Suspense/Terror

Ratched (2020)

ratched

• Anjo de misericórdia

Eu nunca vi o filme Um Estranho no Ninho, estrelado por Jack Nicholson. Legal, Leleco, mas o que eu tenho a ver com isso?, você pode estar pensando. Bom, por mais aleatória que a afirmação possa ter parecido, ela tem fundamento. Ratched é inspirada na personagem de mesmo nome do filme em questão. Viram? Minha afirmação não foi nada aleatória. Pois bem, eu nunca vi Um Estranho no Ninho, embora ele esteja há anos na minha lista de Filmes que Todo Mundo Viu, Menos Eu. É necessário assisti-lo pra poder ver esta série? Acho que não, pois a história aqui é como se fosse uma prequela (existe essa palavra?) dos eventos do filme, mas sem nenhuma intenção de ser algo canônico. É apenas uma inspiração, ok?

 

Sinopse

Mildred Ratched é uma enfermeira que chega com tudo no Hospital Estadual Lucia, uma clínica de reabilitação psiquiátrica ou, como era tratado na época, um hospício. Isso porque a trama se desenrola na década de 1940, pouco depois da Segunda Guerra Mundial, onde as pessoas com transtornos mentais não eram tratadas com muita delicadeza. Se hoje já não são, imagina no século passado. Ratched desembarca no local para trabalhar sob a tutela do médico Richard Hanover, que quer colocar em prática novos experimentos envolvendo a mente humana, enquanto um paciente especialmente perigoso é internado no mesmo hospital.

É um sabonete, torrão de açúcar ou uma pedra na mão dele? Você decide

Crítica

Eu já percebi que não gosto muito do estilo do Ryan Murphy. Quem é esse cara, Leleco? Bom, é o idealizador por trás de séries como GleeAmerican Horror StoryScream Queens Dahmer: Um Canibal Americano, além de Ratched, é claro. Pra ser justo, o único desses títulos que eu realmente assisti até hoje foi AHS, tendo visto as seis primeiras temporadas. Mesmo assim, ver Ratched me fez perceber por que eu tenho tanta dificuldade em persistir com AHS.

Podemos dizer tranquilamente que Ryan Murphy gosta de chocar. Ele aprecia o terror físico, elementos de horror que têm mais a ver com sangue e desmantelamento de membros do que espíritos, demônios ou coisas do tipo. Não que ele não utilize esses outros elementos, mas são menos frequentes. Em American Horror Story, dá pra perceber isso. Em Ratched, onde a história se prende mais em um contexto “real”, ou seja, sem lidar diretamente com o metafísico, tal característica aflora.

Tem gente que gosta desse estilo, mas não é pra mim. Vocês conhecem a gíria “edgy”, importada do inglês? O termo é usado pra descrever quando alguém quer ser provocativo, ou impressionar, normalmente fazendo algo que foge um pouco do “padrão”. Sabe aquela pessoa debochada, que quer mostrar que é diferente a todo tempo? Isso se encaixa em “edgy”. A impressão que eu tenho de Ryan Murphy é essa, de que ele se esforça constantemente pra ser afrontoso. Por isso, ver personagens perdendo braços, pernas, tendo a garganta cortada ou coisas assim me deixam simplesmente… entediado.

Pra não dizer que esse texto é uma crítica apenas a Ryan Murphy, vamos voltar à série em si. Ratched tem um conceito interessante. Praticamente todos os personagens são detestáveis de alguma maneira – uns mais, outros menos. Cada um já foi responsável por pelo menos algo no mínimo questionável, o que retira um pouco da nossa empatia, dando lugar a um sentimento mais nebuloso, digamos assim. Eu tinha vontade de ver o que certas pessoas iriam fazer não porque gostava delas, mas sim porque estava curioso pelos próximos passos.

Trazendo de volta o tema de American Horror Story, a segunda temporada esteve centrada em um hospício, e foi possivelmente a melhor da série, junto com a primeira. Ainda que eu tenha minhas ressalvas com Ryan Murphy, as expectativas subiram porque o cenário de Ratched é mais ou menos parecido. Contudo, o nível de qualidade não se sustenta. O roteiro tem decisões esquisitas e os personagens mudam da água pro vinho de uma hora pra outra, quebrando qualquer possível complexidade que havia sido construída.

A cada episódio que passa, o enredo vai enfraquecendo até parecer meio perdido. Quando acaba o penúltimo capítulo, quase todas as pontas soltas são amarradas, o que me deixou pensando por que diabos ainda haveria um último episódio de quase uma hora. A primeira metade confirmou meus medos, até que a série ousou e fez algo de diferente, me deixando interessado. Porém, eis que surge um novo problema. Aparentemente, a produção teria mais de uma temporada. Já sabem onde eu quero chegar, né? Em vez de concluir a história, ela deixa um gancho gigantesco, transformando um desfecho decente em um encerramento frustrante.

Pelo menos alguém tem que ser bondoso nessa série

Veredito

Não há como negar que Ratched tem potencial, e é só dar uma olhada no elenco: Sarah Paulson, Vincent D’Onofrio, Sharon Stone e outros. A série, que se tornou uma minissérie tendo em vista que a primeira temporada saiu há três anos e não há nem sinal do desenvolvimento de uma sequência, apresenta uma história oscilante de personagens que mudam de personalidade conforme o roteiro necessita. O panorama geral é bem estabelecido, mas o texto peca nos detalhes e a trama avança em um ritmo empacado e disperso. Alguns assuntos são introduzidos, deixados de lado e subitamente trazidos de volta, e o final tinha tudo pra terminar em alta, mas consegue a proeza de se sabotar. Alguns acontecimentos são impactantes, mas infelizmente há uma considerável bagunça no ar. Nota final: 2,9/5.

Ross Geller adoraria conhecê-la

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco

Nota nº 5: sabia que eu agora tenho um canal no YouTube? Não? Então corre lá pra ver, uai: Pitacos do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • Juro que não entendi as mudanças súbitas na personalidade da Ratched. Em um momento, ela adotava uma postura homofóbica. Um episódio depois, ela estava se abrindo para a pobre Gwendolyn. Ela parecia se mostrar uma pessoa fria e calculista, que estava apenas pensando no próprio bem e do irmão. De repente, a enfermeira passou a se importar com os outros, como no momento em que libertou as lésbicas. Qual é a dela, afinal?
  • Eu morro de preguiça de quando um roteiro deixa de fazer algo concreto “pelo bem do enredo”. Sério, não consigo entender o Charles abordando o Hanover em um posto de gasolina, com várias testemunhas, e atirando no alvo a partir de uma distância considerável. Por que ele não seguiu o homem até um local mais isolado, talvez provocando um acidente automobilístico ou então pelo menos pegando o cara totalmente desprevenido, sem chances de se defender? Uma cena como a do Charles errando o tiro e o Hanover fugindo tem um impacto negativo muito grande em mim, e imediatamente me fez enxergar a série com outros olhos, escancarando o famoso “plot armor”. A partir dali, ficou óbvio que o Hanover estaria protegido pelo roteiro por vários episódios, até que fosse conveniente se livrar dele.
  • Por outro lado, pensei que o próprio Charles fosse durar mais. Sem dúvidas, foi uma das mortes mais grotescas. Imagina ferver o seu corpo a mais de 60ºC e ainda levar dois tiros nos olhos? Só de me queimar em uma panela quente eu já sinto uma dor considerável, não consigo nem mensurar. E que segurança bem preparado aquele, hein? Tinha um homem moribundo, desarmado, avançando a passos lentos em direção a uma criança, e a reação mais enérgica do guarda foi atirar. Não era mais fácil ter puxado o menino sonâmbulo dali e neutralizado o Charles sem necessidade de dano fatal? Mas beleza, né, fazer o quê. Também não é como se o Charles fosse sobreviver depois daquilo, então tanto faz.
  • Aquela sequência do teatro das marionetes, contando a história horrorosa da infância de Mildred e Edmund, foi um dos melhores momentos da temporada. Gostei da forma criativa com que resolveram abordar aquele assunto. É uma pena que tenham estragado um pouco do impacto quando, duas cenas depois, o roteiro fez a Mildred contar de novo a história pra Gwendolyn, deixando a experiência repetitiva. Não precisava daquela cena, era só deixar implícito que a Mildred contou tudo. Em vários momentos, infelizmente a série se sabotou, não dá pra entender.
  • Incrível como a Dolly era completamente alheia à realidade, né? A bichinha largou tudo por causa de um assassino confesso, achou que não iria dar em nada e ainda tentou acabar com um pelotão policial portando apenas uma espingarda. O destino dela não poderia ter sido outro.
  • Sim, eu sei que o governador não é exatamente uma pessoa boa, mas sinceramente? Pelo menos ele não fingia ser bonzinho. É muito mais perigoso alguém que é secretamente mal do que um cara que fala na lata e não faz questão de ter papas na língua.
  • Era óbvio que o Huck morreria em algum momento, ele era bom demais pra aquele mundo. Ainda assim, fiquei tristão quando foi baleado pela Charlotte 🙁
  • Ok, não vou chegar aqui e mentir dizendo que sabia que o Hanover morreria naquele ponto da história. Eu imaginava que ele em algum momento bateria as botas, mas não daquele jeito, no penúltimo episódio, pelas mãos da Charlotte. O mesmo vale pra Lenore, empalada pelo jardineiro sem nome. E, por falar nisso, achei foi pouco que a fortuna dela ficou pra macaquinha, em vez do filho.
  • Eu sei que eu não deveria gostar da Bucket, depois de tudo que ela fez (humilhação, tortura, etc.), mas não tem como não ficar fisgado pela sua inesperada amizade com a Mildred. Me pegou de surpresa, e, embora eu ache que ela se livrou fácil demais das coisas horríveis que fez no passado, gostei dela como personagem.
  • Ah nem, que preguiça. A história tava indo tão bem, aí de repente o Edmund consegue fugir e começa a matar enfermeiras com duas parceiras improváveis, Charlotte e Louise. É sério que achavam que haveria história suficiente pra uma segunda temporada, e que esse era um bom rumo pros acontecimentos?

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Betsy Bucket
Você, que assistiu à série, talvez se surpreenda com essa escolha. Mas, sinceramente, não consegui ter apego pela protagonista, simplesmente porque eu terminei a série sem saber quem ela era de verdade. Mildred era uma mulher insegura, misericordiosa, cruel, bondosa, esperta ou ingênua? Todas essas coisas juntas? Por outro lado, a enfermeira-chefe Betsy Bucket não vacilou desde o início, e até a sua mudança soou mais como evolução natural da personagem do que uma alteração sem sentido de caráter.

Minha Malvada Favorita

+ Melhor episódio: E06 (“Got No Strings”)
Ainda que tenha tomado uma decisão narrativa que não me agradou muito, e eu inclusive escrevi sobre isso nas Observações Spoilentas, foi o episódio com a maior carga de drama e criatividade, somando alguns pontos importantes nos meus critérios.

Mãe, posso dormir com você? Tô com medo das marionetes

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).