Filmes, Terror, Terror do Leleco

TerrordoLeleco #03 – Uma Noite de Crime (2013 a 2021)

• Um dia normal na América

Antes de seguir em frente com o texto, uma pequena observação: aqui no quadro Terror do Leleco, pra quem já leu as outras postagens, eu costumava escrever sobre sagas de terror em um formato diferente, mais semelhante a um artigo do que a uma crítica. Porém, atualmente eu não tenho paciência pra escrever daquele jeito, então vou seguir no modelo mais tradicional, igual ao que costumo fazer no quadro Franquias. Sim, eu poderia colocar este texto em Franquias em vez da seção de Terror do Leleco, mas acho legal fazer essa separação do gênero. Ok, sem mais delongas, vamos que vamos.

 

Uma Noite de Crime (2013) – A ilusão da segurança

Já perdi as contas de quantas vezes eu assisti Uma Noite de Crime. Por algum motivo, é o filme que eu mais assisti com minha namorada até hoje: três vezes. Antes disso, eu provavelmente já tinha visto pelo menos umas duas. Ele com certeza entraria na minha lista de favoritos durante a adolescência, mas devo dizer que, vendo novamente, não é tão bom quanto eu me lembrava.

Eu sempre fui muito fã do conceito de Uma Noite de Crime. A ideia de um país inteiro liberar qualquer tipo de crime durante uma madrugada inteira me fascina até hoje, principalmente porque, embora seja um absurdo imaginar um cenário com essa lei, será que tá tão distante assim da nossa realidade? As melhores distopias são aquelas que parecem malucas demais pra ser críveis, mas que lá no fundo não dá pra duvidar 100% de que aquilo seria possível, ainda mais em um lugar como os EUA.

Esse conceito é tão bom que mascara vários aspectos negativos da trama. Os principais deles têm a ver com os personagens. Cara, os arcos de Zoey e Charlie são muito chatos e genéricos. Uma é a adolescente revoltada com os pais por um suposto excesso de proteção, enquanto o outro é a criança excêntrica com traços de genialidade criativa. As histórias deles estão ali só pra encher linguiça e não servem a nenhum propósito real.

O “romance” de Zoey, por exemplo, é descartado com uns 20 minutos de filme – e uma coisa que eu não entendi é quantos anos a garota tinha pro pai considerar que um menino de 18 anos seria muito velho pra ela. Zoey não tinha menos de 16 anos nunca, a não ser que o roteiro desejasse provar o ponto de que o pai era excessivamente protetor. E por falar nos pais, James e Mary Sandin são melhores personagens do que os filhos, mas grande parte disso tem mais relação com a qualidade dos atores Ethan Hawke e Lena Headey do que por méritos do próprio filme.

Os vilões de Uma Noite de Crime, personificados por aqueles jovens de máscara, têm uma aparência icônica e uma presença instantaneamente poderosa. Mas vou pedir a sua licença pra ser um pouquinho chato agora: lá no fundo, eles são meio bobos. Parece que tá todo mundo fazendo muita força pra ser assustador, mas não de um jeito natural. É como se fossem personagens de anime ou de quadrinhos, mas nesse formato aqui parece que algo não se encaixou. Pelo lado positivo, é recompensador quando eles começam a se dar mal.

Uma Noite de Crime tem uma ideia tão boa que faz o filme parecer melhor do que realmente é. Na superfície, a premissa e as sequências de ação chamam a atenção de maneira positiva, até pelo baixo orçamento, e o roteiro é muito competente ao construir um cenário distópico sem precisar se distanciar demais da realidade. Mas, quando ignoramos essa primeira camada e a analisamos o filme a fundo, é possível perceber que tudo é bastante simplista e até um pouco básico demais.

Cersei, quem é esse aí do seu lado? Espero que não seja algum outro irmão

Uma Noite de Crime: Anarquia (2014) – Perigo nas ruas

Depois de investir em uma trama contida dentro de uma única casa, Uma Noite de Crime: Anarquia vai além. Desta vez, os personagens estão expostos aos perigos das ruas, com gente de todos os tipos em busca de sangue. Não temos nenhum ator de grande calibre aqui, como Ethan Hawke e Lena Headey, então o filme acaba sofrendo uma leve queda no nível de interpretações em relação a seu antecessor. Mas, sinceramente, isso não faz tanta falta assim.

Anarquia é bem mais empolgante do que o primeiro longa da franquia. Embora se passe no mesmo universo, algum tempo depois, a proposta é totalmente diferente. O filme anterior era mais claustrofóbico e calcado na sobrevivência a todo custo dentro de um lugar que deveria ser seguro. Nesta história, a necessidade de sobrevivência é potencializada por um esquema de “gato e rato” e pelo objetivo do personagem interpretado por Frank Grillo: vingança contra o responsável pela morte de seu filho.

Esse personagem, inclusive, é disparadamente o melhor de toda a franquia até aqui. Não sei vocês, mas eu adoro um cara fodão (ou uma mulher fodona) que protege todo mundo sem parecer super-herói demais. Infelizmente, o Sargento é o único personagem realmente bom do filme. Os demais são superficiais e genéricos, impelidos por diálogos e motivações muito frágeis.

Na questão de ação, Anarquia dá um baile em Uma Noite de Crime. Se era assustadora a ideia de ter a casa invadida por um grupo de malfeitores, imagina estar sem refúgio na cidade aberta, sem ter onde se esconder por 12 horas? É um terror mais palpável e urgente. Quanto à parte dramática, ela é um pouco inferior ao primeiro filme, muito por causa dos personagens já mencionados.

Uma Noite de Crime: Anarquia dá sequência a um conceito de bastante potencial e aprimora alguns aspectos. Embora naturalmente apresente similaridades, ele não repete a mesma fórmula de seu predecessor. Como filme de ação, é uma evolução dentro da franquia, mas acho que não possui cenas tão icônicas quanto o original.

Grupinho da pesada

12 Horas Para Sobreviver: O Ano da Eleição (2016) – Política suja

Eu gostaria que as minhas primeiras palavras desta crítica fossem de repúdio ao título 12 Horas Para Sobreviver: O Ano da Eleição. Por que diabos tomaram a decisão de não colocar “Uma Noite de Crime” no nome do terceiro filme da franquia? É como se tivéssemos Harry Potter e A Pedra Filosofal, Harry Potter e a Câmara Secreta e depois simplesmente O Prisioneiro de Azkaban. É como se fizessem Alien, Aliens – O Resgate e algo como “O Novo Xenomorfo” em vez de Alien 3. Dito isso, vamos em frente.

O Ano da Eleição fica no meio do caminho entre os dois antecessores. Ele dá a impressão de que repetirá o primeiro no formato, ao fazer a história se passar dentro de uma casa, mas logo muda de ideia e coloca os personagens no meio da cidade. Acho que faltou bastante inspiração criativa pra galera, porque o terceiro filme se contenta em fazer o que outros já fizeram antes na franquia. É verdade que a premissa de Uma Noite do Crime tem data de validade. Não dá pra contar tantas histórias similares sem que fiquem repetitivas. Mas acho que dá pra inovar no cenário, colocando a galera em uma fazenda, uma fábrica, um arranha-céu, sei lá. Infelizmente, o terceiro filme peca nesse aspecto.

Em compensação, temos aqui o melhor nível de personagens. Em Uma Noite do Crime, o casal é até bastante bom, mas muito por causa dos atores. Em Anarquia, o único personagem realmente legal é o Sargento – todos os demais são esquecíveis ou até mesmo irritantes. Em O Ano da Eleição, o Sargento retorna e ainda ganha boas companhias, como a idealista Senadora Charlie Roan, além de Laney, Dixon e Marcos, que transmitem uma dinâmica interessante ao grupo. A franquia segue errando nos vilões ao transformá-los em figuras excessivamente caricatas, quase como uma mistura de Mad Max e o game Fortnite, por algum motivo. Mas vale pelo entretenimento.

12 Horas para Sobreviver: O Ano da Eleição repete a fórmula dos dois filmes anteriores e não consegue elevar a saga a um novo nível, mas corrige o curso ao introduzir personagens mais reais e por quem podemos torcer.

Grupinho mais da pesada ainda

A Primeira Noite de Crime (2018) – Genocídio oculto

Depois de três filmes de nível bastante parecido, surge o primeiro patinho feio da franquia. A Primeira Noite de Crime, que coincidentemente é o primeiro da saga que não possui direção de James DeMonaco, mas sim de Gerard McMurray, é muito “qualquer coisa”. Pra ser justo, acho que a pior parte dele é o roteiro, escrito pelo próprio James DeMonaco, a mente por trás desse universo.

Não há nada que A Primeira Noite de Crime faça que não tenha sido feito antes pelos três filmes anteriores. Personagens fugindo pela cidade em meio ao Expurgo? Já vimos antes. Famílias se escondendo em casa, enquanto invasores tentam entrar? Também já vimos. Um homem fodão matando todo mundo pela frente e salvando os heróis? Já virou algo comum. Na parte da ação, há uma cena ou outra com coreografia mais criativa, mas em geral é algo bastante genérico.

Pra piorar, o filme ainda peca em outros sentidos. A tela verde deste aqui é pra lá de grosseira. Dá pra perceber o contorno do chroma key em diversas cenas, e até o sangue parece digital. É um longa meio feio esteticamente, e cuja presença da veterana atriz Marisa Tomei não diz a que veio.

A história tinha potencial pra caramba e até toca em alguns pontos interessantes. Pela primeira vez, temos a certeza absoluta de que o propósito por trás do Expurgo é nada mais, nada menos do que genocídio de pobres. Isso já havia sido mostrado antes, mas aqui é colocado às claras. A questão é que o filme não consegue ir a fundo nas próprias discussões que propõe. Em vez disso, cria mais uma sessão de personagens em busca de sobrevivência, transformando algo que poderia ter um comentário social relevante em um entretenimento barato.

Pra piorar, algumas coisas são mal explicadas ou não fazem sentido algum. Por se tratar de um experimento, o comportamento das pessoas deveria ser mais rudimentar. Em vez disso, parece que tá todo mundo acostumado com aquilo, e o surgimento de máscaras e fantasias é abrupto demais. O pior é que dava pra terem desenvolvido melhor isso, mas o roteiro não parece querer dar uma justificativa plausível pra identidade visual da franquia. Também acho que o filme exagera no lado futurista e transforma todo o conjunto em algo excessivamente ficcional.

A Primeira Noite de Crime é de longe o mais fraco da franquia. Ele tem algumas ideias interessantes e os personagens são até bons, mas o roteiro perde a oportunidade de dar mais contexto e profundidade, abrindço mão disso em virtude de mais balas voando pelas ruas dos Estados Unidos. Se este longa não existisse, faria pouca diferença na construção de mundo da saga.

Um dia qualquer na universidade pública

Uma Noite de Crime: A Fronteira (2021) – Carnificina para sempre

Se isso não tinha ficado claro o suficiente no quarto filme, Uma Noite de Crime: A Fronteira escancara que a franquia já deveria ter chegado ao fim. Eu até acho que havia espaço pra contar uma história nova dentro desse contexto, mas é uma premissa que se desgastou tanto que até mesmo quando tenta inserir uma abordagem diferente, o resultado sai aquém do esperado.

Pra não ser injusto, A Fronteira é o que mais se arrisca na parte criativa. Ao contrário dos anteriores, aqui temos um Expurgo que acaba em meia hora de filme, e tudo que transcorre depois disso dá a sensação de algo novo. A ideia de uma nação se dividindo ainda mais e pessoas estendendo o período do Expurgo além do permitido é boa, e a ambientação dos personagens, primeiro em uma fazenda (algo que eu até mencionei na crítica do terceiro filme, sem saber que aconteceria), e depois através de um país em intensa guerra civil, foi pra um rumo que eu não esperava.

A questão é que, pra uma franquia com uma sacada tão bem pensada, as críticas frequentemente são rasas e repetitivas demais, às vezes descoladas da realidade. Sim, eu sei que o estadunidense médio tem certeza absoluta de que está no melhor local do mundo e que tudo abaixo da linha do Equador é a mesma coisa. Uma prova disso é o diálogo de uma certa personagem, em que ela diz uma frase mais ou menos assim: “a América (EUA) pode ser qualquer lugar. México, Itália, África…”. Muito legal como países da América do Norte e Europa são citados pelo nome, e os do resto do mundo são reduzidos a continentes.

Além disso, Uma Noite de Crime: A Fronteira age a todo momento como se estivesse tentando passar uma mensagem de apoio aos imigrantes, mas de um jeito tão estereotipado que chega a doer. Os personagens falam sobre o México como se fosse Gotham ou algo parecido, e os Estados Unidos só não são o local ideal pra se viver por causa do Expurgo. Tá bom que é assim.

Uma Noite de Crime: A Fronteira é um dos filmes mais rasos da franquia, e em algumas cenas chega a ter diálogos de ferir os ouvidos, principalmente quando o longa tenta ser mais inteligente do que é. Por outro lado, acredito que ele é ligeiramente melhor do que o antecessor porque pelo menos constrói algo mais original na parte da ação.

Acho que essa festa à fantasia foi longe demais

 

CURIOSIDADES

  • O ator Ethan Hawke é amigo do produtor Jason Blum. Ele teria recebido apenas $3000 pelo papel, mas, devido ao sucesso e por ter percentual dos lucros, provavelmente este foi o filme que mais lhe rendeu dinheiro na carreira.
  • Frank Grillo, que interpreta o protagonista do segundo filme, gostou muito do carro que seu personagem dirige e perguntou se poderia comprar o veículo, mas a equipe não aceitou seu pedido.
  • Originalmente, o terceiro filme seria sobre a primeira Noite de Crime da história. Os planos foram adiados quando Frank Grillo aceitou a proposta do diretor James DeMonaco para reprisar o papel do Sargento.
  • Para chegar até a audiência e tentar conseguir o papel do “Esqueleto”, o ator Rotimi Paul andou pelas estações de metrô de Nova York totalmente caracterizado como o personagem.
  • Everardo Gout, que dirige o quinto capítulo da saga, disse que, se alienígenas vissem até a Terra, Uma Noite de Crime: A Fronteira seria um dos 10 filmes que melhor poderiam representar a natureza humana.

 

FICHA TÉCNICA

Nome original: The Purge
Duração: 1h25
País: EUA
Diretor: James DeMonaco
Elenco principal: Ethan Hawke, Lena Headey, Max Burkholder, Adelaide Kane, Edwin Hodge, Rhys Wakefield

FICHA TÉCNICA

Nome original: The Purge – Anarchy
Duração: 1h43
País: EUA
Diretor: James DeMonaco
Elenco principal: Frank Grillo, Carmen Ejogo, Zach Gilford, Kiele Sanchez, Zoë Soul, Justina Machado, John Beasley

FICHA TÉCNICA

Nome original: The Purge – Election Year
Duração: 1h48
País: EUA
Diretor: James DeMonaco
Elenco principal: Frank Grillo, Elizabeth Mitchell, Mykelti Williamson, J.J. Soria, Betty Gabriel, Edwin Hodge

FICHA TÉCNICA

Nome original: The First Purge
Duração: 1h37
País: EUA
Diretor: Gerard McMurray
Elenco principal: Y’lan Noel, Lex Scott Davis, Joivan Wade, Steve Harris, Mugga, Patch Darragh, Marisa Tomei

FICHA TÉCNICA

Nome original: The Forever Purge
Duração: 1h43
País: EUA
Diretor: Everardo Gout
Elenco principal: Ana de la Reguera, Tenoch Huerta, Josh Lucas, Leven Rambin, Cassidy Freeman, Alejandro Edda, Will Patton

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: pra saber sobre quais filmes eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco: Filmes

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Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê acha dos filmes. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).