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AnáliseRicardo #16 – Guerra Civil tem direção sagaz e (quase) imparcial

guerra civil ricardo

• O fotojornalismo como central

O filme de hoje é um daqueles que me pega pela minha profissão e por ter um brasileiro em papel de destaque numa produção hollywoodiana. É claro, Wagner Moura já teve destaque em outros trabalhos, mas o fato de ele trabalhar com o Alex Garland foi uma cereja nesse bolo pra mim.

Hoje o filme dos comentários é Guerra Civil.

Eu, assim como o Wagner Moura, sou formado em Jornalismo. Lá a gente aprende que não dá pra ser neutro em várias coberturas jornalísticas, eu já até falei isso quando comentei sobre Anatomia de Uma Queda

O filme foi tratado por muitos como imparcial, só que tem um problema nesse pensamento. A escolha de quem vamos acompanhar nessa jornada é o motivo de que o filme não quer ser “imparcial”, busca falar sobre seus problemas e lidar com eles a partir da perspectiva dos jornalistas que estão cobrindo essa guerra civil.

O recorte começa de um lugar em que os jornalistas são bem tratados, ou minimamente respeitados, para um recorte que, no decorrer da viagem, mostra o desrespeito das pessoas para com os jornalistas. Então, como assistimos o filme por essa visão e temos os jornalistas como “os mocinhos” nessa história, é nítido de qual o lado que o filme se propõe a estar.

No entanto, o longa dirigido e roteirizado por Alex Garland faz algo que deixa essa possível escolha de lado ser irrelevante na questão. O filme abre espaço para a discussão.

Não apresentando os dois lados da moeda ou os dois corners do ringue, mas contando a situação que é viver nesse mundo. A escolha de transformar essa história em, praticamente, um “road movie” é o que realça ainda mais essa sensação.

Damos de cara com gente que não tá muito a fim de ajudar os outros. Tem também gente que se doa para ajudar as pessoas que lutam contra a ditadura que se impõe no país. Além disso, encontramos os amigos desses jornalistas e uma certa “milícia” que se propõe a ser o que é.

Esse cenário de explorar a devastação e os estados da guerra em diversas cidades é o que dá para o filme uma força. Só que, em paralelo a isso, somos apresentados ao que é mais importante nesse cenário de guerra para o meio jornalístico, os fotojornalistas.

Guerra Civil vem com a intenção de apresentar o cenário da guerra, não o que levou a isso. O longa vem para apresentar as pessoas e suas atitudes no meio da guerra, não o que levou elas a estarem lá. 

Em uma foto tirada por um fotojornalista de guerra, você consegue ver isso, mas sem uma pesquisa anterior ou posterior ao contato da foto, você não vai conseguir entender o que motivou as pessoas a tomarem as decisões que tomaram. O filme, de forma sagaz, trabalha essa visão do que pode ter acontecido simplesmente não mostrando.

Digamos que eu coloco uma foto de um soldado jogando uma granada. Você vai saber que é um soldado jogando uma granada.

Agora se eu falo que a próxima imagem é de um soldado que está na Guerra da Ucrânia, bom, o contexto vai te ajudar a entender a importância desta foto.

O longa se utiliza do título e do contexto de sua época, que são as eleições norte-americanas, para não precisar falar como chegamos nesse ponto, o que importa é que tem um cara tentando matar o outro e outro tentando matar o um, mesmo sem saber se esses caras podem ser do “mesmo lado” ou não.

A visão de apenas mostrar o que acontece realça os fotojornalistas no filme, o que nos leva para as personagens da Kirsten Dunst e da Cailee Spaeny. A Lee, interpretada pela Kirsten Dunst, é uma fotojornalista veterana de guerra, ganhando vários prêmios e tudo mais. A personagem Jessie, interpretada por Cailee Spaeny, é uma novata que tem sede de ser fotojornalista.

Cailee Spaeny e Wagner Moura

A Lee, ao longo de sua carreira, tem visto que apenas mostrar não está adiantando. Ela até fala em um de seus momentos que achava que “mandava as fotos como um recado para que não acontecesse isso” no país dela, no entanto, ela percebe-se ignorada por estar vivendo essa situação no seu próprio país.

Já a novata não só mostra como o trabalho da Lee foi importante, como mostra que ainda é possível fazer mais com essas fotos.

Aí entra a jornada mais incrível do filme, pelo menos para mim. A fotógrafa mais velha inicia essa jornada mostrando dando dicas e apontando locais para a mais nova fotografar, indicando até que helicóptero era importante fotografar. No entanto, com a viagem seguindo e com a convivência, é possível ver a mudança tomar conta dela aos poucos.

É possível ver a fotógrafa mais nova achando seu próprio ritmo, seus próprios enquadramentos e ela, que outrora era ensinada, agora faz com que a mais velha busque esse ritmo e esses novos enquadramentos junto dela.

Uma cena que realça isso está em um momento em que os personagens descem do carro e tentam não serem atingidos por um sniper. A mais nova busca o melhor enquadramento da foto, enquanto a mais velha busca apenas ver como a mais nova está vendo.

É simples, muito bem atuado por ambas as atrizes, muito bem escrito também, só que o destaque vai todo para a direção que apresenta a sensibilidade necessária, exigindo da fotografia que acompanhe os sentimentos, mostrando que a fotógrafa mais velha está voltando a enxergar cores e perspectivas novas.

Guerra Civil ainda apresenta a fotografia e o trabalho sonoro como seus melhores atributos, para mim. Mas é claro, a montagem e as atuações de seus protagonistas não podem ser esquecidas, assim como o argumento e a direção de Alex Garland.

Filmaço, vale a pena assistir da melhor forma que você conseguir.

Ricardo Gomes
O Sharkboy que estuda Jornalismo e ama o cinema

 

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Este texto faz parte de um quadro de colaborações com outros redatores. O artigo não foi escrito pelo maravilhoso Luiz Felipe Mendes, dono do blog, e portanto não necessariamente está alinhado às ideias dele.

Publicado por Ricardo Gomes

O cara que mais perde tempo assistindo TV e escrevendo sobre, segundo Michelle (minha gata).