Ficção científica

Black Mirror: 6ª Temporada (2023)

black mirror 6

• Tecnologia experimental

Depois de um pouco de reflexão, cheguei a uma conclusão a respeito de Black Mirror. A série nunca foi somente sobre tecnologia, mas sim sobre o comportamento humano potencializado pela presença das diferentes tecnologias. Por isso, engana-se quem acha que os episódios têm a obrigação de apresentar algum dispositivo tecnológico bizarro que nos deixe apreensivos pelo futuro. A intenção original era abordar o modo como o ser humano perdeu a sua essência diante de tantas novidades através de telas e robôs. Por se reaproximar desse conceito e recolocar a tecnologia como um pretexto, e não como foco, a Netflix conseguiu entregar a sua melhor temporada desde a terceira. Contudo, não à prova de deslizes.

 

Episódio 1 – “Joan is Awful”

Imagine que você está assistindo Netflix (ou, no caso, Streamberry) e se depara com uma série em que a protagonista é baseada em você, e os episódios são acontecimentos reais de sua vida, pouco tempo depois de terem acontecido de fato. Pois essa é a proposta de “Joan is Awful”.

A sexta temporada de Black Mirror começa ao maior estilo Black Mirror. Aqui, a série faz uma homenagem às suas origens da maneira mais pura. Além do mais, o episódio de estreia é capaz de atirar para diferentes lados e criticar todo mundo. O roteiro aponta o dedo para nós, espectadores e consumidores, que assinamos contratos sem ler as letras miúdas. Ainda, o roteiro aponta os dedos pra própria Netflix, que não dá a mínima para as pessoas, contanto que elas gerem retorno financeiro por meio de visualizações. É a tal da espetacularização da tragédia, e a exposição constante a que estamos submetidos.

Eu gostei bastante deste episódio. O enredo me prendeu e, embora eu não tenha ficado com a cabeça girando ou altamente reflexivo como em outros momentos desta temporada, é provavelmente o capítulo mais fechadinho e redondinho.

Vampira do X-Men

Episódio 2 – “Loch Henry”

Esse aqui pra mim foi o episódio de maior teto, ou seja, o que teve os melhores momentos. A trama gira em torno de dois namorados, que almejam produzir um documentário de sucesso. Eles viajam para uma pequena cidade, a fim de visitar a mãe do garoto, e subitamente mudam o tema do filme que iriam filmar, quando decidem investigar os mistérios por trás de um serial killer.

Durante a maior parte de “Loch Henry”, os meus olhos ficaram grudados na tela e eu ansiava pelos desdobramentos seguintes. Há uma reviravolta bem interessante aqui, e o clima de terror, suspense e mistério é algo pouco visto em Black Mirror. Os personagens são bons o bastante pra fazer com que a gente se importe com eles, e o ritmo da narrativa é instigante.

O meu problema foi com alguns elementos do final, que abaixaram o meu apreço pela história. Não dá para eu entrar em detalhes, então vou deixá-los para a sessão de Observações Spoilentas, lá embaixo. De qualquer forma, não consigo entender qual a atração de obras de terror em construir personagens estúpidos. Só digo isso.

Um casal gamer s2

Episódio 3 – “Beyond The Sea”

Dois astronautas estão em uma missão espacial, fora da Terra. No entanto, ao mesmo tempo em que estão lá em cima, uma réplica de seus corpos está lá embaixo, no planeta. Mesmo dentro da nave, os homens são capazes de acessar os corpos e inserir as próprias consciências por meio de um cartão de acesso. Todavia, tudo muda quando uma tragédia acontece.

Esse aqui também é um exemplo de Black Mirror mais raiz. Quer algo mais Black Mirror do que uma tecnologia que permite duas pessoas a centenas de milhares de quilômetros estarem, essencialmente, em dois lugares ao mesmo tempo? O conceito de “Beyond The Sea” é, sem dúvidas, muito bom. Os personagens são complexos e acredito que as melhores interpretações da temporada estão aqui, com destaque para Aaron Paul, o Jesse Pinkman de Breaking Bad.

O meu maior problema com este episódio é que, apesar da ótima premissa e das sólidas atuações, o enredo é um tanto quanto… protocolar. E não digo isso no sentido de “ai, eu adivinhei tudo o que ia acontecer, sou mais inteligente que vocês!”. É mais no sentido de que a trama vai se desdobrando de tal forma que dá muitas pistas do que vem depois daquilo. O desfecho em si é inesperado, é verdade, mas o episódio não pega caminhos muito divergentes da premissa que propõe. Ainda assim, vale a pena assistir.

Astronomy, bitch!

Episódio 4 – “Mazey Day”

Ok, esse é o mais polêmico e controverso, não tem nem como discutir. Quase toda temporada de Black Mirror tem um episódio “ame ou odeio-o”. Na sexta, quem ocupa esse espaço é “Mazey Day”, que conta a história de uma paparazzi que abandona o ramo por questões morais, mas volta à ativa para tentar faturar uma grana ao procurar por uma atriz desaparecida.

O pontapé inicial do episódio é bem bom, ainda que um pouco disperso. A impressão que ele nos causa é de que voltará as atenções principalmente para a toxicidade da existência de paparazzi. Isso me chamou a atenção, pois sempre foi algo que me pegou muito. Eu concordo que famosos não têm o mesmo “direito” de privacidade que nós, cidadãos comuns, mas muita gente passa dos limites. A discussão que o texto propõe é super válida, até os minutos finais.

Sinceramente, não há o que eu comentar aqui sem trazer spoilers à tona, mas digamos que o episódio pega um caminho TOTALMENTE diferente do que estava trilhando. E não é uma divergência simples, é como se eu estivesse cozinhando ovo mexido e de repente colocasse uma colher de sorvete de morango em cima. Eu particularmente gostei da ousadia, mas concordo que é o episódio mais fraco da temporada.

Minha expressão durante a prova do Detran

Episódio 5 – “Demon 79”

Pra concluir a temporada, a gente acompanha a monótona vida de uma imigrante na Grã-Bretanha do meio do século XX, com toda a bagagem de preconceito que vem com isso. A vida dela vira de cabeça pra baixo quando encontra um talismã contendo um demônio, exigindo que ela sacrifique três vidas a fim de evitar o apocalipse.

O quarto episódio teve o ponto de virada mais diferente da proposta original de Black Mirror em toda a temporada, mas ainda apresentou alguns elementos característicos da série ao longo do capítulo em si. “Demon 79” é o que mais se distancia como um todo. Porém, ao contrário do que acontece em “Mazey Day”, aqui o distanciamento não causa propriamente uma sensação de estranhamento. Isso porque a trama é tão envolvente que me fez esquecer que estava assistindo Black Mirror, e passei apenas a curtir a jornada.

Gostei bastante deste último episódio da temporada, e acho que foi muito simbólica a maneira como a história foi conduzida, mostrando que a série deseja percorrer novos caminhos e se reinventar, fincando os pés em cima da temática de comportamento humano e deixando um pouco de lado a obsessão pela tecnologia maléfica.

E pensar que essa televisão já foi considerada de última geração

Veredito

A sexta temporada de Black Mirror pode ser definida como “experimental”. O criador Charlie Brooker claramente quis fazer algo diferente, e testar novos caminhos que a série pode percorrer. Em cima disso, o clima de terror é bastante explorado e evidenciado, assim como o desenvolvimento de personagens e como o ser humano pode ser levado a fazer coisas extremas por diferentes motivos, desde o amor até o sadismo. Não é o melhor conjunto de episódios, mas o nível talvez seja o mais parelho. Em outras palavras, não há aqui nenhum episódio espetacular, mas também não há nenhum ruim. E, só por não se limitar às mesmas coisas de sempre e tentar se arriscar, já ganha o meu respeito. Nota final: 3,9/5.

Diga xissss

 

>> 1ª Temporada de Black Mirror

>> 2ª Temporada de Black Mirror

>> 3ª Temporada de Black Mirror

>> 4ª Temporada de Black Mirror

>> 5ª Temporada de Black Mirror

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco

Nota nº 5: sabia que eu agora tenho um canal no YouTube? Não? Então corre lá pra ver, uai: Pitacos do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • Joan is Awful: quando surgiu a reviravolta de que a Joan que a gente acompanhou durante todo o tempo não era a Joan original, fiquei decepcionado comigo mesmo por não ter sequer desconfiado disso. E cara, a premissa desse episódio é muito boa. Foi interessante ver as plataformas de streaming sendo as grandes vilãs da vez, e achei perfeito o timing de criticar a utilização desenfreada da inteligência artificial. E a melhor parte disso tudo é que pudemos ver ninguém mais, ninguém menos do que o incrível Michael Cera.
  • Loch Henry: esse sem dúvidas foi o episódio que mais me prendeu. Toda aquela vibe de cidade pequena, um serial killer, investigação, documentário… e mano, fiquei chocado que os pais eram os piores o tempo todo. A sequência que quebrou um pouco com a minha apreciação do episódio foi a fuga da Pia. Parecia que eu subitamente tinha começado a assistir um filme de terror B, com uma personagem fazendo as coisas mais estúpidas possíveis. Se ela tivesse sido morta logo depois de descobrir a verdade por trás da sogra, pelas mãos da própria, acho que eu não teria ficado com essa sensação de quebra de expectativa. Ou até se ela tivesse morrido na pedra mesmo, mas se tivesse fugido com um pouco mais de inteligência, sei lá. Não sei se deu pra entender, mas é isso. Se não fossem essas questões, seria um dos meus episódios favoritos, incluindo outras temporadas no pacote.
  • Beyond The Sea: o conceito de estar no espaço e na Terra ao mesmo tempo é sem dúvidas o melhor da temporada, e as atuações, idem. A questão é que eu parecia adivinhar tudo que iria acontecer logo antes de acontecer, e olha que eu não sou dos mais inteligentes quando a pauta é essa. Tem cada reviravolta besta que eu compro. O único momento que realmente me deixou surpreso foi o David matando a família do Cliff, pois eu pensava que ele mataria o próprio Cliff e assumiria a sua vida. Mas mesmo assim, acho que foi um episódio que poderia ter pegado caminhos um pouco diferentes.
  • Mazey Day: quando o episódio estava criticando os paparazzi, eu estava adorando. Quando de repente a mulher virou lobisomem, eu fiquei me questionando acerca do que exatamente eu estava assistindo. Não foi algo que me incomodou a ponto de eu falar “affff, isso não é Black Mirror“, porque eu de certa forma gostei da maluquice do episódio. Só não o achei particularmente memorável, e acho que foi mais por conta dos personagens unidimensionais. Talvez uma duração maior tivesse beneficiado o roteiro.
  • Demon 79: se for parar pra pensar, pela visão de uma garota que nem a Nida, o apocalipse seria algo tão ruim assim? Sinceramente, uma sociedade que não tolera o diferente e tende a repetir os mesmos erros ao longo da história, provocando chacinas contra todos aqueles que não se encaixam, merecia mesmo tamanho esforço pra evitar o fim dela? Ok, eu acho que estou sendo meio pessimista, mas consigo entender que, para Nida, o apocalipse foi mais um alívio do que um problema. Tudo bem que estar fadada ao esquecimento eterno é o pior destino que eu poderia imaginar, mas sei lá. Melhor um esquecimento tranquilo do que uma vida de opressão, e que permanece até os dias de hoje? Não sei.

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Gaap
“Demon 79” pode não ser o melhor episódio da temporada, mas é impossível não se apaixonar pelo demônio Gaap. É o personagem mais carismático com muita margem para o segundo, e por isso torna-se marcante. Ainda assim, não poderia deixar de mencionar os protagonistas de “Beyond The Sea”, o episódio com o melhor desenvolvimento nesse quesito.

The Rolling Stones – Sympathy For The Devil

+ Melhor episódio: S06E02 (“Loch Henry”)
“Joan is Awful” é o mais regular. “Beyond The Sea” possui os melhores personagens e atuações. “Mazey Day” é o mais ousado. “Demon 79” é o mais subestimado. “Loch Henry” pode ter me deixado um pouco incomodado por conta de alguns aspectos de seu final, mas foi sem dúvidas o episódio que mais me deixou imerso. Pode não ter sido o melhor do começo ao fim, mas pra mim foi o que mais se destacou.

Segunda-feira de manhã

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).