Suspense/Terror

Them: 1ª Temporada (2021)

Them: 1ª Temporada

• Gato no saco

Olá, meus nobres! Na introdução de hoje, falarei um pouco sobre o projeto de Them. Em primeiro lugar, é preciso saber que o formato aqui é de antologia. Como assim, Leleco, o formato é relacionado à ciência do estudo do ser humano? Não, isso é antropologia. Uma série antológica é aquela em que cada temporada conta uma história diferente. Quer um exemplo? True Detective é um deles. American Horror Story também, apesar dessa última reciclar o seu elenco porque tem preguiça de contratar novos atores. Criada por Little Marvin, Them aborda as ocorrências mais cruéis perpetuadas pelo racismo em uma fusão de terror e violência.

 

Sinopse

Compton, Califórnia, Estados Unidos, 1953. A primeira temporada de Them, intitulada como “Covenant”, que significa “Pacto” em inglês, traz seu enfoque em uma família negra norte-americana. Buscando fugir dos traumas do Sul dos EUA, os Emory se mudam para o Oeste do país, teoricamente em um lugar um pouco mais amigável de se morar. Ainda assim, a família não é bem recebida ao se instalar em um bairro mais branco do que a própria Casa Branca. Além de precisar enfrentar os horrores do preconceito, Lucky, Henry e suas filhas Ruby Lee e Gracie dão de cara com ameaças fantasmagóricas.

Quem dera se a família tivesse uma vida pacífica assim

Crítica

No processo de construir a obra, Little Marvin pegou uma inspiração bastante óbvia: Jordan Peele. Pra começo de conversa, o cara fez uma série chamada Them (Eles), enquanto o cineasta produziu o filme Us (Nós). Nessa guerra de pronomes, Little Marvin ambienta a questão racial como cenário para o seu enredo, assim como Peele. Porém, enquanto Peele desenvolve a sua trama e personagens de forma a deixar a história instigante em um formato de terror psicológico único, Marvin coloca as suas fichas no horror gráfico.

Them não é para qualquer estômago. Ela é definitivamente difícil de digerir, porque as suas representações em tela são pra lá de explícitas. A série não economiza na violência, torturando os seus personagens de todas as maneiras possíveis. Isso é importante pra mostrar o quanto o racismo e o preconceito em geral revelam apenas o pior da natureza humana, transformando pessoas em verdadeiros monstros. O roteiro embasa bem o seu argumento de não relativizar as atrocidades cometidas contra os negros naquela época (e, pra sermos bem sinceros, atualmente também). Contudo, enquanto consegue desenvolver uma premissa convincente e original em seu conceito, a série se perde em meio à sua proposta.

Nos primeiros episódios, é compreensível que os personagens passem por momentos de tortura física e psicológica pois é o que faz a história andar. No entanto, um recurso utilizado por muito tempo perde a sua força. Não importa se o recurso é bom, tudo deve ser feito com parcimônia. Em vez de se concentrar em trabalhar Lucky, Henry, Ruby Lee e Gracie, o roteiro apresenta superficialmente os seus dramas pessoais e investe seus minutos colocando-os nas piores situações imagináveis. É um artifício que acaba se tornando um pouco… pobre.

Dito isso, Them é muito competente em suas incursões técnicas. A atuação de Deborah Ayorinde, que dá vida à protagonista Lucky, é fenomenal. As suas expressões de genuína dor, desespero constante e o percurso rumo à loucura são representados perfeitamente pela atriz. Ashley Thomas também consegue extrair muito bem a angústia e a fúria de Henry Emory. Shahadi Wright Joseph (que, pasmem, está no elenco de Us, do Jordan Peele) e Melody Hurd, que interpretam respectivamente Ruby Lee e Gracie, estão bem em seus papéis, mas poderiam ter sido melhor aproveitadas, sobretudo Shahadi. Ainda no campo das atuações, Alison Pill é uma caricata e odiosa Betty Wendell e faz o seu trabalho com segurança.

Um dos diferenciais da série, aliás, é a representação feminina do racismo. Eu, pelo menos, nunca tinha visto o tema sendo trabalho desta forma. Normalmente, quando vemos algum filme cuja premissa tem a ver com o preconceito racial, os vilões tendem a ser homens sanguinários e detestáveis. Embora também os aborde, Them dá uma atenção especial para mulheres racistas, o que achei ser uma mudança interessante de postura no gênero.

Quando entra no campo dos espíritos e do terror mais tradicional, a série tem boas ideias, mas falha em executá-las com maestria. O roteiro parece atirar para todo lado. Ele aborda o trauma pós-guerra de Henry, o lado sensitivo de Gracie e os questionamentos sobre a própria beleza por parte de Ruby Lee, mas está tão preocupado com espirrar sangue na câmera que se esquece dos arcos que introduziu lá atrás. É um problema de foco. Isso tudo desemboca em um problema no desfecho, entregando um final apressado conveniente demais pro meu gosto.

Acho que ela gostaria de esticar a mão um pouco mais pra frente

Veredito

Com tanta crítica negativa, talvez você, leitor, tenha a impressão de que eu achei a série horrível ou algo do tipo. Não é o caso. Them, por mais aterradora que seja, prende a atenção. É como se a Amazon Prime Video me tivesse hipnotizado. Ao mesmo tempo em que eu não queria mais ver pessoas sendo torturadas, eu precisava saber a continuação. Mesmo com problemas na estrutura do roteiro, o ritmo imposto pela narrativa é magnético e nos impele a ter sequência. Isso sem falar dos aspectos técnicos, como eu citei lá em cima. As atuações sólidas, a fotografia sufocante e uma trilha sonora inspirada contribuem para carimbar um projeto de boas impressões. Nota final: 4,0/5.

Como alguém poderia pensar em fazer mal a esta fofucha?

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • Ok, vamos começar pela famigerada cena do gato no saco. O acontecimento é horrível de um jeito diferente do que eu havia imaginado. Pensava que seria algo mais gráfico, talvez decapitando o bebê ou sei lá. Entretanto, o que realmente foi mostrado de certa forma é mais perturbador ainda, porque é de uma maldade vil. Não tinha nenhum pingo de humanidade naquele povo. E, como se não fosse o bastante, ainda teve a violência sexual. Para piorar, ninguém lá foi punido! Queria ter tido a satisfação de tê-los visto sofrendo de volta, mas a vida infelizmente não funciona assim.
  • Ah, outra coisa. Discordo totalmente de alguns comentários de que “essas coisas precisam ser mostradas pras pessoas saberem sobre os horrores da época”. Desculpa, mas se alguém precisa ver um bebê ser arremessado pra lá e pra cá dentro de uma sacola pra entender que racismo é errado, talvez o caso seja meio irreversível, não? E essa é minha principal crítica contra a série. Muita coisa ali não precisava ter sido mostrada. Portanto, uma violência gratuita.
  • Um arco que eu gostaria de ter visto mais à fundo: o estresse pós-traumático do Henry. Normalmente, eu tenho um pouco de preguiça de núcleos desse tipo, mas fiquei realmente interessado pelo dele. A série fez um bom trabalho naquela sequência difícil de engolir, com o perdão do trocadilho, envolvendo o bolo e o gás mostarda. Porém, abandonaram completamente aquilo depois. Beleza, né.
  • Vi no TV Time um comentário dizendo que a Ruby Lee tinha chegado em um nível tão alto de se sentir odiada, que estava querendo se transformar nos próprios agressores. Já pararam pra pensar no quanto isso é problemático? Uma adolescente se pintar de branca pra deixar de ser desprezada. Cara, não dá pra entender o mundo.
  • Chega me dá um arrepio quando eu penso na mulher lá que matou a família com os produtos de limpeza. Argh. Pelo menos tivemos algumas cenas satisfatórias na temporada: a Lucky dando um tapa maravilhoso na cara da Betty, e a Lucky matando a mulher do hospício. “Sortudos” somos nós por termos presenciado essas sequências.
  • Incrível como os momentos em que a Lucky estava na casa da Hazel transmitiam uma sensação de segurança, simplesmente porque não tinha nenhuma pessoa branca por perto. E olha que eu sou branco, nem consigo imaginar como deve ser pra alguém negro.
  • Henry matando o policial foi daquelas típicas cenas em que um personagem detestável morre, mas eu preferia que um personagem mais detestável ainda tivesse terminado daquela forma. Mas ok, tudo bem.
  • Betty Wendell sendo sequestrada, mantida como cativa em um bunker e levando um tiro pelas costas de um homem branco é a maior ironia possível, e eu adorei isso. Acho que foi até melhor do que ela ter morrido pelas mãos dos Emory.
  • Não satisfeito em pegar alguns elementos do Jordan Peele, Little Marvin decidiu também pegar a mesma fórmula de A Maldição da Mansão Bly. Terminou o antepenúltimo capítulo com um gancho envolvendo estrangulamento/enforcamento, colocou um episódio inteiro de flashback na sequência e então retomou a história principal no capítulo final. O flashback foi bom e tal, mas era realmente necessário dedicar um episódio inteiro à história daquele velho?
  • É claro que a única pessoa branca minimamente decente de Them, com ênfase no “minimamente”, seria pertencente de alguma outra minoria. E isso não é uma crítica, mas sim uma observação. Clarke Wendell pelo menos ganhou meu respeito ao quebrar a perna daquele maluco do Marty Dixon. Aliás, eu mencionei ali pessoas brancas minimamente decentes, e bem que poderiam ter dado uma conclusão melhor pra Helen Koistra, a corretora de imóveis. Esqueceram totalmente dela, tadinha.
  • Todos aqui concordam que a Batalha Contra os Fantasmas™ poderia ter sido mais bem orquestrada no fim, certo? Tudo bem que foi legal ver a Lucky ajudando a Gracie a derrotar a Miss Vera, a Ruby Lee a acabar com a cheerleader e o Henry a atirar no homem com blackface (incrível alusão a como um homem negro deveria se portar, diga-se de passagem). Porém, tudo pareceu ser resolvido rápido demais, não acham? Ou é coisa da minha cabeça? Mas pelo menos valeu só por causa da carinha marrenta da Gracie no final, olhando pra todo mundo no bairro. Daquele dia em diante, os Emory pararam de fugir.

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Livia “Lucky” Emory
Mesmo se o roteiro não tivesse dado a maior parte de sua atenção para o desenvolvimento dela, Lucky ainda assim teria sido a melhor personagem. A trama gira ao seu redor. Sua força, obstinação e legítima resiliência são grandes características que a engrandecem.

Quem será o primeiro a fazer uma referência a O Iluminado, se achando o ser mais original do planeta?

+ Melhor episódio: S01E06 (“Day 7: Morning”)
Sinceramente, nenhum capítulo da primeira temporada de Them se destacou pra mim, pelo menos não no sentido único de qualidade. Teve um que foi mais chocante, outro que foi mais emocionante. Vou escolher este pelo motivo de ter conseguido desenvolver de forma satisfatória todos os quatro membros da família Henry. O sétimo episódio também foi muito bom, é importante mencionar.

Traje oficial da empresa: terno, óculos e futura calvície

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).