Drama

Orange Is The New Black: 4ª Temporada (2016)

• Multidão desajustada

Eu respeito demais séries que não se acomodam. Constantemente, quando uma obra descobre uma fórmula de sucesso, ela tende a usar e abusar dos seus recursos bem-sucedidos ao ponto de transformá-los em defeitos inevitáveis. Orange Is The New Black pode ser tudo, mas ninguém pode dizer que ela senta nas próprias qualidades e se recusa a continuar evoluindo. A primeira temporada foi basicamente uma apresentação do panorama da prisão, sob o ponto de vista de Piper Chapman. A segunda deu início aos conflitos entre as detentas, devido à chegada de Vee. A terceira dá pra ser vista como um rito de passagem, essencial para a sequência. E o que veio a seguir, senhoras e senhores, valeu muito a pena.

 

Sinopse

Depois da festinha no lago das habitantes de Litchfield, os responsáveis pela administração do local tomaram algumas medidas. Como se já não houvesse gente o bastante na prisão, o que a galera decide fazer? Colocar mais pessoas e causar uma superlotação! A chegada de novas prisioneiras abala completamente a rotina do local, com os ânimos ficando frequentemente acirrados, mudança de horários, alteração da dinâmica nos dormitórios com a instalação de beliches e o surgimento de novas cadeias de comando. Para sustentar todas as criminosas em rédea curta, os guardas da segurança máxima são realocados e se veem livres para abusar das mulheres das mais vis maneiras, seja física ou psicologicamente.

Faltou só o Coates pra completar os quatro Cavaleiros do Apocalipse

Crítica

Logo nos primeiros acontecimentos, já dá pra perceber que o estilo da quarta temporada é diferentes das outras. A série aborda a morte mais de perto, introduz temas como racismo não apenas contra pessoas negras, mas também contra asiáticas, e coloca as suas personagens nas mais extremas situações de pressão. O primeiro episódio não conta com flashbacks, e jurei que eles não apareceriam mais. Ainda bem que eu estava errado, porque ainda tinha muita coisa não explicada (e ainda continua assim). De qualquer forma, uma característica permanece a mesma: o senso de humor singular de Orange Is The New Black, misturando sarcasmo e críticas sociais.

Como de costume, a série abdica de algumas de suas personagens para focar em outras. Isso sempre aconteceu entre uma temporada e outra, e aqui é a vez de Red e Doggett ficarem um pouco na geladeira, possibilitando as aparições decisivas de Blanca e Maritza e dando mais espaço para Cindy e Taystee. Apesar de lamentar a diminuição da importância de algumas, a estratégia funciona porque nunca deixa de conceder camadas para as suas maiores joias, ou seja, as personagens. A força, a base e o coração de OITNB estão nas personagens, e a obra trabalha as suas vivências com uma maestria única.

Apesar do início surpreendentemente frio e sombrio, aos poucos a quarta temporada retoma a dinâmica da série, bastante focada no sistema de comédia dramática. Em paralelo às temáticas mais sérias e que demandam uma maior atenção aos detalhes, OITNB aposta em arcos aparentemente bobos, mas essenciais pra causar divertimento e quebrar eventuais tensões sem tirar o peso delas. Enquanto um lado se preocupa com o possível surgimento de um grupo supremacista branco, outro volta as suas atenções pra uma detenta desconhecida responsável por fazer cocô na área dos chuveiros. Enquanto algumas personagens se envolvem em esquemas perigosos dentro da prisão, outras vivem no bem e bom, reclamando de ocorrências triviais.

O sistema da série funciona porque cada engrenagem é encaixada da maneira correta. A carga pesada da temporada não assusta, e sim agrada pela mudança de panorama. O primeiro ano de Orange Is The New Black foi muito focado no descobrimento pessoal de Piper, a segunda concentrou-se nas relações de poder entre as detentas, a terceira fez o mesmo, mas com a administração, e a quarta lidou principalmente com a questão humana. Essa versatilidade da obra faz com que ela seja diferente de todas as outras. Mesmo com uma duração gigantesca, considerando que são mais de 13 horas de experiência, a temporada é gostosa de assistir.

O conjunto não é totalmente nivelado, porém. Os primeiros capítulos são de tirar o fôlego, mas o arco central do começo é colocado em stand-by por mais tempo do que eu gostaria, tendo sido resolvido parcialmente com uma facilidade que fez sentido, mas quebrou o ritmo. Dessa forma, os episódios seguintes são um pouco mais parados até o roteiro se recuperar, melhorando cada vez mais e culminando no segundo melhor desfecho de uma temporada de OITNB até o momento, perdendo apenas para o imbatível final da segunda. Por outro lado, a quarta conseguiu superar a segunda no nível geral, sendo a melhor de todas até aqui.

Uma prova disso é ter sido a temporada mais difícil de dar o prêmio de Melhor Personagem em Orange Is The New Black. Pra se ter uma ideia, no TV Time eu votei em 12 personagens diferentes como melhor do episódio: Alex (duas vezes), Maria, Healy, Maritza, Nicky, Lolly, Piper, Blanca, Aleida, Suzanne, Poussey e Daya. E ainda teve Cindy, Taystee, Caputo, muita gente incrível que ficou de fora. Todo mundo foi bem pra caramba!

Adoradora do Diablo

Veredito

Vejam só, o nível aqui é muito alto. O início e o fim são memoráveis, dando pitadas generosas de instigação e impacto. A abordagem forte presente na quarta temporada dá um tom marcante de seriedade à obra, mesmo com todas as passagens de humor perfeitamente incrustadas no enredo. Como possui muitas personagens e incontáveis núcleos diferentes, acaba havendo sempre uma oscilação entre eles, fazendo com que dê vontade de pular alguns momentos pra que a série mostrasse arcos mais interessantes. Ainda assim, Orange Is The New Black tem uma capacidade absurda de prender a atenção e nos deixar pedindo mais, especialmente por ser mestre em construir um universo com o qual acabamos nos identificando, mesmo que a base da história seja o crime. Nota final: 4,7/5.

Levanta o pé pra tia passar pano

 

>> Crítica da 1ª Temporada de OITNB

>> Crítica da 2ª Temporada de OITNB

>> Crítica da 3ª Temporada de OITNB

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • Vamos começar pela Guerra das Calcinhas™. No momento em que começou a treta entre Piper e Maria, eu sinceramente torci pela briga. Tenho muita agonia de histórias que nem a da Maria. Ela ficou entristecida o tempo todo na prisão, lamentando o fato de não poder criar os filhos, e o que a mulher faz? Comete mais crimes dentro da cadeia, arriscando ganhar uma pena maior. Sei que teve aquela injustiça na qual ela ganhou mais três anos de sentença, mas não seria melhor não piorar a situação ainda mais?
  • Parecia que daria ruim fodido o rolê com a Lolly. Ela inclusive contou pro Healy que matou um guarda e o enterrou no jardim, mas o que a motivou a contar (sua própria loucura) foi o que a salvou, pelo menos inicialmente. O Healy achou que eram delírios e a aconselhou a “enxergar a realidade”, primeira coisa útil que ele fez sem nem saber. Alex deve ter encarnado aquele meme antigo, “Everything Went Better Than Expected”. De qualquer forma, a Lolly indo pro sanatório foi triste demais, bicho. Espero que ela consiga sair dessa e volte logo pra sua Máquina do Tempo.
  • Piscatella, Trepada, o guarda careca e aquele veterano de guerra são tudo uns bostas, cada um à sua maneira. O Piscatella abusa psicologicamente de todo mundo ao ponto de levar geral à loucura. O Trepada é um grandíssimo fdp, peguei ódio dele depois de obrigar a Maritza a comer um rato e fazer a Suzanne brigar com a Kukudio. O careca não lembro o nome, mas também é um merdinha por ter obrigado a Blanca a ficar de pé na mesa. O veterano de guerra parecia gente boa, mas já machucou muita gente inocente, segundo o próprio. E ainda temos o Coates, que não se arrependeu nem um pouco do estupro. Aliás, fiquei curioso pra saber como a série teria lidado se resolvesse ter feito o Coates se arrepender do fato. Seria uma baita trama delicada.
  • Nunca imaginaria que a Suzanne tinha sido presa por ter participado da morte de uma criança, ainda que não tenha sido nem um pouco sua culpa. A série faz questão de mostrar isso a todo momento, aliás: as consequências de ignorar transtornos psicológicos.
  • O arco da Angie fazendo cocô no chuveiro deveria garantir um Emmy à Orange Is The New Black por si só. Por outro lado, o sexo a três entre Judy, Jones e Luschek foi assustador.
  • Eu sei que isso pode sair meio insensível, mas o ataque sofrido por Piper pelas nazistas foi o que a colocou de volta à realidade. Ela estava insuportável desde que tinha se convencido de ser a Poderosa Chefona, e a ação das supremacistas fez com que ela redescobrisse a humildade e se tornasse novamente uma boa personagem.
  • Caputo é um cara covarde e pressionado, interessante como a trama trabalha isso (só a parte com a Linda que me deixou um pouco com preguiça). Eu fico vendo as coisas que ele faz (ou deixa de fazer) e fico pensando no quanto é passivo às vezes, mas será que algum de nós seria realmente diferente? E se fôssemos diferentes em uma situação parecida, ela poderia simplesmente terminar em uma demissão com alguém pior assumindo o comando. É complicado.
  • Outra coisa que Orange Is The New Black trabalha bem: a reincidência. Nicky voltando a usar drogas, Morello inventando uma nova fantasia de infidelidade na sua cabeça por ser facilmente influenciável… muito doido isso.
  • Meu Deus do céu, a Maritza derrubou o Trepada no chão, a Daya pegou a arma e apontou pra cabeça dele. Mal posso esperar pra ver o que vai rolar aaaaaaaa
  • Agora vamos pra cena mais agonizante da temporada, que infelizmente eu já sabia que aconteceria (mas não daquele jeito) por ter pegado spoiler: a morte da Poussey. Quando parecia que ela se daria bem com a Soso e a promessa de um bom futuro, a tragédia vai e acontece. Após as detentas finalmente se unirem por uma causa em comum, a repulsa aos guardas, Blanca sobe na mesa e é seguida pelas demais. Os guardas tentam conter a situação e um deles, o mais ingênuo de todos, pressiona o corpo de Poussey e a asfixia até a morte. Um cruel prelúdio do que viria a acontecer no mundo real anos mais tarde, com George Floyd. E pensar que nem era pra Poussey estar na prisão, pois tinha sido pega com uma quantidade ridiculamente pequena de droga… é uma crua representação do que são os Estados Unidos e o mundo em geral.

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Alex Vause (menção honrosa a Blanca Flores)
Em uma temporada nivelada muito por cima, optei pela única personagem que eu votei duas vezes como Melhor do Episódio. Alex deu uma sumida durante alguns momentos, mas não deixou de ser um destaque positivo. Blanca também foi bem demais, me surpreendeu.

Parece que essa cena aconteceu logo na sequência da imagem da Sinopse

+ Melhor episódio: S04E12 (“Animais”)
Sem palavras. Infelizmente, a vida imita a arte em momentos que desejávamos ser apenas ficção.

Um dos arcos mais revoltantes da série

+ Maior evolução: Judy King
Eu não dava nada por ela, achei que só renderia alguns momentos engraçados com Poussey e companhia. No entanto, foi uma peça muito espertamente colocada pra expor a existência massiva de privilégios na sociedade, até mesmo na prisão.

Quando a sua amiga te desafia a falar algo inapropriado pro professor e começa a rir por antecipação

+ Maior surpresa: Alison Abdullah
Achei que seria apenas uma rival de Cindy, mas a nova personagem chegou pra agregar com sua determinação e confiança.

rivalidadesincríveis.jpg

+ Mais subestimada: Lolly
Desde a primeira vez em que apareceu, eu gostei dela. Quando percebi que seria utilizada de forma recorrente, fiquei bem contente. No contexto da série, é uma pena que as pessoas não a tenham levado nem um pouco a sério.

As consequências da solidão

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).