Nacionais, Quadros

LelecoNacionais #01 – Bacurau (2019)

• Caça aos gringos

Eu não deveria ter demorado tanto a assistir este filme. Ser cinéfilo e não apoiar o cinema nacional é tipo adorar gastronomia, mas se recusar a comer uma fruta típica do nosso próprio país. A verdade é que eu nunca tive preconceito com os filmes produzidos por aqui, mas como eles possuem pouco espaço frente às grandes produções hollywoodianas, acabo esquecendo de ir atrás. E isso acontece não só com longas daqui, mas de outras nações também. Fui assistir Bacurau em um cinema que não era de shopping. Paguei mais barato e de certa forma tentei incentivar a produção cultural aqui na minha cidade, os deuses sabem que é necessário. Sei que não é muito e que eu preciso conferir mais obras brasileiras, e é por isso que dou aqui o pontapé inicial de uma nova série de postagens.

 

Sinopse

Eu não sou a primeira pessoa a dizer que é um pouco complicado escrever uma sinopse deste filme em específico. Mas acho que dá pra fazer. Bom, a história gira em torno de uma pequena cidade fictícia no Nordeste brasileiro, em um futuro distópico. Com o nome de Bacurau, o vilarejo é totalmente deixado de lado pelos governantes e pela própria população, com exceção dos próprios moradores daquele local. A vida é simples, mas não se pode dizer que os habitantes não são unidos e de certa forma felizes. A vida era tranquila, até que uma série de assassinatos começa a acontecer nas redondezas, obrigando o lugar a se unir ainda mais para combater uma ameaça que vem direto dos Estados Unidos.

Eu passei o filme inteiro pensando que ele era o coach de Sim, Senhor!

Crítica

A primeira coisa que impressiona em Bacurau é o quão orgânica a cidadezinha é. Como eu não sabia nada sobre a premissa do filme, pensei que às vezes o vilarejo existia na vida real, até que aos poucos foi ficando claro que não era o caso. Ainda assim, é um cenário muito próximo do que a gente conhece do nosso país, desde as locações às personalidades das pessoas. A direção compartilhada de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles se demora no desenvolvimento de Bacurau, pra fazer a gente mergulhar de cabeça naquele universo. O filme se estende tanto nessa construção que eu cheguei ao ponto de me perguntar qual era o objetivo final. E não falo isso como um defeito, tudo aquilo ajudou a me deixar cada vez mais curioso.
No momento em que o longa termina de dar as cartas e expõe o conflito, tudo se acelera, parece que do nada o roteiro engata a quarta marcha. Por um lado, isso é bom porque uma ação bem feita tem sempre o seu espaço, mas ela acaba abrindo brecha para algumas pequenas falhas. Os personagens passam a ser meros instrumentos do filme, como se não importassem suas identidades, somente suas funções. Teresa, que parecia ser a protagonista, é totalmente esquecida em virtude dos antagonistas. Acredito que a ideia era transformar Bacurau em si numa cidade viva. No final das contas, ela é quem é a protagonista. Porém, senti falta de uma maior exploração das outras figuras, me deu a impressão de que eu havia perdido um pouco de tempo tentando conhecê-las melhor. A motivação dos vilões também me soou um pouco confusa, gostaria que tivesse ficado mais clara.

Sunday Bloody Sunday

Veredito

Bacurau é um filmão. Ele mistura elementos distópicos com uma originalidade brasileira e uma trama esperta e metafórica. As atuações chamam a atenção, mas o grande destaque é a construção das locações, perfeitas em suas propostas. O filme dosa bem os seus ritmos, ainda que abra mão de seus personagens na reta final em virtude da ação. Ele quer provar um ponto, e faz isso com competência. Não é uma obra feita para gringos, é uma obra feita para nós – o motivo principal pelo qual acredito que não conseguiria muito êxito no Oscar, por exemplo. O que Bingo: O Rei das Manhãs fez ao retratar a televisão e a produção cultural brasileira se assemelha ao que Bacurau fez ao ilustrar uma realidade dura e um futuro amargo no Nordeste, o berço mais rico e charmoso do país.

Jethro Tull – AquaLunga

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO O FILME. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • A Teresa serviu somente pra servir como ponto de ligação entre o mundo fora de Bacurau e o panorama lá dentro? Jurei que ela seria essencial no decorrer da trama, confesso que me decepcionei um pouco por não ter sido tão bem aproveitada.
  • Matar pessoas tudo bem, agora assassinar um cachorro a sangue-frio deveria render um inferno automático. Só por causa disso, o vilãozão mereceu ser enterrado atrás das grades (embora tenha me dado uma agonia gigante).
  • Aqueles dois TRAIDORES DA PÁTRIA que foram mortos pouco depois de dizer que eram fisicamente como os europeus foi um tapa na cara. Eu não entendo por que a galera tem tanta fixação por se parecer com a galera dos EUA ou da Europa. Aqui é Brasil, meu parceiro.
  • Eu juro que não tinha sacado que aquilo tudo era um jogo. Claro que eu vi eles falando das pontuações, mas julguei que era somente uma forma de catalogar quem receberia mais dinheiro. Eu tava pensando que era uma conspiração muito maior, tipo estrangeiros se apossando de nossas terras.
  • O Pacote era matador mesmo, né? Só pra não ficar nenhuma dúvida. E o Lunga é presença demais, o cara é um carniceiro mais pika que muito hollywoodiano por aí.
  • Domingas começou o filme reclamando no velório de uma amiga e terminou servindo comida pro inimigo e com o jaleco cheio de sangue. Isso é o que eu chamo de evolução.
  • O que rolou com aquela prostituta que tinha ido embora com o político safado? Eu não lembro se ela é apresentada novamente. E aliás, nada melhor do que ter visto aquele engomadinho se foder. O que será que rolou com ele depois de ter saído como um demônio de Bacurau?
  • “A gente tá sob efeito de um forte psicotrópico, e você vai morrer”. A frase já nasceu icônica.
  • Sei que é errado, mas foi satisfatório ver cada um dos “jogadores” morrer de forma horrível. Mano, eles estavam dispostos a dizimar crianças. Uma delas, inclusive, foi vítima da incursão. Minha única ressalva foi quanto ao grandalhão e a mulher que transou com o outro na grama, eles poderiam ter partido com mais violência. Isso faz de mim um psicopata?

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Pacote
O ator Thomas Aquino é introduzido no filme na pele de um personagem secundário, mas vai ganhando importância e agarra a oportunidade de liderar a história no papel de “ponte” entre os núcleos principais. Minhas menções honrosas ficam pra Lunga (Silvero Pereira), uma espécie de justiceiro implacável e misterioso, e Domingas (Sônia Braga), uma mulher de personalidade forte e convicções idem.

Fico imaginando o nome traduzido pro inglês: Mr. Package

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou do filme. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).