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AnáliseRicardo #08: Retratos Fantasmas é um registro do abandono do cinema

retratos fantasmas

• Ontem eu vi um fantasma

É bizarro quando uma história consegue se encaixar em várias realidades e em vários mundos diferentes, acho que posso dizer assim.

Para quem não me conhece, eu sou Ricardo e eu vim de uma cidade que fica no interior de Rondônia e faz fronteira com a Bolívia.

Essa é uma cidade histórica. Por aquela região passaram alguns conflitos, uma estrada de ferro, inclusive você consegue ver nessas imagens alguns resquícios do que aquela cidade viveu. Se quiser assistir, tem uma minissérie chamada Mad Maria que pode te contar um pouco mais do que aconteceu ali, mesmo que algo mais cinematográfico.

Eu sei, você está aqui para ouvir sobre Retratos Fantasmas, mas é aqui que está o meu ponto de conexão com esse documentário. Na cidade em que nasci, tinha o Cine Guarany que já tinha sido fechado há bastante tempo e, quando a primeira imagem de um cinema de Recife apareceu na tela, eu lembrei de uma tarde em que eu tinha matado aula e por um acaso passei em frente a esse cinema. Eu parei por uma fração de segundo, mas foi o suficiente para me lembrar dessa cena por muito tempo.

Incrivelmente, parecia que eu tinha vivido com o Kleber Mendonça na mesma cidade, visitando os mesmos lugares e estava com ele nos momentos em que as coisas apareceram na tela. Isso se dá muito pelo fato de grande quantidade do conteúdo ter sido retirado do acervo do próprio diretor.

Você o vê, vê a câmera, vê sua casa, conhece alguns personagens dos seus longas, vê como algumas histórias foram sendo produzidas junto com o diretor. Parecemos fazer parte de uma conversa sobre a história de uma pessoa e quando menos esperamos, nós estamos conversando sobre o cinema.

Isso, é claro, faz parte do trabalho do Kleber Mendonça Filho, que é um diretor de mão cheia. Ele consegue colocar algumas passagens um pouco mais diferentes, até com um toque mais puxado para o horror, que para mim, quando se olha o nome de Retratos “Fantasmas”, combina muito com a proposta.

Ele trabalha o documentário com 3 atos, saindo do micro, no caso, a sua vida pessoal influenciando as suas obras, até chegar no macro, no caso, o cinema e todo o seu poder.

Todo esse processo é muito bonito de ver. É como se fosse uma dança muito bem coreografada entre a vida pessoal de Kleber, a cidade de Recife e o cinema.

Essa dança não seria possível se a música, ou pelo menos a montagem, não conseguisse colocar o ritmo certo. A sorte de Retratos Fantasmas é que a montagem do documentário é o melhor do longa.

Sem entrevistas, apenas com o texto e relato do diretor, o longa consegue colocar na tela cenas dos filmes que o Kleber fez, as imagens históricas e fotografias belíssimas da cidade, isso sem contar algumas filmagens que foram feitas na época pelo diretor.

Muitos não gostaram dos momentos em que Kleber se põe como personagem. Eu já curti muitos deles, principalmente como termina o filme, mas confesso que, assim como o texto, esses momentos são truncados às vezes.

Retratos Fantasmas é uma história bem mais envolvente do que eu achei que seria, muito mais divertida e tocante do que eu imaginei que poderia ser. Não é um trabalho tão potente como Bacurau, Aquarius ou O Som ao Redor podem vir a ser para o cinema brasileiro. Pode ser que daqui alguns anos ele se torne só um dos fantasmas do Kleber Mendonça Filho, que tá ali, às vezes você pode ver sendo falado, outras vezes você nem vai encontrá-lo mais.

Mas tem uma coisa que faz com que Retratos Fantasmas ganhe força: o cinema. Não como um filme já feito que ficará nos registros dos filmes feitos, mas como um filme que está disposto a falar sobre o cinema, sobre o marketing da época, sobre o abandono do próprio cinema ou de uma parte da cidade.

E se um documentário forte tem o poder de levar a reflexão e estudo sobre um tema, Retratos Fantasmas coloca os fantasmas na tela e nos pede para que estudemos esses fenômenos sobrenaturais que são o fato de nós, como sociedade, abandonarmos nossa história.

Os fantasmas de Kleber Mendonça Filho

 

Ricardo Gomes
O Sharkboy que estuda Jornalismo e ama o cinema

 

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Este texto faz parte de um quadro de colaborações com outros redatores. O artigo não foi escrito pelo maravilhoso Luiz Felipe Mendes, dono do blog, e portanto não necessariamente está alinhado às ideias dele.

Publicado por Ricardo Gomes

O cara que mais perde tempo assistindo TV e escrevendo sobre, segundo Michelle (minha gata).