Ficção científica

Stranger Things: 4ª Temporada (2022)

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• Subindo aquela colina

Eu não pude deixar de notar que Stranger Things possui algumas similaridades com Harry Potter. Ambas começaram com crianças nos papéis principais, crescendo a cada novo ano, a cada novo capítulo. A primeira temporada de Stranger Things é como A Pedra Filosofal. Uma trama inocente, com bastante carisma, uma ambientação muito bem feita e inimigos monstruosos. A segunda temporada é como A Câmara Secreta. É possível ver uma maior maturidade, ao mesmo tempo em que os personagens ainda estão em fase de transição entre a infância e a adolescência. Na terceira temporada, assim como em O Prisioneiro de Azkaban, os protagonistas já são adolescentes, e começam a lidar com histórias mais pesadas. Aqui, nesta quarta temporada, tudo muda, assim como a conclusão de O Cálice de Fogo.

 

Sinopse

Tá todo mundo espalhado por aí. Ao contrário das outras temporadas, em que os personagens estavam concentrados em Hawkins, agora eles estão separados. Uma parte continua na mesma cidade, outra se mudou pra Lenora Hills. Além disso, não podemos esquecer de Jim Hopper, que está mofando em uma prisão dos malvados soviéticos. A vida continuou depois dos eventos da temporada anterior, mas uma nova série de assassinatos bizarros em Hawkins volta a despertar a atenção da nossa galera. Com isso, de diferentes formas, eles precisam deter uma ameaça maior do que nunca, cujas repercussões podem ser inimagináveis.

Rinha de quem tem o pior cabelo

Crítica

Eu admiro demais o senso de coragem narrativa. Por mais que seja mais fácil continuar apostando em uma mesma fórmula que costuma dar certo, eu tiro o meu chapéu pra séries que decidem dar um passo à frente e reconstituir toda a sua maneira de contar uma história. Stranger Things sempre foi uma série desenvolvida a partir de algoritmos. A Netflix pegou temas que costumam agradar o público, como ficção científica, anos 80, personagens em processo de crescimento e trilha sonora marcante, misturou em um tubo de ensaio e deu à luz uma de suas séries mais bem-sucedidas.

Nas três primeiras temporadas, Stranger Things mudou o seu estilo algumas vezes. A segunda foi um pouco mais tensa do que as outras. Ainda assim, todas elas possuem uma base semelhante, que não deixava a trama ficar excessivamente dispersa. Mudar de direção, nesta altura do campeonato, foi uma aposta e tanto. Se tivesse dado errado, choveriam críticas afirmando que “em time que está ganhando, não se mexe”. No entanto, os Irmãos Duffer decidiram que não basta ganhar, mas sim golear, pra terem mais chances de sair triunfantes no final.

A quarta temporada de Stranger Things vira tudo de cabeça pra baixo. E não no sentido de transferir todo mundo para o Mundo Invertido, por mais tentadora que essa piada possa parecer. A série abandona a sua temática infantojuvenil e elabora um enredo consideravelmente mais adulto. Contudo, sem deixar a experiência adulta demais. Os personagens ainda são adolescentes, forçados a crescer antes da hora por conta dos terríveis enfrentamentos contra Demogorgons, Devoradores de Mentes e afins. A quarta temporada acerta em cheio ao ser capaz de transmitir essa mesma ruptura pela qual os personagens estão passando.

Desta forma, o clima de terror transpassa a ficção científica e fornece uma dinâmica totalmente nova à obra. A atmosfera é mais pesada, as mortes estão mais gráficas e os inimigos da vez surgem muito mais palpáveis. Consequentemente, mais aterrorizantes. No meu grupo de primos no WhatsApp, vários deles falaram que não conseguiam assistir aos episódios de madrugada, porque eram muito assustadores. Detalhe: eles têm quase 30 anos de idade. Pessoalmente, eu não achei tão apavorante ao ponto de me deixar com medo à noite, mas, de fato, é uma mudança drástica.

O distanciamento físico dos personagens também traz uma dinâmica nova à série. Em uma comparação meio maluca aqui, é como Game of Thrones. Naquele universo, tem gente na Muralha, outros em Porto Real, Winterfell ou Correrrio. Alguns simplesmente estão viajando pela Estrada do Rei, enquanto Daenerys e seus lacaios trafegam por outro continente. É claro que Stranger Things não conta com dimensões tão gigantescas, mas a variedade das histórias funciona de maneira similar.

São vários arcos separados. Há a vivência de Eleven e Will na escola, a investida de Lucas no basquete, o grupo de RPG de Dustin e Mike, o emprego da Joyce, os traumas da Max, a prisão do Hopper… e incontáveis outros. Só no primeiro episódio, eu lembro de contar nove núcleos diferentes, se não me engano. Ainda que alguns estejam em grande divergência em relação a outros, todos acabam desembocando no mesmo caminho, de uma forma ou de outra.

Os novos personagens ajudam a deixar a estrutura ainda mais sólida. Todos eles, sem exceção, funcionam. O vilão Vecna é assombroso, grande parte por conta dos efeitos práticos utilizados na criação da sua aparência. O excêntrico Eddie é uma mistura de Dustin com Steve, possuindo dramas bem específicos que o tornam mais rico, narrativamente falando. O guarda Enzo no começo não parece muita coisa, mas suas interações com Hopper fortalecem o conjunto. Por fim, o enredo dos atletas perseguidores de nerds pode parecer meio chato no início, mas eu gostei da crítica social embutida nele.

É claro que, com tantos personagens em tela, alguns acabam sendo sacrificados. Nesta temporada, o trio formado por Mike, Will e Jonathan fica abaixo dos demais. Os dois primeiros estão apagados, mas o terceiro é totalmente desperdiçado. Eu quase o coloquei como Maior Decepção, mas quebrei esse galho porque a série está com muita gente importante sendo trabalhada. Inevitavelmente, determinados personagens abaixariam de nível. No entanto, isso não deixou de ser um pouquinho frustrante.

Por mais que a quarta temporada de Stranger Things tenha muito mais qualidades do que defeitos, eles estão lá. Discretos, mas estão. Eles surgem principalmente na resolução de problemas. Nesses pontos, o roteiro recorre a artifícios exageradamente simples, como a “força da amizade”, o famoso “você não precisa fazer isso, ainda dá tempo de voltar atrás!”, que nunca dá certo, e as elipses temporais confusas. Se uma situação exige que os personagens sejam rápidos pra evitar que uma catástrofe ocorra, não faz sentido eles andarem lentamente ou os eventos não transcorrerem na velocidade que havia sido estabelecida anteriormente.

Saudades da nostalgia das locadoras

Veredito

O nível de Stranger Things sempre foi altíssimo desde o início. Logo na primeira cena da temporada de estreia, já era possível perceber que estávamos diante de algo especial. Muitos fãs defendem a teoria de que a terceira temporada foi muito abaixo, ou de que a segunda ficou aquém. Pra mim, a série nunca esteve perto de oferecer algo ruim ou até mesmo mediano. Entretanto, eu reconheço que a obra poderia ficar repetitiva. Antecipando essa possibilidade, a quarta temporada muda de ares e nos entrega um apanhado simplesmente espetacular. As apostas são altas, já que a quinta e última temporada precisará estar à altura de sua antecessora. Isso porque não é loucura dizer que a quarta é o grande ápice da série até aqui. Nota final: 4,8/5.

Quando eu falava que era fã de Iron Maiden durante a infância, é assim que me imaginavam

 

>> 1ª Temporada de Stranger Things

>> 2ª Temporada de Stranger Things

>> 3ª Temporada de Stranger Things

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco

Nota nº 5: sabia que eu agora tenho um canal no YouTube? Não? Então corre lá pra ver, uai: Pitacos do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • Vamos começar pelos eventos mais impactantes da temporada: o Jonathan fumando maconha. Ele e o Argyle foram os melhores personagens, né, galera?! Beleza, brincadeiras à parte, é uma pena que resumiram o cara a apenas isso. Espero que na última temporada ele volte aos holofotes e ganhe mais profundidade. Deu pra sentir uma ligeira melhora nos últimos episódios, após a sua conversa com o Will.
  • Aliás, quero tocar nesse ponto. Todo mundo sabe que o Will é gay, certo? Pensei que isso seria confirmado de uma vez por todas nesta temporada. Jurei que teria alguma relação com o quadro que ele pintou. Na minha cabeça, ele tinha feito um retrato do Mike, e morreria se sacrificando pelo querido amigo. Não foi o que rolou, mas não dá pra disfarçar o sentimento. Tomara que Will também volte a brilhar na próxima temporada, com “ventinho na nuca” sendo o seu Sentido Aranha.
  • Não sabia que a Eleven era tão religiosa ao ponto de possuir uma relação muito forte com o Papa. Tô tão piadista hoje! Falando sério agora, eu jurava que o Brenner tinha morrido. Quando ele apareceu, forcei a minha mente a lembrar do que tinha rolado, e falhei. Por isso, precisei da ajuda dos meus amigos e da Internet. Aparentemente, um demogorgon colocou uma cicatriz no rosto dele, e só. Além do mais, na segunda temporada já havia sido revelado que ele estava vivo. Não me lembrava disso. Agora, não restam mais dúvidas: ele morreu!
  • Eu comecei a temporada girando meus olhos com todo aquele “soviéticos maus, americanos bons!” da série, mas depois me acostumei. Quando isso aconteceu, passei a curtir mais o arco do Hopper. A sua parceria com o Enzo, a Joyce e o Murray indo salvá-los e sendo traídos pelo Yuri, tudo dando certo no fim… muita coisa rolou ali.
  • Max Mayfield, reservei esse tópico só pra você. Que personagem! Com a ajuda de Kate Bush, ela conseguiu sobreviver ao Vecna e depois o segurou durante tempo o suficiente pra que seus amigos ferissem o vilão. Antes da Netflix lançar o Volume 2, um amigo meu comentou que achava que a Max morreria. Eu achava que não. No final das contas, nós dois acertamos, já que ela de fato morreu, mas a Eleven a trouxe de volta. Achei essa decisão um pouco covarde por parte do roteiro, então o mínimo que eu espero é que hajam repercussões depois dos braços e pernas da garota terem sido quebrados. Será que ela ficará cega?
  • Sobre a galera da cidade querendo matar o Eddie, eu achei uma analogia perfeita de como a sociedade demoniza o “diferente”. Pô, no mundo real, há poucos anos teve emissora de televisão dizendo que Assassin’s Creed tinha sido o catalisador pra um garoto assassinar a própria família. Os atletas machões serviram também pra mostrar como as pessoas podem ser influenciáveis, e como a gente às vezes se recusa a enxergar entes queridos com outros olhos. De tanto achar que a Chrissy era um anjo na Terra, o seu namorado jamais considerou a possibilidade de que ela pudesse estar com problemas. Diz muito sobre o ser humano.
  • Quem acompanhou meu pitaco da terceira temporada sabe que eu não gostava muito da Erica. Nesta temporada, eu comecei girando meus olhos quando ela surgiu na sessão de RPG vestindo a maldita bandeira dos Estados Unidos. Ao longo dos episódios, a personagem foi melhorando, e desta vez até que gostei dela.
  • Tadinha da Robin e de suas investidas amorosas. Será que agora vai com a menina de Anne With An E?
  • Uma pequena menção àquela cena de tiroteio envolvendo Jonathan, Mike e Will. Eu não costumo gostar muito de cenas do tipo, porque são sempre balas atingindo personagens coadjuvantes em uma tentativa de criar ação. No episódio em questão, a edição e montagem foram muito bem feitas, deixando a sequência bastante intensa.
  • E por falar em edição e montagem, esses dois aspectos roubaram a cena no último episódio. Com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, houve uma pressão palpável que foi me deixando cada vez mais tenso. Era o Hopper lutando contra os demogorgons, o Lucas brigando com o Jason, a Eleven duelando com o Vecna, e eu ficando maluco.
  • Ah, outra coisinha besta. O Hopper metendo a espada no demogorgon não lembrou o Neville Longbottom em Relíquias da Morte: Parte 2?
  • R.I.P. Eddie. É uma pena que o Will, um amante de D&D, nunca teve a oportunidade de conhecê-lo. Gostaria de ter visto mais dele, mas fez sentido o seu sacrifício. Se não fosse pelo Eddie, talvez os morcegos tivessem atazanado Steve, Robin e Nancy, evitando que eles derrotassem o Vecna.
  • Se teve alguém que adivinhou que o Vecna, o Um, o assistente do Brenner e o filho do Victor Creel eram a mesma pessoa, esse alguém tá mentindo. Eu até imagino que dava pra deduzir duas ou três dessas correlações, mas não todas. Quando falaram que o filho do Creel tinha ficado em coma e morrido só depois, fiquei com a pulga atrás da orelha, pensando em como ele não teria morrido na hora. No entanto, jamais teria feito a conexão. Grande reviravolta.
  • Agora, a pergunta que fica é: como matar esse diabo desse Vecna/Um/Henry? Steve e Robin tacaram fogo, Nancy meteu um monte de tiro de espingarda, e nada? Somente o poder da amizade poderá detê-lo novamente?
  • Durante os reencontros do último episódio, eu até consegui segurar as lágrimas por muito tempo. Porém, quando Eleven e Hopper se depararam um com o outro, aí não deu mais pra evitar.

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Max Mayfield
Eu quase confundi os nomes e coloquei Max Caufield aqui, por causa do jogo Life is Strange. Até os nomes das obras são parecidos, né? Enfim, falando sobre a Max Mayfield, aqui foi o grande momento de ela brilhar. A garota agarrou a oportunidade com as duas mãos e não decepcionou.

Nesta temporada, ela foi o Máximo

+ Melhor episódio: S04E04 (“Dear Billy”)
O capítulo final foi memorável, mas senti algumas “barrigas” em determinados momentos, assim como decisões criativas meio previsíveis. Quanto ao quarto episódio, esses defeitos não apareceram.

PERDEU TUDO!! VEJA COMO ESTÁ A SITUAÇÃO DE JIM HOPPER (VIVENDO DE ALUGUEL?)

+ Maior evolução: Nancy Wheeler
Nancy sempre foi uma personagem OK. Nunca foi ruim, mas também nunca se destacou. Nesta temporada, eu gostei muito de como deram importância a ela no sentido investigativo, demonstrando a sua bravura e coragem.

Pra que time será que ela torce? O FlumiNancy?

+ Maior surpresa: Vecna
Um dos maiores acertos da temporada esteve justamente no antagonismo. Como esse Rei da Noite Invertido aqui é o vilão, não tinha como deixá-lo de fora. Em uma nota de rodapé, também reforço que Eddie Munson foi incrível. Se não fosse pela qualidade de Vecna, ele teria assumido este posto.

Ajoelhem-se perante o Careca dos Tentáculos

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).