentido de existir. A segunda temporada mergulhou mais a fundo no assunto, demonstrando que estar vivo é questão de perspectiva. Já a terceira destrincha como os inevitáveis padrões humanos abrem margem para a realização de cálculos que não só preenchem o passado, mas preveem o futuro. Nesse sentido, temos aqui um ótimo espaço para complexas e sensíveis discussões.

 

Sinopse

Com os parques destruídos, os anfitriões estão inseridos de vez no mundo dos humanos. Em um futuro distópico, arrasado e depressivo, cada um dos principais personagens vive de acordo com suas convicções. Dolores busca promover uma revolução, exterminando a vida humana da maneira que ela conhece. Maeve quer salvar a vida de sua filha, e por isso se alia a um trilionário chamado Serac. Bernard deseja o melhor dos dois mundos, preservando os humanos ao mesmo tempo em que visa encontrar espaço para os anfitriões. Além dessa trindade, Caleb, um homem aparentemente comum que trabalha em construções, entra no jogo como mais uma importante peça de xadrez.

Não sei por que, mas esse ator daria um excelente vilão do Batman

Crítica

Foi difícil pegar no tranco da terceira temporada de Westworld. Certo dia, decidi assistir ao primeiro episódio com meu pai, mas nós dois acabamos dormindo na metade. Acho que no dia seguinte, decidimos continuar e enfim conseguimos terminar o capítulo. Semanas se passaram até que a gente decidisse retomar. Como tínhamos visto de maneira meio picada, optamos por ver o primeiro de novo. Tentamos ver o segundo, mas novamente dormimos na metade e tivemos de continuar depois. Quando enfim concluímos, eu fiquei pescando nos minutos finais.

Dizendo assim, é até difícil convencer alguém a continuar investindo nesta série. Porém, falando do fundo do coração, eu acho que a nossa dificuldade em engatar na história foi um conjunto de fatores. O primeiro deles é que, inegavelmente, o ritmo de Westworld é naturalmente mais lento, então às vezes é difícil ficar inteiramente concentrado. O segundo é o fato da trama ser complexa demais pro seu próprio bem em alguns momentos, dificultando a compreensão e atrapalhando a imersão. O terceiro, por outro lado, tem mais a ver com o sono que estávamos sentindo enquanto tentávamos assistir.

Quando terminei o segundo episódio, vi um vídeo completo de recapitulação no YouTube e me lembrei de alguns detalhes que haviam me escapado sobre as temporadas anteriores. Compartilhei com meu pai, e isso nos motivou a continuar. Então, foi só alegria. Vimos dois episódios por dia até concluir a temporada, e devo dizer que, após a falta de fluidez no início, o terceiro ano de Westworld me fisgou e me conquistou.

Desde a primeira temporada, eu bato na tecla de que a trilha sonora é uma das maiores qualidades – se não a maior – da série. A maneira como Ramin Djawadi, o mesmo compositor de Game of Thrones, insere a musicalidade na história é feita de maneira tão sublime que, enquanto eu escrevo isso aqui, duas trilhas não saem da minha cabeça. Uma é a que aparece sempre na recapitulação de cada episódio, e a outra é a que dá as caras nas cenas em que a temporada introduz alguma divergência (quem já assistiu, vai saber do que eu tô falando). Não só isso, mas cada pedaço de música colabora perfeitamente com a intenção do roteiro.

A fotografia e a atenção aos detalhes também são praticamente perfeitos. O modo como a produção utiliza as cores, os ângulos de câmera, a movimentação dos personagens. Até mesmo os pequenos trejeitos que são evidenciados pelas atuações são bem feitos. A minha única crítica negativa quanto a esses aspectos técnicos é relacionada a algo que transcende a arte: a ignorância geográfica estadunidense. Dando um pequeno spoiler que não afeta em nada a história, há uma sequência em que um personagem está conversando com o presidente do Brasil. Sim, isso mesmo. Contudo, a “reunião” está acontecendo em uma varanda no meio de uma floresta, com frutas sendo servidas para o convidado, enquanto mosquitos incomodam o político. Pra piorar, o ator que interpreta o presidente fala com um sotaque que claramente não é brasileiro, enquanto o outro artista, um francês, fala português melhor do que ele.

Imprecisões geográficas e insultantes à parte, Westworld começa com uma trama aparentemente complexa, mas, à medida que os episódios progridem, ela se mostra relativamente simples. Pra falar a verdade, alguns temas são até um pouco familiares, e não pude deixar de lembrar de romances adolescentes como Divergente. Há uma boa reviravolta lá pro meio da temporada e a história é concluída de maneira satisfatória. Até daria pra ter empacotado tudo de vez ali, se não tivessem deixado óbvios ganchos para desdobramentos futuros.

De certa forma, eu acho que eu gostei mais da terceira temporada do que da segunda, mas sei que é uma opinião impopular. A segunda possui um roteiro mais caprichado e fechadinho, e ainda é beneficiada por ter o melhor episódio de toda a série. Por outro lado, a temporada em questão parece apenas um epílogo estendido da primeira, enquanto a terceira se arrisca e envereda por um caminho que ainda não havia sido traçado até então. Há um favorecimento de certos personagens em detrimento de outros, infelizmente, mas eu sempre vou preferir a obra que se arrisca e às vezes erra do que aquela que ousa menos e cai um pouco na apatia.

É dos carecas que elas gostam mais

Veredito

Depois de uma primeira temporada estelar e uma segunda inconstante, o terceiro ano de Westworld demora a engrenar, mas acerta em cheio na decisão de ir além do que tinha sido apresentado até ali. O mundo fica ainda maior e alguns personagens que não haviam deslanchado ganharam espaço para brilhar, ainda que isso tenha custado a diminuição na importância de outros. Os aspectos técnicos seguem irretocáveis e a trama, mais simplificada, ao mesmo tempo em que deixou espaço pra ousadia e trouxe de volta a minha vontade de maratonar a série. Ela está longe do nível de qualidade dos episódios de estreia, mas coloca bons rumos para a expansão de uma temática deliciosamente filosófica. Nota final: 4,0/5.

O Homem de Preto virou agora o Homem de Branco

 

>> 1ª Temporada de Westworld

>> 2ª Temporada de Westworld

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco

Nota nº 5: sabia que eu agora tenho um canal no YouTube? Não? Então corre lá pra ver, uai: Pitacos do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • Não vou mentir, me senti meio idiota depois de ficar teorizando sobre quem poderiam ser as pérolas da Dolores. Pensei no Teddy, na Clementine, no pai da Dolores, em diversos personagens, mas não tive a genialidade de pensar que poderiam ser todas versões da Dolores em si, o que torna a cena da Dolores “original” abraçando a Dolores “Charlotte” na cama ainda mais maluca. De qualquer forma, gostei demais da discussão que surgiu através desse arco, de que não há como existir duas pessoas iguais, mesmo que elas sejam clones uma da outra. A vivência molda totalmente o ser humano, é isso que eu penso.
  • Eu me apeguei ao personagem do Caleb e gostei de todo o início de sua jornada com a Dolores, mas confesso que não fui muito fã do arco dele sendo um humano de comportamento divergente e alguém importante também pelo seu passado, e não simplesmente por sua personalidade. Eu gosto da ideia de “heróis” ganhando relevância depois de uma origem comum, banal. Colocar o Caleb como um ex-soldado que foi um dos únicos a passar no teste da Incite e ter as suas memórias reescritas me pareceu um pouco deslocado do que vinha sendo o personagem.
  • A Maeve foi extremamente egoísta e ingênua nesta temporada, né? Ela sinceramente esperava que o Serac fosse reuni-la com a filha assim, do nada? E ela nem sequer quis ouvir um pouco mais a respeito do plano da Dolores. Sei lá, pra uma personagem tão poderosa e inteligente, ela se mostrou bastante manipulável.
  • Lee e Hector voltaram, eba! Ah, mas era só pra um sumir e o outro morrer de vez. Eba.
  • Na maioria das vezes durante a temporada, eu concordei com os planos da Dolores. Porém, eu acho que não foi uma boa ideia vazar os dados do Rehoboam pra toda a população mundial. Eu tenho a visão de que ninguém deveria saber o próprio futuro. É claro que algumas pessoas podem se importar menos com o que “está escrito” e tentar construir a própria linha do tempo, mas a maioria é influenciável e se deixaria levar pelo fim inevitável. Eu falo por mim, pois não sei o que eu faria se descobrisse que eu morreria em sei lá, alguns meses. Ir ao trabalho realmente valeria a pena? Fazer planos a longo prazo, me privar de prazeres que são negados por conta da rotina? É um tema muito delicado. Acho que o mais sensato seria destruir todos os dados, mas eu entendo que desta forma não teria surgido o caos necessário pra revolução da Dolores dar certo.
  • Ah, uma outra coisa que me incomodou na Dolores durante a temporada foi ela poupando tantas vezes a vida da Maeve, sendo que claramente a rival jamais descansaria enquanto não derrotasse a algoz. Mas, depois que eu entendi que a Dolores de fato não QUERIA matar a Maeve, até por ser da sua própria espécie, fez mais sentido a atitude contínua dela.
  • Os fãs da franquia de jogos Assassin’s Creed vão me entender quando eu digo que Serac é basicamente um grão-mestre templário. Ele crê que a sociedade deve ser controlada pela ordem e acredita piamente que ninguém deveria ter soberania sobre a vida alheia, exceto ele mesmo. A linha de pensamento até começa correta, na minha interpretação, mas a hipocrisia nascida no egocentrismo coloca tudo por água abaixo.
  • Loucura pensar que a aparição de David Benioff e D.B. Weiss, showrunners de Game of Thrones, em outros tempos teria sido um deleite para os fãs de televisão, ainda mais ao lado do Drogon, mas hoje todo mundo torce o nariz pros dois.
  • A chave para o além estar na mente de Bernard é algo muito Dolores de se fazer, escondendo as cartas na manga. Quero até ver o que ele viu naquele mundo perfeito. E, só pra não deixar passar batido, adorei a fala da Lauren, dizendo que não entende por que as pessoas buscam “superar” a perda dos entes queridos que já se foram, sendo que ela não deseja se esquecer do filho que morreu. Faz a gente pensar.
  • Vamos combinar que o arco do William já deveria ter acabado há muito tempo, né? Vê-lo morrer não me deixou nem um pouco contrariado, pois não gostei dos núcleos dele na segunda e na terceira temporadas, com exceção de alguns momentos isolados. Agora eu quero ver como vai ser O-Homem-de-Preto-Anfitrião junto com a Charlotte-Dolores-Que-Não-é-Dolores e a legião de outros robôs.

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Dolores Abernathy
Ela nunca foi a minha favorita, jamais escondi isso. Sempre a achei uma personagem que ficava frequentemente aquém do que poderia apresentar, e inclusive na temporada passada a classifiquei como Maior Decepção. Desta vez, não teve pra ninguém. Dolores foi a presença mais impactante da trama, e a sua narrativa e ideais foram alguns dos grandes destaques do enredo.

E pensar que toda essa sequência do vestido foi feita de maneira prática, sem efeitos visuais

+ Melhor episódio: S03E04 (“The Mother of Exiles”)
O terceiro episódio foi o que me fisgou de vez na temporada, mas o quarto é aquele que contém o momento mais marcante, ao melhor estilo Westworld.

Espelho, espelho meu

+ Maior surpresa: Caleb Nichols
O personagem pode não ser espetacular, mas a interpretação de Aaron Paul credencia Caleb como o melhor novo personagem da temporada. O mesmo vale para Engerraund Serac, com boa atuação de Vincent Cassel.

O Senhor White vai ficar sabendo disso

+ Maior decepção: Maeve Millay
Eu não era muito fã da Maeve na primeira temporada, mas na segunda ela evoluiu consideravelmente, chegando a alcançar o patamar de Melhor Personagem. No terceiro ano, o roteiro deu um arco sem sal e incoerente pra ela, que acabou sendo prejudicada pelo texto disperso. Bernard também não foi bem e teve aparições extremamente apagadas. Porém, pelo fato da Maeve ter sido a melhor na temporada anterior, acabou que a queda de produção foi mais evidente nela.

Choose your fighter

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).