• A redenção no declínio
Há vários anos, eu li em um grupo de Game of Thrones que Vikings era uma série muito mais sólida. Naquela época, ambas as produções estavam em seus respectivos auges. Discordei veementemente, porque, mesmo em seu melhor momento, Vikings jamais conseguiu superar GoT. Ainda assim, era uma rivalidade boa. Em suas últimas temporadas, as duas obras entraram em declínio; enquanto a da HBO ficou ruim, a do History Channel ficou sem graça. Com House of The Dragon, o universo de Westeros terá uma chance de se redimir a partir de agosto. Vikings: Valhalla faz algo parecido em relação à sua predecessora. A Netflix investiu pesado e encomendou três temporadas logo de cara, tamanha sua confiança no projeto. Será que valeu a pena?
Sinopse
Cem anos depois do desfecho de Vikings, começam os eventos de Vikings: Valhalla. Kattegat evoluiu como um ponto importante de comércio na Escandinávia, e a cidade é governada pela Jarl Haakon. A história gira em torno de três personagens. Freydis Eriksdotter e Leif Erikson são irmãos. Naturais da Groenlândia, eles viajam para Kattegat com um objetivo claro em mente. Freydis foi agredida e abusada sexualmente por um cristão fanático. Em busca de vingança, ela ganha o apoio de Leif, um talentoso navegador, e eles partem à procura do estuprador. Na cidade, os seus caminhos se cruzam com os de Harald Sigurdsson, descendente de Harald Finehair, em uma trama que passa a envolver uma guerra entre vikings e ingleses.
Crítica
Não vou ser hipócrita em dizer que eu tinha grandes expectativas pra Vikings: Valhalla. Desde a metade da quarta temporada da série original, eu não via mais com a mesma empolgação. É verdade que houve alguns lampejos de qualidade dali pra frente, mas nada que se sustentasse por muito tempo.
Nos primeiros momentos, Vikings: Valhalla parece apenas uma outra temporada do History Channel. A ambientação, o clima, a fotografia, as batalhas, os figurinos, até o estilo das jornadas de personagens são extremamente familiares, o que me deixou ainda mais com o pé atrás. Se era pra fazerem um spin-off, pensei, que pelo menos fossem mais originais.
Aos poucos, fui queimando a minha língua. Os elementos conhecidos de Vikings jamais desaparecem, mas a sua sucessora possui um charme que me lembrou as primeiras temporadas da antecessora. O problema maior que acometeu Vikings a partir da quinta temporada foi que, com algumas exceções, os substitutos dos antigos protagonistas não estavam à altura daqueles que pavimentaram as histórias iniciais. Como esta é uma nova série, há essa desvinculação que faz muito bem ao universo dos guerreiros escandinavos.
Os personagens apresentam arquétipos que nós já vimos antes. Entretanto, algumas pequenas intervenções fazem a diferença. Sim, Freydis se assemelha a Lagertha em seu estilo combatente, mas ela possui um lado religioso bem mais acentuado. Sim, Leif pilota barcos como Floki, mas sua personalidade é muito mais reservada e ele possui uma capacidade oculta de liderança, que lembra até um pouco o Ragnar. Dá pra perceber? Embora Vikings: Valhalla beba bastante da fonte da série original, ela também é capaz de mudar determinantes cursos narrativos.
Antes que eu me esqueça, não é preciso ter assistido à Vikings pra entender esta aqui. É claro que fica mais legal, porque Valhalla é recheado de referências a personagens antigos. Porém, não é algo obrigatório. Desta forma, ainda que os cenários sejam familiares, os roteiristas deixam claro que o tempo de Ragnar já passou, algo que a série original não conseguiu fazer muito bem. As pessoas de Valhalla honram sim os seus antigos heróis, mas desejam também traçar as suas próprias histórias. Esse senso de atualização concede mais um charme à história.
Eu sei que os nórdicos gostam muito de cerveja, mas a trama de Valhalla é como vinho. À medida que os capítulos vão se sucedendo, o enredo vai ficando melhor. Como eu escrevi ali em cima, os primeiros episódios sofrem com o legado de Ragnar Lothbrok e companhia, mas tudo vai ganhando bons contornos na sequência. De repente, eu passei a me importar com os personagens e torcer pelos seus sucessos ou derrocadas, dependendo de quem era. Além disso, as maquinações políticas, as estratégias e artimanhas bélicas e as dinâmicas de poder são pontos que elevam o nível geral.
Pra encerrar, acho que devo uma explicação sobre o título do pitaco, ficou meio jogado. Vikings: Valhalla narra o início do declínio dos guerreiros vikings na Europa. Mas, como série, conseguiu uma redenção em comparação às temporadas anteriores da obra original.
Veredito
Se você gostou das primeiras temporadas de Vikings, a estreia de Valhalla tem grande potencial de te agradar. É verdade que falta aquela genialidade da série original, e o elenco desta sequência não é tão carismático quanto os intérpretes de antes. A história começa sendo afetada negativamente pela responsabilidade de fazer jus à obra predecessora, mas logo supera essa barreira e entrega tudo que aquele universo possui de melhor. Batalhas sangrentas e surpreendentes, personagens imprevisíveis e com ótimo desenvolvimento, jogos políticos e traições, fortes amizades e ferrenhos conflitos. Fica então a dica pra quem tá querendo retornar ao mundo de Kattegat, ou para quem deseja curtir essa atmosfera pela primeira vez. Nota final: 4,3/5.
Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco
Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco
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~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~
- No momento em que a Freydis matou o Gunnar em vez do Olaf, eu não tinha entendido que era uma reviravolta. Eu pensei que ela queria matar os dois, mas começou pelo Gunnar por motivos de roteiro ruim forçando um confronto posterior com um personagem mais importante. Quando caiu a ficha de que não era o Olaf o estuprador, mas sim o Gunnar, e que o objetivo da Freydis era matar somente ele, me senti meio burro. Foi um bom plot twist.
- Eu fiquei tristão quando o Harald se revelou meio traíra. Quando foi mostrado que ele queria poder e tudo mais, eu fiquei meio contrariado, mas deu pra entender considerando que o Harald Finehair era seu ancestral. Pelo menos não o transformaram em um vilão, e ele se redimiu ao avisar o pessoal de Kattegat. Vai ser interessante ver como funcionará sua relação com Freydis e Leif nas próximas temporadas.
- Por falar nisso, gostei bastante das relações que o Harald cultivou na temporada, principalmente sua amizade com o Leif e o romance com a Freydis. Ele é o ponto em comum entre os irmãos, e eu adoro esse tipo de interação entre personagens centrais.
- O Godwin seria mais ou menos o Mindinho em Game of Thrones, né? O cara passou a temporada inteira pulando de galho em galho, manipulando geral em benefício próprio. Não julgo. No entanto, fiquei chocado com ele sendo responsável pela morte do Edmund. Pensei que o moleque seria mó útil no futuro, mas não. Era só um obstáculo pros verdadeiros detentores do poder.
- Cara, que batalha sensacional a da ponte. Morri de agonia com o Olaf e seus homens puxando a construção e ela não cedendo, e Leif e sua trupe tendo de meter as machadadas com a força do ódio. Mas nada supera a sensação de ver o plano dando certo no final. O Canute cercando todo mundo, a Emma desesperada com o Edmund sendo burro o bastante pra cair em uma armadilha… tudo perfeito naquela luta.
- Rainha Emma e Rei Canute fazem um power couple fodido, né?. Ela com suas estratégias e sagacidade, ele com sua mente aberta e ferocidade. Emma enganando a Rainha Ælfgifu e a mandando de volta pra terra dela foi impagável, só fiquei triste do Canute ter sumido e não aparecido de novo depois. Tomara que os dois ainda protagonizem momentos icônicos no futuro, mas sinto que ele não vai durar muito.
- Eu não gostei tanto assim do Forkbeard. Não por achá-lo um personagem ruim, só não gostei dele mesmo. Porém, vê-lo tirando o sorriso do rosto do Olaf, que achou que tinha conquistado Kattegat, valeu a pena.
- Vikings: Valhalla tem alguma coisa com decapitações, bicho. O Rei Canute decepando a cabeça do Eadric Streona, a Freydis fazendo o mesmo com o Jarl Kåre em combate. Pra falar a verdade, eu entendo, pois decapitações são sempre marcantes (na ficção, ok?).
- Foi legal ver o Sábio novamente aparecendo, mas senti que tinha algo de diferente nele. Perdeu a velha magia que tinha em Vikings, se é que isso faz algum sentido.
- A Jarl Haakon morrendo não me surpreendeu nem um pouco, na moral. Uma pessoa que lidera um grupo ou lugar perdendo a vida é uma história muito recorrente, justamente pra abrir caminho pros protagonistas ascenderem. É o caso aqui, porque provavelmente Kattegat será governada por algum personagem de mais destaque.
- Sobre o Leif, eu tive vários sentimentos conflitantes. Eu comecei gostando dele, depois me incomodei um pouco com a atuação do Sam Corlett. Embora seu personagem inspirasse lealdade de diversos vikings, eu, como espectador, não consegui entender o porquê disso. Ele não era o mais feroz, ou o dono da melhor oratória, ou o mais ousado. Era simplesmente um bom navegador. Além disso, eu queria que o seu romance com a Liv tivesse sido melhor desenvolvido. Poderiam ter explorado isso desde o episódio inicial, mas o amor entre eles só foi surgir mesmo lá pra metade da temporada. Se tivesse começado no primeiro capítulo ou algo do tipo, a morte dela teria sido mais sentida. Do jeito que foi, pareceu apenas uma justificativa barata pra arrancar o que há de pior em Leif. Dava pra ter feito isso, ao mesmo tempo em que se fornecia peso à Liv. De qualquer forma, mal posso esperar pro Leif indo atrás de vingança contra o Olaf, assassino de sua amada.
~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~
+ Melhor personagem: Harald Sigurdsson
Cada personagem tem seu momento de brilhar. Leif, Freydis, Rei Canute e a Rainha Emma são destaques. No entanto, Harald pra mim foi mais estável durante a temporada, com poucos momentos de queda, o que foi determinante para a escolha.
+ Melhor episódio: S01E04 (“The Bridge”)
Durante este capítulo, eu não consegui tirar os meus olhos da televisão. Recheado de momentos empolgantes e reviravoltas, o episódio é de longe o melhor até aqui.
Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?