• Boas intenções

Normalmente, quando eu vou escrever sobre alguma adaptação, eu tento desconsiderar a obra original pra focar apenas na produção em si. Às vezes é difícil, só que é mais justo do que eu ficar fazendo comparações a todo momento. Contudo, terei de quebrar essa regra com Percy Jackson e os Olimpianos. Vejam bem, O Ladrão de Raios é provavelmente o livro mais importante da minha vida. Nossa, mas por quê? Simplesmente porque despertou a minha paixão pela leitura, lá pros meus 12 anos de idade. Depois daquilo, a minha adolescência mudou da água pro vinho. A minha personalidade se alterou. Eu participei de convenções de Percy Jackson, li todos os livros umas dez vezes (sem exageros) e até ganhei um concurso de cosplay por ter me fantasiado de Nico di Angelo. Por isso, não tem como eu focar somente na série como série, mas tentarei ser o mais justo possível.

Sinopse

Percy Jackson é um garoto encrenqueiro. A sua vida escolar é marcada por confusões e expulsões. Porém, quando os problemas são elevados à máxima potência, o jovem percebe que a sua vida está em perigo e que o seu pai é algum deus grego da mitologia, por mais maluco que isso possa parecer. Com isso, Percy passa a receber treinamentos em um lugar especial, até que surge uma missão para evitar uma guerra que colocaria o mundo em risco – e isso tem muito mais a ver com Percy do que ele gostaria.

Crítica

As minhas expectativas estavam altíssimas, não há por que negar. Uma adaptação da minha saga favorita, com participação direta do autor Rick Riordan, um elenco principal com a idade certa e a promessa de uma representação bem mais fiel aos livros? Pelo amor de Zeus! Era óbvio que eu estaria dentro. Fiquei acompanhando páginas de notícias sobre a série por meses, me acostumando com a personalidade de cada ator e vendo todas as novidades que surgiam com o tempo. Eu não vou ser hipócrita e dizer que eu odeio o filme de 2010, estrelado por Logan Lerman. Na verdade, é divertido pra caramba, mas um total insulto à trama original. Essa era a chance de reescrever a história.

Vi alguns minutos dos primeiros episódios na Comic-Con do ano passado, em São Paulo, e as minhas expectativas aumentaram ainda mais. Quando assisti aos dois primeiros capítulos, assim que saíram, as minhas impressões foram muito boas. Os personagens tinham carisma, os efeitos visuais estavam muito bons, as coreografias de luta eram convincentes e a construção de mundo, especialmente do Acampamento Meio-Sangue, me deixaram genuinamente feliz. Eu conseguia enxergar certos defeitos, mas eles eram pequenos perto dos méritos. Até que começaram a aparecer com mais frequência.

Eu não sou besta, eu sei que Percy Jackson e os Olimpianos é uma adaptação. E, por ser uma adaptação, ela tem a liberdade de tomar caminhos diferentes da obra original, ainda que as estradas levem a um mesmo destino. Porém, é preciso ter uma justificativa para as mudanças. Alterar o rumo de alguns acontecimentos só por mudar tende a ser uma receita perigosa. E é isso que a série começou a fazer. Algumas escolhas criativas podem parecer detalhes simples, mas fazem toda a diferença em um conjunto. Eu, como fã incondicional dos livros, comecei a ficar irritado com algumas divergências.

Como eu citei na introdução, eu não posso julgar a série apenas com o olhar de um leitor apaixonado. Portanto, vou trazer à tona a opinião de algumas pessoas que viram junto comigo e que nunca sequer tocaram nos livros. Todas elas compartilharam da mesma visão: a série estava ficando entediante, previsível e, às vezes, com erros significativos de continuidade. O triste é que todos esses defeitos surgiram a partir de diferenciações da série para com o livro. Nem toda mudança narrativa é prejudicial. Depois de pensar um pouco, eu gostei da dinâmica da Medusa, que é bem diferente de O Ladrão de Raios. No entanto, a maioria das alterações tornou o produto pior.

Um outro aspecto incômodo é a necessidade de Percy Jackson e os Olimpianos conversar com apenas um tipo de público. Não há como não citar a saga Harry Potter. Em A Pedra Filosofal, o protagonista tinha 11 anos de idade. Naturalmente, os dois primeiros livros (e filmes) são um pouco mais infantis, mas nem por isso deixam de funcionar para outras pessoas. Meus pais sempre gostaram da franquia cinematográfica. Com Percy Jackson, eu duvido que eles teriam interesse de assistir. Isso porque a série da Disney+ é infantil até demais, e de forma desnecessária. É totalmente possível você ter uma produção de enfoque infanto-juvenil, com personagens pré-adolescentes, que conversa com todas as idades.

O pior de tudo é que dá pra perceber que as intenções por trás do projeto são boas. Há uma paixão clara pelo universo de Percy Jackson, e uma vontade de agradar os fãs. Eu não tiro isso de ninguém. Em A Jornada do Herói: Nos Bastidores de Percy Jackson e os Olimpianos, um documentário de 50 minutos que mostra a idealização e execução da série, dá pra perceber que tá todo mundo ali dando o melhor de si. A personalidade dos atores principais – Walker Scobell (Percy), Leah Java Jeffries (Annabeth) e Aryan Simhadri (Grover) – combina perfeitamente com os seus personagens. Então, como é que tudo deu errado?

Uma palavra simples define todas as falhas da primeira temporada de Percy Jackson e os Olimpianos: roteiro. O problema não tá na escalação do elenco, na maquiagem, nos efeitos visuais ou no figurino. A questão é que o texto simplesmente não se sustenta, com diálogos que chegam a ser bobos e liberdades criativas absolutamente arbitrárias. Até o senso de humor tão presente nos livros não é traduzido da melhor forma pra tela. No final das contas, a série não me fez desistir de ver uma eventual segunda temporada, mas eu com certeza estarei com as expectativas bem mais baixas.

Veredito

Para um público-alvo específico, Percy Jackson e os Olimpianos provavelmente deve funcionar à beça. Contudo, pra uma série que tinha o propósito de ser uma representação fiel dos livros, ela falhou em trazer a alma da saga. Os elementos pra fazer tudo funcionar estão ali: um elenco comprometido com a tarefa e um claro respeito pela obra original nos bastidores. Infelizmente, o roteiro é frágil e se desencontra frequentemente, entregando uma história pouco empolgante e sem o carisma tão característico do universo de Rick Riordan. Não é um desastre em termos de projeção, até porque, como eu falei, os bons elementos estão presentes e têm perspectivas reais de vingar. Ainda assim, é um início bem aquém do que se esperava de uma franquia com tanto potencial.

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco

Nota nº 5: sabia que eu agora tenho um canal no YouTube? Não? Então corre lá pra ver, uai: Pitacos do Leleco

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

• Uma coisa que eu não entendi foram os nomes dos episódios. Foram apenas fan service? Porque seria legal se eles de fato representassem os eventos principais dos capítulos. No primeiro, nem mostra direito o Percy vaporizando a professora de álgebra dele, a Sra. Dodds. No sexto, nem sequer aparece uma zebra. Pra mim, às vezes é melhor não ter um fan service do que ter um fan service vazio.
• Acho que um dos problemas da série foi fazer o trio principal ser tão “inteligente”. Não que eles sejam burros nos livros, pelo amor dos deuses, mas o fato de eles saberem a identidade dos monstros antes de começarem as lutas quebra toda a sensação de perigo. Com a Medusa, eu até consigo deixar isso passar, porque a Annabeth conhecê-la faz muito sentido, considerando a história com Atena e tudo mais. No entanto, por que diabos o Percy conheceria o Procrusto? E toda aquela sequência foi muito anticlimática, assim como a maioria das batalhas com os monstros. Eu nenhum momento, eu tinha a sensação de que algo daria errado.
• Outra coisa que não fizeram muito bem na série foi sustentar a personalidade dos personagens. Em alguns momentos, o Percy parecia muito centrado, sendo que essa era a qualidade da Annabeth. Em poucas cenas, vimos aquela lerdeza marcante do Percy. E, na maioria das vezes que tentavam colocar algum alívio cômico, ficava mais vergonha alheia do que qualquer outra coisa, como aquela musiquinha do Grover.
• Alguns problemas de continuidade: 1 – Quando o trio sai do Cassino Lótus (que não pareceu ser um lugar tão divertido quanto deveria ser), eles estacionam em uma praia, onde Percy conversa com aquele espírito da água. O episódio acaba daquela forma. No capítulo seguinte, ele já tá na loja do Procrusto, sem mais nem menos. Como é que eles chegaram lá exatamente? 2 – Por que o Grover tirou a conclusão de que a Clarisse tinha roubado o raio depois de uma conversa totalmente vaga com o Ares, em que eu não senti que ele tinha entregado algo importante? Eu sinceramente não entendi. 3 – Esse eu não tenho certeza se mostrou e eu não prestei atenção, mas por que motivo o Percy deu os tênis alados pro Grover? Nos livros, isso é explorado, mas não lembro da série ter mostrado isso direito.
• Sobre a Sally Jackson: é uma pena o que fizeram com o arco da personagem. O sentido de ela aparentar ser uma mulher mais frágil, principalmente diante do Gabe, era mostrar a volta por cima e a força que ela precisou mostrar para se livrar das garras do marido e encontrar um rumo próprio na vida. A Sally da série não me deu essa vibe, pois já pareceu uma pessoa determinada e impositiva desde o primeiro momento. Ainda assim, eu gostei da interpretação da atriz.
• Esse tópico é exclusivo pra quem leu os livros. Portanto, se você não quiser saber nada deles, pule pro próximo. Pois então, não entendi por que fizeram o solstício acabar antes da missão dos heróis, e por que o Poseidon precisou se render a Zeus. Qual foi o sentido daquilo, só mostrar que Zeus é orgulhoso? Não deu pra entender. E por que a Annabeth ficou pra trás no Campo dos Asfódelos, com aquela história de arrependimentos? Só pra dar mais drama? E outra, por que simplesmente não fizeram o Percy receber três pérolas, em vez de quatro e o Grover perder uma? Eu poderia continuar o dia inteiro, mas deu pra entender meu ponto, né. Algumas mudanças não serviram a propósito algum.
• Um outro elemento que eu não curti foi a série mostrando os deuses se importando demais com os filhos, como o Hermes com o Luke e o Poseidon com o Percy. Todo o sentido da rebelião do Luke é porque os deuses não se importam muito com os filhos, e por isso tantos semideuses são seduzidos pela ideia de derrubar o Olimpo. Além disso, dá muito mais camadas aos deuses eles serem meio cuzões, em vez de pais esforçados que só não fazem mais por não poderem interferir.
• Pra encerrar os pontos negativos, achei a evolução da amizade entre Percy, Grover e Annabeth muito rápida. Tanto o Percy quanto a Annabeth já tinham uma relação mais antiga com o Grover, mas a interação entre Percy e Annabeth cresceu muito rápido. Na metade da temporada, ela já tava abraçando o Percy como se fossem melhores amigos. Não combinou muito com a personalidade contida e reservada da filha de Atena.
• Ok, agora vamos falar de coisa boa. Gostei muito do Ares, e achei legal a parte do Túnel do Amor e a aparição do Hefesto, embora tenha sentido falta das aranhas do livro. A sequência da luta contra Equidna e Quimera também foi massa, mesmo com as pequenas mudanças. O desenvolvimento da Medusa talvez tenha sido a melhor alteração em relação ao livro, ainda que ela não tenha parecido tão ameaçadora no combate em si. Também achei muito criativa a maneira como a Annabeth colocou o boné na Medusa pro Percy cortar a cabeça dela.
• Não sei bem se gostei do Hades meio piadista, mas não foi uma mudança que me incomodou tanto assim. Só gostaria que ele fosse mais rancoroso e sombrio, até por ser o Rei dos Mortos. Ficou parecendo mais com o Hades do filme. O Zeus, por sua vez, ficou muito bom. Que Lance Reddick descanse em paz.

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

+ Melhor personagem: Annabeth Chase
Eu acho que nenhum dos três personagens principais foi bom do começo ao fim; todos deram umas escorregadas. O Percy teve um início promissor, mas perdeu carisma. O Grover teve alguns momentos de pico, mas também não se sustentou. A Annabeth foi a mais próxima de conseguir se manter estável desde a sua primeira aparição, e por isso é a minha escolha de hoje. Devo dizer que o meu personagem favorito foi o Ares, mas ele apareceu muito pouco pra ganhar esse prêmio aqui.

+ Melhor episódio: S01E02 (“I Become Supreme Lord of The Bathroom”)
Eu não sou fã dos minutos finais desse episódio, mas foi o mais próximo de representar de forma digna as páginas dos livros, ao mesmo tempo em que desenvolvia algo próprio. Também destaco o primeiro e o quinto episódios.

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?