• Você consegue ver os lobos nessa imagem?
Assistir filmes do Scorsese é como se estivéssemos em uma sala de aula de storytelling. Como ele decide contar suas histórias sempre é bem feito, mas tudo depende da história que ele decide contar. O filme da vez foi Assassinos da Lua das Flores e é novamente uma aula de cinema. Vou me explicar melhor.
Essa pergunta do título acho que foi feita lá para os 40 minutos de filme. É uma pergunta que até parece boba, mas ela, desde o primeiro momento em que aparece, tem o sentido de deixar uma interrogação na cabeça do personagem e principalmente na nossa: será que conseguimos ver os lobos que rondam a vida do Ernest? Será que o Ernest consegue?
São perguntas pequenas que se fazem presentes na nossa vida, perguntas que nos levam a questionar atitudes de algumas pessoas próximas de nós e até mesmo as nossas atitudes. Quando não fazemos essas perguntas, muitas vezes nos vemos no percurso que o grande rio vai fazendo. Não podemos fazer muito a não ser aceitar o que vier ou o que nos é imposto.
Aaaaah, se o Ernest tivesse notado logo na primeira conversa como estava sendo manipulado… aaaah, se o Ernest tivesse notado logo de cara a intenção do tio…
Mas pô, o Ernest tá de sacanagem também. O cara é manipulado pelo tio, pelos irmãos e tem atitudes completamente contraditórias… não dá pra passar pano. Por mais burro que ele seja, dava para ter mudado a direção, mas é claro, como todo homem branco, o Ernest só vai notar a tragédia quando chegar nele.
São essas aproximações desse filme com a realidade que me fazem notar o quão bom é esse roteiro, até porque a obra-base mergulha na criação da Federal Bureau of Investigation, ou o FBI. Aqui o tratamento é para as vítimas, jogando ainda mais um holofote e trazendo à memória o que não pode ser esquecido.
Então pela escolha e recorte, até porque um filme biográfico precisa de um recorte, o roteiro de Martin Scorsese e Eric Roth é sensacional e pra mim, é preciso no que se propõe.
O que talvez seja o maior problema para muitos é a montagem. Eu confesso que há ali um pedaço, dentro das suas 3 horas e pouco de duração, que o filme dá uma travada. Nada de ficar cansativo e enfadonho, mas dá pra sentir, até porque são muitas manipulações vinda do Tio William Hale lá. Entretanto, eu ainda acredito que o trabalho da Thelma Schoonmaker, oito vezes indicada ao Calvinho Dourado, é incrível. Digo isso como um editor que conhece a dificuldade disso tudo.
Agora vamos ao que, pra mim, é a alma de Assassinos da Lua das Flores.
Leonardo DiCaprio é um atorzão. O cara é talentoso e, independente do seu papel, ele sempre está bem. Vide A Praia, que é ruim, mas ele ainda assim tá bem.
Outro que manda muito bem é Robert De Niro. Eu sei, ele não poderia ter dado mais a mínima para toda a campanha do Oscar, mas o seu personagem é de uma complexidade absurda e ele sabe como aproveitar disso.
Agora, para mim, o destaque vai para a Lily Gladstone. A leveza e a força que essa mulher traz para a sua personagem faz ela cativar a nossa atenção a ponto de ficarmos vidrados na tela.
E isso, isso é tudo muito bem orquestrado pelo diretor e manda-chuva disso, o Martin Scorsese. A penúltima cena, onde se conta a história do que aconteceu com os personagens, mostra o quão difícil é reger toda uma história contada, e olha que estamos falando do rádio. Aqui, num longa metragem de quase 4 horas, a precisão, organização, alinhamento com a equipe é primordial para que não se perca a ideia central.
Não tem como chegarmos nesse ponto, após falarmos do roteiro, da atuação, da montagem e tantos outros aspectos técnicos, sem exaltar o trabalho do diretor.
Isso porque nem falei da sensacional fotografia de Rodrigo Prieto ou mesmo porque não cheguei a mencionar o trabalho de trilha sonora feito pelo Robbie Robertson, que definitivamente é um dos pontos altos do filme e mereceu a indicação póstuma ao Oscar.
Assassinos da Lua das Flores aproveita o que tem de melhor e busca extrair ao máximo dos seus contribuidores, mesmo que nem sempre consiga. Com tanta gente talentosa, seria difícil ter algum resultado que não fosse ABSOLUTE CINEMA.
Ricardo Gomes
O Sharkboy que estuda Jornalismo e ama o cinema
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Este texto faz parte de um quadro de colaborações com outros redatores. O artigo não foi escrito pelo maravilhoso Luiz Felipe Mendes, dono do blog, e portanto não necessariamente está alinhado às ideias dele.