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AnáliseRicardo #33 – Flow impressiona e tira o público da zona de conforto

flow ricardo

• Consciência coletiva

Quando duas animações com temáticas bem parecidas chegam no mesmo ano, a comparação é inevitável, né? Em 2024, tivemos Robô Selvagem e Flow, duas obras que falam sobre o impacto do coletivo e do individual. Mas hoje, eu quero focar no meu favorito: Flow. E, mais do que isso, quero mergulhar com vocês no que faz esse filme tão especial.

Flow é uma animação que começa com um cenário apocalíptico. O mundo está devastado, tomado por enchentes, vestígios da presença humana por todos os lados, e, no meio disso tudo, temos o protagonista: um gato. 

Solitário por natureza, ele se vê obrigado a buscar refúgio em um barco onde várias espécies de animais, tão diferentes quanto improváveis, estão tentando sobreviver. E o grande dilema é: como conviver com o outro, mesmo quando ele não é nada parecido com você?

Eu gosto de filmes que te deixam pensando, e Flow não só faz isso, como também conversa diretamente com algo que a gente tá vivendo no mundo real: a dificuldade de abrir mão do individual em prol do coletivo.

Eu sei que comparações podem ser injustas, mas, nesse caso, elas ajudam a entender o que faz Flow se destacar. Tanto Flow quanto Robô Selvagem abordam a ideia de consciência coletiva, um conceito lá da sociologia que foi definido pelo Durkheim.

Basicamente, é o conjunto de crenças e valores compartilhados por uma sociedade. Em contrapartida, a consciência individual reflete a singularidade de cada pessoa.

Robô Selvagem traz uma robô que precisa aprender a viver em harmonia com outros seres da floresta, enquanto Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa mostra como o Chico percebe que só mostrar como afeta ele não tem o mesmo peso de quando falado sobre como afeta toda a Vila Abobrinha.

Esses filmes abordam o tema de maneiras diferentes, mas a essência é a mesma: até onde vai o indivíduo, e onde começa o coletivo? Flow pega a ideia de consciência coletiva e eleva a um nível quase poético.

A narrativa não é sobre ‘falar’ da coletividade, mas sobre mostrá-la em ação. Cada cena, cada interação entre as espécies no barco, é um lembrete visual e emocional de como o coletivo nos transforma.

Os animais do barco

Algumas das cenas mais marcantes de 2024, em meio às enchentes do Rio Grande do Sul, pra mim, foi ver tantos animais dando um jeito de sobreviver àquilo. Muitos eram da mesma espécie, mas a consciência coletiva dessas espécies é o que ajudou muitos a escaparem.

A causa da destruição em Flow pode parecer natural, mas a gente sabe que o verdadeiro problema é como a humanidade tratou o planeta. Assim como as enchentes que vimos na vida real, o que levou a natureza a reagir dessa forma foi o desgaste causado pelo ser humano. E é aí que Flow brilha: ele não acusa diretamente, mas faz você refletir sobre as consequências das suas escolhas.

No mundo cada vez mais individualista que vivemos, onde o lema parece ser ‘você tem que pensar mais em você’, Flow mostra que abrir mão de algo, não de tudo, pelo coletivo não é fraqueza, mas sim força.

No caso de Flow, não é necessário palavras para falar sobre coletividade ou o quão importante é isso para um indivíduo. Uma cena. Uma cena basta.

É só você mostrar um gatinho olhando seu reflexo numa poça d’água no começo e retornar para essa ideia no final do filme.

A ausência de diálogos em Flow não é uma limitação, mas uma escolha narrativa poderosa. Essa é a força de um bom filme: ela te tira da zona de conforto, te faz sentir e refletir sem precisar explicar tudo.

No fim das contas, o que torna Flow tão especial pra mim é como ele consegue transmitir uma mensagem tão poderosa de maneira tão simples. Ele não só levanta o debate sobre a coletividade, como nos lembra da importância de olhar para o outro, mesmo em momentos de crise. E é isso que faz de Flow um dos melhores filmes do ano.

 

Ricardo Gomes
O Sharkboy que se formou em Jornalismo e ama o cinema

 

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Este texto faz parte de um quadro de colaborações com outros redatores. O artigo não foi escrito pelo maravilhoso Luiz Felipe Mendes, dono do blog, e não necessariamente está alinhado às ideias dele.

Publicado por Ricardo Gomes

O cara que mais perde tempo assistindo TV e escrevendo sobre, segundo Michelle (minha gata).