Crime, Nacionais

LelecoNacionais #02 – Tropa de Elite (2007)

tropa de elite

• Eterna guerra civil

Entre as matérias ensinadas na escola, a mais importante é interpretação de texto. Eu concordo que todo mundo deveria ter pelo menos um conhecimento básico de matemática, química, física, história e geografia. Porém, a habilidade de interpretar é a mais fundamental, porque sua aplicação está presente em todas as disciplinas. Pra entender uma questão de lógica, é preciso interpretar. Pra compreender uma fórmula de exatas, é preciso interpretar. A falência dessa capacidade na educação brasileira leva a interpretações cada vez mais absurdas, e é aqui que eu chego em Tropa de Elite. Na época de seu lançamento, o filme surgiu como um símbolo da extrema direita. O diretor José Padilha precisou até fazer um segundo filme pra deixar as intenções mais claras. Contudo, não vou me adiantar. Vamos retomar esse quadro batizado de Leleco Nacionais, que teve início lá em 2019, com Bacurau.

 

Sinopse

Capitão Nascimento está farto de seu trabalho. Com o primeiro filho a caminho, o agente do Batalhão de Operações Especiais (Bope) do Rio de Janeiro tem intenções de deixar o cargo, mas antes disso precisa encontrar um substituto digno. Após um incidente sangrento em uma favela da cidade, os policiais militares Neto e Matias são resgatados e surgem como alternativas para ocupar a lacuna. No entanto, um pensa demais antes de agir e o outro, de menos, criando uma dúvida na mente do capitão.

Como eu me sinto quando tô jogando paintball

Crítica

Tropa de Elite é um dos filmes mais icônicos da história do Brasil. É um sucesso de crítica, mas a sua relevância vai muito além disso. A produção se encrespou na memória do brasileiro de maneira tão profunda que, se você perguntar pra qualquer pessoa do país se conhece a figura do Capitão Nascimento, ela vai confirmar. Ainda, há boas chances dessa pessoa dizer algo como “não vai subir ninguém” ou “pede pra sair!”.

Não há como negar que Tropa de Elite faz parte do imaginário popular, mas o filme em si vale a pena? Pode ter certeza que sim. O modo como a história é contada é o principal trunfo, através da narração do personagem do Capitão Nascimento. Uma curiosidade é que, nos planos iniciais de José Padilha, ele não seria o protagonista. Porém, depois da equipe dos bastidores se impressionar com a atuação de Wagner Moura, o roteiro foi alterado a fim de colocar os holofotes sobre ele. E o tempo é prova de que essa decisão foi acertada.

Capitão Nascimento não é o único bom personagem de Tropa de Elite. Na verdade, o que não falta no filme é isso. Matias (André Ramiro) e Neto (Caio Junqueira), por exemplo, possuem personalidades completamente distintas, mas compartilham valores semelhantes. Isso cria uma mistura interessante, ainda mais quando eles são os principais postulantes ao cargo do Nascimento, que por sua vez também tem ideias diferentes. Outros, como Fábio (Milhem Cortaz), Baiano (Fábio Lago) e Maria (Fernanda Machado), possuem destaques na trama e são igualmente bem utilizados.

A narrativa de Tropa de Elite é nua e crua, sem se preocupar em tomar um lado específico. Fica evidente que os policiais do Bope cometem frequentes excessos e, pela visão de quem não faz parte da corporação, são vilões cruéis e sem escrúpulos. Por outro lado, a constante pressão que os agentes vivem contribui para o sentimento de necessidade de repressão, ainda mais quando o inimigo fantasma do tráfico parece uma Hidra de Lerna: corta-se uma cabeça, surgem duas no lugar.

No final das contas, o filme cumpre o papel de expor uma realidade difícil que parece não ter solução. Quase 20 anos depois do lançamento de Tropa de Elite, a situação no Rio de Janeiro está cada vez pior, e não dá sinais de que vai melhorar. É uma obra importantíssima pro cinema nacional, mas que se torna ainda mais significativa por evidenciar um cenário lamentavelmente real.

Parece uma tela de abertura de GTA

Veredito

Se você é brasileiro e nunca assistiu Tropa de Elite, considere sua cidadania revogada. Brincadeiras à parte, apesar de ter se tornado um símbolo do mantra ideológico “bandido bom é bandido morto”, o filme apresenta uma história bem mais complexa do que isso, mostrando que tudo é questão de perspectiva. A escolha criativa e narrativa de José Padilha foi de expor as questões majoritariamente pelo lado policial, mas sem glorificar as ações da corporação. É uma aula de estudo de personagens, analisando todo um contexto social que teima em persistir até os dias de hoje.

Cenas icônicas do cinema brasileiro

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: pra saber sobre quais filmes eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco: Filmes

Nota nº 4: sabia que eu agora tenho um canal no YouTube? Não? Então corre lá pra ver, uai: Pitacos do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO O FILME. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • Impressionante a quantidade de cenas lendárias que Tropa de Elite possui. Temos o Capitão Nascimento ensinando o conceito de estratégia e deixando uma granada nas mãos de Matias; o Baiano dizendo que o morro tá muito tranquilo e depois pedindo pro Nascimento não atirar no rosto dele pra não estragar o velório; o Matias xingando os universitários em dois momentos diferentes; e por aí vai.
  • Eu acho muito doido como o Capitão Nascimento manipula o sentimento de luto do Matias em benefício próprio, após a morte do Neto. E eu acho ainda mais doido que, aparentemente, os agentes do Bope não se importam propriamente com os companheiros como pessoas. Vingar a morte de um outro policial é mais questão de honra do que algo movido pela amargura da perda.
  • Lembro até hoje que quando eu assisti ao filme quando criança, fiquei meio traumatizado com a cena do maluco sendo queimado em pneus. Pra falar a verdade, eu acredito que nem continuei a assistir depois daquilo. Digamos que Tropa de Elite não é a melhor coisa pra uma criança ver.
  • Uma das coisas que mais me agradam no filme é como o roteiro critica a hipocrisia de todos os lados. Os policiais lutam por uma pretensa justiça, mas não têm nenhum problema em torturar cidadãos inocentes para alcançar os objetivos, tudo em nome da “guerra”. Já os estudantes adoram citar discursos românticos na universidade, mas ficam de conluio com traficantes e até ajudam a revender drogas. Nesse sentido, pra mim o personagem mais lúcido é o Matias, justamente porque ele vive entre as duas realidades. Porém, é ao mesmo tempo o lugar mais perigoso em que uma pessoa pode estar.
  • É comicamente triste como o Bope, ilustrado pela figura do Capitão Nascimento, enxerga a noção de corrupção. Eles fazem de tudo pra forçar o Fábio a desistir, porque o policial fazia parte dos esquemas de desvio de dinheiro. Porém, quando precisam passar sobre múltiplas regras éticas e dobrar a lei a fim de deter uma parte do tráfico, a palavra corrupção sequer é citada. Bom, que eu saiba, corrupção não tem a ver somente com grana. Mas quem sou eu pra opinar, né?

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Capitão Nascimento
Não tem como falar de Wagner Moura sem citar o Capitão Nascimento. Tampouco podemos conversar sobre Tropa de Elite sem lembrar do cara. Quando pensamos no filme, a primeira imagem que vem à cabeça é a dele, ao som de Tihuana. A produção tem vários bons personagens, mas nenhum chega aos pés de Roberto Nascimento.

Paz e amor ✌️

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou do filme. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).