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AnáliseRicardo #31 – Conclave é belíssimo, mas vai além da estética

conclave ricardo

• Segredos do papado

Edward Berger, o diretor do incrível Nada de Novo no Front, voltou neste ano com uma nova produção. Mas será que Conclave consegue manter o mesmo nível do seu filme anterior?

Se você ainda não me conhece, meu nome é Ricardo Gomes. Sou jornalista e um curioso de carteirinha sobre cinema, e no meu canal a gente destrincha filmes de um jeito que faz você enxergar o cinema com outros olhos.

Conclave aborda um tema que eu, particularmente, adoro: o debate sobre religião e as perspectivas de mundo de quem vive imerso nesse universo. O que mais me deixou empolgado foi saber que Edward Berger é um diretor que não tem medo de propor reflexões profundas nos seus filmes. E em Conclave, ele tinha em mãos um terreno fértil: personagens complexos, uma história instigante e um cenário único.

No filme, acompanhamos um dos eventos mais secretos do mundo: a escolha de um novo Papa. Lawrence, nosso protagonista, é encarregado de liderar esse processo confidencial logo após a morte inesperada do pontífice.

Sem entender muito bem o porquê, Lawrence descobre que foi escolhido pessoalmente pelo próprio Papa em uma de suas últimas ordens antes de falecer. Isso o coloca no centro de um cenário tenso, onde líderes poderosos da Igreja Católica, vindos de todos os cantos do mundo, se reúnem no Vaticano para deliberar suas opções. E, como não poderia deixar de ser, cada um deles tem seus próprios interesses.

No entanto, as coisas se complicam ainda mais quando Lawrence se vê no meio de uma conspiração e descobre um segredo devastador sobre o falecido Papa, algo que tem o poder de abalar os alicerces da Igreja. O que está em jogo aqui não é apenas a fé dos envolvidos, mas a própria estabilidade da instituição, enquanto reviravoltas tomam conta dessa assembleia sigilosa.

Já começo destacando a direção de arte, porque é impossível não perceber o capricho nos detalhes do ambiente. As roupas, os acessórios, as incríveis pinturas da Capela Sistina… Tudo isso contribui para a nossa imersão naquele universo. A direção de arte, assinada por Roberta Federico, e o design de produção, de Suzie Davies, não apenas constroem um cenário verossímil, mas também servem como elementos narrativos que enriquecem a trama.

E falando da parte estética, a fotografia de Stéphane Fontaine é outro destaque. Ela explora os espaços do Vaticano de uma maneira magistral. O uso das câmeras para captar tanto os olhares dos religiosos quanto os detalhes do ambiente é incrível. A fotografia consegue transmitir a grandiosidade e o peso histórico do local, ao mesmo tempo em que coloca em evidência a tensão entre os personagens.

Um detalhe interessante é como as pinturas de Michelangelo na Capela Sistina são utilizadas. Elas não estão ali apenas como cenário, mas como uma metáfora visual para os dilemas enfrentados pelos personagens. Essa conexão é possível graças ao roteiro bem construído de Peter Straughan, que sabe como trabalhar com subtexto e simbolismo.

Talvez o ponto mais forte do roteiro seja a forma como ele aborda a “guerra santa” entre os candidatos ao papado. Cada um deles tem sua própria estratégia, e ver esses conflitos sob o olhar de Lawrence torna tudo ainda mais interessante. Afinal, nosso protagonista é alguém que já não queria mais fazer parte da Igreja Católica, mas agora está no centro do processo mais importante dela.

E é aqui que os elementos técnicos se conectam perfeitamente. A fotografia, por exemplo, usa enquadramentos fechados para transmitir a sensação de enclausuramento de Lawrence. As sombras, as janelas fechadas, e até mesmo os jogos de luz ajudam a construir essa atmosfera sufocante para o personagem que não terá contato com o mundo exterior durante aquele período.

O design de produção e a direção de arte também contribuem para isso. Os trajes e acessórios dos cardeais não são apenas adereços; eles se tornam símbolos do peso que Lawrence sente em estar ali. O Vaticano, com toda a sua pompa, parece se transformar em uma prisão para ele.

Apesar de todos esses aspectos técnicos brilharem, dois elementos roubam a cena: a direção de Edward Berger e a atuação de Ralph Fiennes.

Ralph Fiennes e Stanley Tucci

Berger sabe exatamente como transmitir a complexidade da situação. Ele utiliza planos longos e silenciosos para enfatizar a tensão, mas também sabe acelerar o ritmo quando os segredos começam a ser revelados. Isso mantém o espectador constantemente intrigado.

E quanto a Ralph Fiennes, ele é simplesmente espetacular. Em cada cena, conseguimos perceber a relutância de Lawrence em desempenhar sua tarefa. Seja pelo olhar cansado, pela postura ou pelo tom de voz, Fiennes transmite perfeitamente a exaustão emocional do personagem.

Um momento que exemplifica isso é a cena em que Lawrence rompe o isolamento do quarto do Papa morto. Ali, vemos um homem completamente perdido, alguém que está tentando encontrar uma saída para os problemas que parecem não ter solução.

Conforme a narrativa revela que muitas das questões atuais foram arquitetadas pelo falecido pontífice, fica claro que Lawrence está lidando com algo muito maior do que ele mesmo. E é nesse ponto que Fiennes brilha e Berger crava o argumento do filme: Conclave não é sobre fé, mas sobre as pessoas que estão à frente desse meio.

Acompanhamos Lawrence porque ele é o reflexo perfeito de alguém que perdeu a vontade de fazer parte de uma instituição que, em vez de promover a fé, parece ser consumida por disputas de poder.

E isso nos leva diretamente à cena final, onde após todo o caos e os desdobramentos desse conclave, Lawrence consegue olhar pra fora e perceber que finalmente pode se afastar daqueles caras que quase acabaram com a sanidade dele só pela busca do poder de ser um papa.

Perceba que na cena temos a fotografia brincando, a luz retornando, as roupas pesadas daquele momento não estando mais sob Lawrence, assim como a sutileza do roteiro e da direção guiando uma atuação incrível de Fiennes.

Conclave é um filme visualmente belíssimo, mas vai além da estética. Com a direção precisa de Edward Berger, um roteiro cheio de nuances e uma atuação brilhante de Ralph Fiennes, o longa mostra como a luta pelo poder pode destruir a essência de uma instituição, afastando aqueles que um dia acreditaram nela.

 

Ricardo Gomes
O Sharkboy que se formou em Jornalismo e ama o cinema

 

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Este texto faz parte de um quadro de colaborações com outros redatores. O artigo não foi escrito pelo maravilhoso Luiz Felipe Mendes, dono do blog, e não necessariamente está alinhado às ideias dele.

Publicado por Ricardo Gomes

O cara que mais perde tempo assistindo TV e escrevendo sobre, segundo Michelle (minha gata).