• Cegos pela areia
Perder a memória deve ser algo sinistro, né? Perder a memória e depois perceber que você está lutando contra algo que você mesmo ajudou a criar no passado deve ser mais sinistro ainda. Pois bem, este é o dilema de Jane Doe, a garota que foi encontrada dentro de uma mala no meio da Times Square com tatuagens pelo corpo inteiro. Isto deve ser quase tão difícil quanto esquecer aonde guardamos a chave do carro. A trajetória desta misteriosa mulher, que ganha a companhia dos agentes do FBI Kurt Weller, Edgar Reade, Tasha Zapata e Patterson (eu não lembro o sobrenome dela ou se Patterson é o sobrenome, mas isto não importa) para se reencontrar em sua nova vida, nos foi introduzida na primeira temporada de Blindspot, e na segunda as tramas iniciadas na estreia da série se desenvolvem e desembocam em novos caminhos.
Logo no primeiro episódio uma revelação imensa aparece no universo de Jane Doe e companhia. A season premiere bota as cartas na mesa logo de cara, mostrando que o que não vai faltar é intensidade. E realmente não falta. Não há nenhum capítulo que seja morno, todos possuem pontos de ação e reviravoltas, ainda que pequenas e insignificantes se levarmos em conta todo o cenário. Porém, isto é uma bênção e uma maldição. O fato é que a segunda temporada de Blindspot não causa tédio, definitivamente não, maaaas é tanta coisa frenética que o enredo muitas vezes não dá espaço para o desenvolvimento dos personagens, um elemento que fica pelas metades. Cada um possui um sub-arco próprio, e os que mais parecem ter potencial são os de Reade, com temas envolvendo traumas e vícios. Contudo, eles acabam não sendo tão interessantes quanto pareciam no início, muito por causa da fraca atuação de Rob Brown, o qual parece ter sempre a mesma cara apática. Eu curto pra caramba interpretações econômicas, mas ele não passa nenhum tipo de emoção. Sinceramente não sei se é exclusivamente culpa dele ou do roteiro mal escrito, só sei que fatos são fatos.
Já que estamos falando das atuações, elas nunca foram a característica mais positiva da série. Sullivan Stapleton até que cumpre bem o seu papel, passando bem para o telespectador a personalidade de Kurt. Jaimie Alexander (Jane) é bastante boa, mas nada que impressione demais. A única realmente acima de média entre os principais é Ashley Johnson, a responsável por dar vida à Patterson. O pior é Ukweli Roach, sem dúvidas. Seu personagem, o Dr. Borden, ganha mais destaque na temporada, fazendo com que o ator precisasse se expressar com mais energia, mas em nenhum momento ele transmite o que deveria, nem de longe. Por outro lado, as participações de alguns secundários são muito bem executadas, como as do hacker Rich Dotcom (o meu favorito) e do advogado Matthew Weitz, seguindo aquela linha de pessoas que amamos odiar.
Agora é a hora de falar dos novos rostinhos que chegam para abrilhantar o elenco desta série maravilhosa. Nas Kamal é uma funcionária ~pika grossa~ da NSA, a única instituição que tava faltando ser abordada em Blindspot. Já tivemos o FBI, obviamente, a CIA, que ganha mais importância, e agora é vez da outra Agência de Inteligência. Nas é uma personagem com uma premissa boa, mas que é inexplicavelmente submissa. Em toda cena ela faz questão de dizer que ela precisou lutar para chegar aonde chegou por ser uma mulher de origem paquistanesa e tudo mais, mas em praticamente nenhum momento ela mostra a que veio e faz algo que deixe a gente pensando “eita cuzão, essa mulher é zika”. Esta característica dela fica ainda mais evidente porque parece que ela tá com olhos lacrimejantes toda hora, o que não dá a sensação de poder que poderia ter existido.
As outras adições mais importantes são as de Shepherd e Roman, os antagonistas principais. Com origens recheadas de plot twist, os dois são os responsáveis por simbolizar toda a conspiração contra o governo estadunidense, apelidada carinhosamente de Sandstorm (“tempestade de areia”). Shepherd consegue exalar um certo poder, mas não é alguém que nos conquiste igual a diversos outros vilões espalhados por aí. Roman, por sua vez, começa intrigante, mas fica muito forçado e chatinho ao longo da temporada, melhorando somente na reta final. Outros personagens já introduzidos na trama retornam, como o divertido Rich e seu companheiro Boston, e na maioria das vezes eles cumprem bem os papeis designados a eles. O enredo peca um pouco na quantidade excessiva de episódios, o que deixa muitas vezes a história enrolada demais. Entretanto, temos uma maior dimensão do que tá rolando e apesar da conclusão de tudo demorar um pouco, a série não fica tentando trazendo novos elementos só pra estender tudo desnecessariamente.
A segunda temporada é melhor que a primeira? Difícil dizer. As duas estão mais ou menos no mesmo nível, mas esta sobre a qual estou escrevendo tem a vantagem de não cair o nível bruscamente em nenhum momento; a primeira começou clichê até demais e só foi melhorar depois. Além disso, a segunda tem o mérito de expor toda a conspiração ao invés de deixar isso pra depois. Em contrapartida, os personagens foram melhor trabalhados na temporada de estreia, época em que os diálogos também eram um pouquinho superiores. Blindspot também sofreu com a Síndrome da Conspiração, termo criado pela minha bela pessoa e que será explicado a seguir.
Toda série de conspiração segue a mesma linha. Primeiro, algo estranho e inusitado acontece, um ponto de partida para a história geral. Depois, os personagens principais vão atrás de respostas para explicar o acontecimento, normalmente encontrando reviravoltas durante esta jornada. Então, os grandes vilões são apresentados, frequentemente atrelados a alguma instituição contra os ideais dos personagens principais. Quase sempre, as instituições do mal acabam sendo um pouco decepcionantes. Por fim, os mocinhos e os vilões travam um embate em que o destino do país e do mundo entra em jogo. Pegue este resumo e aplique em séries como Prison Break, Orphan Black e Sense8: não é mais ou menos a mesma lógica? Sobre a questão que eu mencionei ali em negrito, vou falar mais sobre nas Observações Spoilentas, porque caso você seja particularmente reservado quando o assunto é spoilers, não quero estragar a graça. Considere como uma cortesia do melhor site do Brasil.
O saldo final desta sequência de Blindspot é bem positivo. No entanto, o que separa os homens dos meninos para que a série não caia na Síndrome da Conspiração é sempre a terceira temporada, sempre. No caso de Sense8, não teve como isso acontecer porque a Netflix cancelou antes, então nunca saberemos. Porém, tramas assim frequentemente dão sinais de perda de fôlego a partir do terceiro ano de existência. Será que Blindspot conseguirá passar ilesa por esse teste e, pensando mais na frente, se tornar a única série de conspirações que eu já assisti a não perder a qualidade de modo considerável? Essas respostas não estão exatamente nas Tatuagens da Jane, mas em breve estarão nos Pitacos do Leleco.
{Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: https://pitacosdoleleco.com.br/2017/07/11/glossario-do-leleco/}
{Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: https://pitacosdoleleco.com.br/2017/09/16/wiki-do-leleco/}
{Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota desta temporada, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: https://pitacosdoleleco.com.br/2017/09/16/gabarito-do-leleco/}
~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~
- Algo que eu gostei na segunda temporada e que foi um sopro de ar fresco perto de várias séries por aí: algumas tomadas de decisões que fugiram do clichê. Por exemplo, o relacionamento do Kurt com a Nas tava fadado ao fracasso e normalmente aquele tipo de ligação acaba tragicamente, mais especificamente em morte. Fiquei surpreso deles terem feito ela terminar com ele. Outro exemplo foi a própria Nas não ter morrido naquele incidente com os agentes do FBI, porque aquele teria sido o “sacrifício” perfeito da personagem. Em compensação, em alguns momentos o roteiro abandona a criatividade e bota a preguiça no primeiro plano, como na cena em que Kurt e Roman estão presos no fundo de um caminhão e CONVENIENTEMENTE acham um pedaço de metal largado por ali que os ajuda a escapar. A sensação é parecida com a que tive quando comprei um pote de sorvete e quando estava me deliciando, percebi que no fundo do pote eles colocaram salada de fruta, fazendo com que o doce tivesse algo muito bom misturado com uma coisa deslocada. Porra, que comparação horrível kkkkk
- Sobre todo o núcleo de Sandstorm e o tópico em negrito que mencionei lá em cima, vamo em frente. Toda a operação parece ser algo gigante, ainda mais pelo fato da Shepherd absurdamente ter TANTAS informações, mas por que toda vez eu tenho a impressão de que eles são um bando de escoteiros? Sério, todas aquelas fogueiras, toda vez que mostrava a base deles, em nenhum momento parecia que era algo ameaçador. E sobre o Roman, não curti muito o personagem, mas quando a Jane injetou aquela dose de Amnésia™ ele ficou muito mais interessante, principalmente em suas relações com a irmã e com Kurt. De verdade, as cenas deles juntos ficaram realmente muito boas.
- Já que eu mencionei cenas muito boas, que personagem maravilhoso é o Rich Dotcom, ou Gordon Enver. Ele é tão bom que eu fico com medo dele ser promovido a regular no elenco e perder um pouco a graça. É impressionante como em tão poucas aparições ele consegue ter nos apresentado partes tão marcantes quanto o Kurt como seu par em um evento e sua época religiosa após um período na cadeia. O Boston também é ótimo, a dupla perfeita pra ele.
- Ah, aquele Borden ficou sofrível depois que a gente descobriu sobre seu passado. A história é legal e a motivação dele se torna boa, mas o ator não foi feito pra aquele papel. Não fez nenhuma falta quando o ex-psicólogo se foi em chamas naquele chalé.
- Incrível como a Patterson sofre, né? O amor da vida dela morreu, o potencial namorado fazia parte de uma organização terrorista, ela lida com pressão todos os dias no trabalho, teve o tímpano furado, foi torturada, implantaram uma escuta no dente dela, ela teve crises intensas de enxaqueca e picos de estresse… é de fato a que mais evoluiu na segunda temporada. Na primeira, a minha favorita foi a Jane, mas dei o prêmio de Melhor Personagem para a Patterson. Na segunda, o meu favorito foi o Rich, mas dei o prêmio de Melhor Personagem para a Patterson. Curioso.
- Ah, a Jane ficou um pouco chatinha nessa temporada. Toda a cegueira dela com o irmão ficou muito irritante às vezes.
- Legal o retorno e a participação do Cade, não tava esperando que ele fosse o informante da Nas.
- O Oliver Kind (boy da Jane) é o Jordan Chase de Dexter? E como estamos falando dele, muito bom aquele episódio em que ele é sequestrado junto com a Jane por causa de seu pai. Inesperado e surpreendente.
- Outro episódio interessante: aquele em que duas irmãs hackers elaboram testes para repassar todo o conhecimento que elas tinham e que foi conseguido através da dark web. Gostei bastante.
- Sobre o Reade: pensei que todo aquele arco envolvendo os abusos sexuais pelos quais ele passou fosse ser muito mais interessante e bem trabalhado. Infelizmente, a personagem de Zapata também foi sacrificada no processo. Quando o agente começou a se envolver com drogas, aí é que desanimei. Morro de preguiça de tramas envolvendo esta temática, a não ser que seja algo brilhante como Breaking Bad. Ainda assim, eu não curtia nem um pouco as cenas com os devaneios do Jesse, me causava desinteresse.
- Aquela cena do Despertar no culto do Dédalo no episódio 14, quando o Kurt fala “é melhor que isto não seja algo sexual”, me lembrou O Código Da Vinci. Provavelmente foi feito com este intuito, né.
- Tenso o Roman ter matado a mãe da Taylor Shaw :/
- Engraçado que Blindspot nos mostra desde o começo um FBI que parece ter falta de recursos de campo, com uma equipe de somente cinco pessoas pra cobrir toda uma conspiração que ameaça toda a nação. Além disso, se o Sandstorm não tivesse feito as tatuagens, eles nunca teriam descoberto os atentados. Ou seja, por um lado eles ajudaram, não?
- Por que toda série fica nesse negócio de “ah, todo mundo vai morrer” e no final só os secundários morrem? Imagina que louco se geral tivesse morrido naquela explosão que matou os agentes do FBI.
- A revelação de que o Kurt vai ser pai foi tão sem impacto, parecia que a mulher lá que eu nem lembrava quem era direito (meu irmão me falou que ela se parece com a Clara de Doctor Who) falou simplesmente que iria comer pamonha ou algo do tipo.
- A maneira como a câmera se move e fica dando deliberados zooms quando a galera tá no prédio do FBI é TÃO Blindspot, não acham?
- Gostei da maneira como desenrolaram o interesse de Shepherd pelo Kurt na Fase Dois, fazendo ele ser um dos “herdeiros” do governo que estava prestes a ser destruído. Mesmo assim, o modo como ele e aquele agente da CIA conseguiram vazar do bunker foi meio fácil demais.
- Muito boa a aparição da Ronda Rousey como a namorada de um dos generais do Sandstorm, fiquei surpreso.
- R.I.P. aquele carinha diretorzão do FBI que morreu patrioticamente no penúltimo episódio. Agora tô desconfiado de sua substituta, ela parece legal até demais com aquele sotaque sulista. Sim, eu tô péssimo pra decorar os nomes atualmente.
- Sobre a cena em que o Kurt se declara pra Jane depois de salvar a pátria: meio brega, cara. E odeio o fato de todo mundo ter que dizer “eu te amo” pra provar que ama a pessoa em séries e filmes. Porra, tava claro que ele nutria esse sentimento por ela, teria sido muito mais original só falar “não me abandone”, mas nãããão, ele tinha que passar pelo clichê.
- TATUAGENS BRILHANTES??? O QUE TÁ ACONTECENDO??? JANE E WELLER CASARAM??? O QUE ELA TAVA FAZENDO ESCALANDO MONTANHAS DOIS ANOS DEPOIS??? CADÊ TODO MUNDO???
~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~
+ Melhor personagem: Patterson
Além de ser a personagem mais interessante, a atriz que a interpreta, Ashley Johnson, é de longe a mais talentosa.
+ Melhor episódio: S02E21 (“Mom”)
Capítulo tenso e frenético. Tudo que Blindspot tem de melhor.
+ Maior decepção: Edgar Reade
Apático, as melhores subtramas poderiam ter sido as dele. Acabaram sendo as mais sem graça.
Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?