• Gentrificação e sobrevivência
Eu adquiri uma nova habilidade. Em um mundo capitalista como este em que a gente vive, falta tempo pra fazer aquilo que realmente temos vontade de fazer. Por muito tempo eu perdi o hábito de assistir a séries sozinho, pois normalmente vejo com minha namorada. No entanto, como ela não tem muito interesse em futebol americano, Last Chance U é uma das produções que eu acompanho apenas com a minha própria companhia. Pra poder assistir, eu decidi otimizar o meu tempo: em vez de ficar ouvindo vídeos do YouTube enquanto lavo a louça, resolvi executar essa tarefa com um episódio rolando no celular. E não é que a estratégia deu certo?
Sinopse
Depois de duas temporadas junto ao EMCC Lions, no Mississippi, e outras duas com o ICC Pirates, no Kansas, o quinto ano de Last Chance U direciona suas câmeras pra uma cidade grande, abrindo mão dos cenários interioranos de outrora. A cidade da vez é Oakland, na Califórnia, localizada na costa oeste dos EUA, vizinha de São Francisco. A faculdade escolhida foi a Laney College, lar dos Eagles, atuais campeões da divisão. Sob o comando do veterano treinador John Beam, a equipe quer repetir a dose pra voltar a ser importante no cenário estadual e nacional.
Crítica
Last Chance U nunca foi apenas sobre os jogos de futebol americano. Desde o início, a vida pessoal e acadêmica dos atletas, assim como a identidade da cidade que recebia a temporada em questão, era tão importante quanto as partidas. Nesta quinta e última temporada, o foco está ainda maior no cenário de Oakland, considerada como uma das mais perigosas cidades dos Estados Unidos. A série aproveita pra debater o conceito de gentrificação, quando um município começa a se desenvolver nas periferias, encarecendo o custo de vida e empurrando os antigos moradores para outros lugares ainda mais distantes, tudo em prol do lucro dos poderosos.
Em questão de perrengues, o quinto ano de Last Chance U é talvez o que trata desse tema de maneira mais crua. No Mississippi, eu sempre senti que a vida acadêmica dos estudantes era o principal ponto de discussão na parte “humana” da série, além da necessidade de performar bem como os grandes favoritos no futebol americano. Em Kansas, era muito sobre a personalidade dos jogadores e em como eles conseguiriam lidar com pressões e expectativas. Em Laney, há uma terceira abordagem: sobrevivência. Uma boa parcela dos atletas não tá ali pela glória ou perspectiva de brilhar na NFL. Alguns querem basicamente encontrar um modo de prosperar pra colocar comida na mesa e um teto sobre a cabeça.
De certa forma, a quinta temporada é mais condensada e contida dentro de si mesma. O ambiente urbano de uma grande cidade como Oakland soa muito mais claustrofóbico do que as paisagens interioranas das quatro temporadas anteriores. A impressão é de que a sociedade é mais opressiva e as oportunidades, mais limitadas, sendo que alguns dos jogadores não sabem o que irão comer naquele dia ou sequer possuem um cantinho onde morar. Há também olhos voltados pro aspecto acadêmico, mas eu senti que a trama girou muito mais em torno da perspectiva social e profissional.
Voltando ao futebol americano, Laney reserva boas histórias e uma dinâmica totalmente singular. Buddy Stephens e Jason Brown eram explosivos e desrespeitosos. John Beam não poderia ser mais diferente. É claro, ele tem suas implicâncias e ocasionalmente levanta a voz para seus comandados, mas a sua relação com os jogadores é bem mais saudável. Não existe, portanto, um clima de tensão tão grande quanto nas temporadas anteriores, o que de certa forma é um alívio. É totalmente possível você exercer sua autoridade sem precisar recorrer à humilhação alheia. Nesse sentido, é uma temporada mais leve na parte esportiva, com exigências menos exageradas. Porém, faz questão de mostrar o impacto dos traumas familiares e a dificuldade de ascender economicamente nos EUA.
Veredito
No capítulo final de uma série que registrou muitos momentos marcantes e contou várias histórias inspiradoras de pessoas reais, a temporada de 2019 da Laney College não consegue ser tão memorável quanto os anos passados no Mississippi. Porém, tem ritmo e abordagem melhores do que a jornada em Kansas, mostrando que bons exemplos podem ser mais poderosos do que trabalhos sob pressão. Há espaço pra drama e conflitos, mas sem passar do ponto. O lado esportivo tem momentos que ficam na lembrança, mas o maior mérito do encerramento de Last Chance U está na dissecação de uma cidade sendo transformada em tempo real.
>> 1ª Temporada de Last Chance U
>> 2ª Temporada de Last Chance U
>> 3ª Temporada de Last Chance U
>> 4ª Temporada de Last Chance U
Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco
Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco
Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco
Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco
Nota nº 5: sabia que eu agora tenho um canal no YouTube? Não? Então corre lá pra ver, uai: Pitacos do Leleco
~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~
- John Beam: grande treinador, há 40 anos trabalhando com futebol americano. Que diferença dele pros outros carecas da série, né? Talvez o cabelo seja o grande segredo da bondade no esporte. Foi legal de ver o Beam consolando o Rey e apoiando Dior e Nu’u. Só tive algumas ressalvas quanto ao tratamento dele com o RJ, mas falarei mais disso abaixo.
- Dior Walker-Scott: cara, não consigo nem imaginar como deve ser morar no seu carro, jogar futebol americano durante o dia e trabalhar em um fast-food à noite. Que vida miserável, na moral. E aquela professora falando que os jogadores são muito privilegiados e folgados não é totalmente mentira, mas é meio injusto ela fazer aquela generalização em sala de aula quando um de seus alunos sequer tem uma casa onde viver. E bicho, aquele pai do Dior é um otário mesmo, né? Ainda bem que o filho escolheu cortar relações.
- Rejzohn Wright: ele me incomodou durante a maior parte da temporada, não vou negar. Pode até ter bastante talento, mas era convencido demais pra alguém que não tinha se provado tanto assim. Foi paia ele ter se lesionado e desfalcado o time no final, mas talvez tenha sido uma lição de humildade.
- Nu’u Taugavau: não sei por que, mas em alguns momentos fiquei com um pouco de preguiça de acompanhar as partes em que o foco estava nele, mas Nu’u parecia genuinamente um cara bom e espero que tenha dado tudo certo pra ele e pra esposa, que conseguiu se formar naquele curso de manicure.
- RJ Stern: bicho, tenho alguns pensamentos conflitantes quanto a ele. Sim, ele dava a impressão de ser um bom jogador. Sim, o técnico parecia sabotá-lo em alguns momentos, não dando tantas oportunidades pra ele se destacar. Ainda assim, o RJ continuava cometendo os mesmos erros e era imune a autocríticas. Não dá pra ser assim também, né? E cara, que loucura aquela história da família dele, recheada de escritores de comportamentos esquisitos e/ou criminosos. Parece coisa de filme, sei lá.
- Uma das coisas que eu mais senti falta nesta temporada foi um foco maior nos outros treinadores além do head coach. Eu terminei a série sem saber praticamente nada de nenhum deles, algo que foi melhor trabalhado na EMCC e na ICC.
~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~
+ Melhor personagem: Dior Walker-Scott
Eu poderia ter colocado John Beam neste posto – e seria a primeira vez que eu escolheria um treinador como o melhor personagem de uma temporada de Last Chance U. No entanto, a história de Dior é tão sofrida e cheia de obstáculos que eu passei o tempo todo torcendo por ele, e a série sempre parecia brilhar mais quando as câmeras escolhiam mostrá-lo.
+ Melhor episódio: S05E05 (“The City”)
Esse é um daqueles episódios que parece história de cinema. Por se tratar de um documentário, tudo fica ainda melhor e mais emocionante, mostrando como a rivalidade no esporte pode ser algo maravilhoso.
Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?