Mistério, Séries

Broadchurch: 3ª Temporada (2017)

• Sem amor

Não é fácil tocar em um assunto assim. Falar sobre assédio sexual e estupro pode ser mais do que controverso, sobretudo quando se tenta mostrar o lado do agressor – a terceira temporada de 13 Reasons Why é um exemplo vivo disso. Contudo, o fato de um assunto ser delicado de se abordar não quer dizer que ele não possa ser tratado em nenhuma circunstância, pelo contrário. Na minha opinião, temas sensíveis como abuso, preconceito e injustiça precisam ficar às claras para que todos entendam o quão prejudicial (pra dizer o mínimo) é cometer atos do tipo. Naturalmente, a narrativa tem que dar um jeito de não espetacularizar, tampouco banalizar questões tão delicadas como essas que citei. Em sua terceira temporada, Broadchurch decide passar do assassinato de uma criança e o julgamento do caso para um novo acontecimento envolvendo o estupro de uma mulher de mais ou menos 50 anos. Uma mudança drástica, mas que conseguiu funcionar bem.

 

Sinopse

Alguns anos depois da resolução do caso Danny Latimer, Ellie Miller e Alec Hardy seguem na função de detetives da polícia. Ellie agora ocupa o cargo de sargento, enquanto Alec trabalha como inspetor. A região de Broadchurch esteve relativamente tranquila nos meses posteriores à morte de Danny, até o momento que Trish Winterman faz uma denúncia, alegando ter sido estuprada após uma festa na casa de amigos. Na noite em que aconteceu, a mulher recebeu uma pancada forte por trás em sua cabeça e não pôde ver quem a atacara. As demais lembranças se mostraram nebulosas, e, com as informações que conseguiram absorver, Ellie e Hardy iniciam mais uma jornada de investigação para descobrir quem violentou Trish Winterman.

Dá pra sentir a aflição e desespero apenas pelo olhar

Crítica

Logo de cara, dá pra sentir uma mudança de tom na série. Na primeira e segunda temporadas, o clima era cinzento, dando a impressão de algo melancólico. Na terceira, a sensação vai um pouco mais além: tudo parece escuro, lúgubre, agonizante. Os dois protagonistas também chamam a atenção. Percebi nitidamente o quanto cada um deles absorveu características do outro. Ellie se tornou um pouco mais séria, direta e experiente. Alec, por outro lado, ganhou um lado mais sensível, uma certa fragilidade que era comum nos primeiros anos da carreira de sua parceira, quando esta ainda estava se deparando com casos mais graves. A cidade de Broadchurch passou a ostentar cicatrizes, uma memória pulsante do que acontecera algum tempo antes com Danny Latimer. Os pais do garoto, inclusive, vivem momentos opostos. Beth tenta seguir em frente e embarca numa missão de assistente social. Mark, por sua vez, continua guardando o ódio do assassino de seu filho e não parece conseguir deixar o passado para trás.
A “casca” da terceira temporada é diferente, mas a estrutura é similar. À medida que os episódios vão avançando, detalhes sobre a investigação envolvendo Trish Winterman vão sendo postos às claras e vários suspeitos vão despontando. Ao contrário da primeira temporada, temos um certo filtro para tentar descobrir o culpado: o estuprador claramente é um homem. Porém, isso não torna mais fácil arriscar quem cometeu o crime. Diversas cartas são colocadas na mesa. Leo Humphries trabalha no ramo de pesca e apresenta uma aura cínica. Jim Atwood é o anfitrião da festa em que Trish foi violentada, e soa como se estivesse escondendo algo a todo momento, assim como sua esposa Cath. Ian Winterman é o ex-marido de Trish, que não parece ter superado o divórcio. Clive Lucas é um misterioso motorista de táxi.
Pessoas suspeitas não faltam na terceira temporada de Broadchurch, mas não é isso que a torna boa. O principal mérito da série neste ponto é a maturidade de sua trama e seus personagens. É como se a obra tivesse dado um passo à frente no quesito, consolidando-se como algo superior à temporada anterior. Ainda assim, a terceira não consegue ser tão instigante quanto a primeira. Além disso, embora os coadjuvantes tenham sido mais interessantes do que os da segunda – só de lembrar de Sandbrook já me dá uma certa preguiça -, eu pessoalmente não fiquei impelido a conhecer mais sobre eles. O desfecho é um tanto surpreendente, mas a conclusão não apresentou o brilho que a série merecia.

Poderia tranquilamente ser a capa de um álbum dos White Stripes

Veredito

A terceira e última temporada de Broadchurch herda qualidades da primeira, ao mesmo tempo que absorve defeitos da segunda. A narrativa está muito mais madura e os personagens principais alcançam o seu ápice, após serem muito bem desenvolvidos ao longo da série. O formato de apresentar muitos suspeitos e revelar aos poucos segredos do caso foi mantido, seguindo um modelo similar à primeira temporada, me deixando com vontade de saber o que tinha acontecido. O problema é que praticamente nenhum dos novos personagens apresentou carisma. Obviamente, suspeitos de um estupro não devem apresentar carisma no sentido de se mostrarem engraçadinhos, mas faltou um pouco de sal. Eu sinceramente não consegui sentir nada por eles, nem medo, nem raiva e também não me vi interessado em saber a respeito de seus dramas. Traço como paralelo a figura de Jack Marshall na primeira temporada. Era um personagem secundário, com mais camadas do que todos os coadjuvantes da segunda e terceira temporadas somados. De qualquer forma, a revelação do culpado é surpreendente, mas eu gostaria de ter presenciado um fim mais emblemático. Nota final: 3,7/5.

Sem risadinha

 

>> Crítica da 1ª Temporada de Broadchurch

>> Crítica da 2ª Temporada de Broadchurch

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • Eu não gosto do Mark, mas preciso reconhecer que é um bom personagem. Achei que a série trabalhou muito bem a maneira com que ele lidou com o luto e a necessidade de deixar claro o seu sofrimento de forma intermitente, por conta da culpa. Até considerei a ideia de que ele iria matar o Joe no final das contas, mas ainda bem que não o fez. De certa forma, a vida do Joe já tinha acabado. Embora o ideal fosse que ele pagasse sua pena na cadeia, o isolamento de tudo aquilo que conhecera foi pelo menos um alento.
  • Sobre a Beth, gostei dela muito mais aqui do que na temporada anterior, quando ficava culpando todo mundo sem um pingo de piedade. Achei legal que ela buscou ajudar outras pessoas a partir do seu trauma, e fiquei muito feliz de sua redenção com a Ellie.
  • A Maggie ficando pistola com o atual jornalismo fez eu me identificar bastante com ela, considerando que se trata da minha profissão. Achei legal também que, mesmo mantendo alguns princípios necessários para a boa execução de uma jornalista, Maggie não parou no tempo e decidiu se aventurar com vlogs. Muito bom.
  • Pirei no tanto que a Ellie foi dura com a nova detetive, Katie. Acho que foi justa em vários aspectos, até porque esconder que você é filha de um dos suspeitos do principal caso em investigação é uma baita falta de profissionalismo. Contudo, achei que a Ellie foi dura até demais com a novata, mesmo ela sendo excessivamente confiante. E é interessante notar que isso é um traço de personalidade herdado a partir do Alec. A Ellie da primeira temporada jamais trataria alguém daquele jeito.
  • É engraçado que em nenhum momento eu confiei no tal do Clive Lucas, mas também não achava que ele era o estuprador. O cara era esquisito, sem dúvida alguma, mas algo me dizia que devia ser outra pessoa. Acabou que ele tinha um misto de dignidade – afinal, assumiu o filho de sua companheira praticamente como seu – e desonestidade – seu histórico de traição era maior do que a cara de pau do Joe Miller na segunda temporada. Os Atwood também eram duas pessoas estranhas, mas acabaram não sendo culpadas do crime maior.
  • Quando tava lá pra metade da temporada, eu podia jurar que o estuprador era o sobrinho do dono da casa na qual foi organizada a festa dos Atwood. Teve uma hora que o anfitrião mencionou que o seu sobrinho passava um tempo lá de vez em quando, e imediatamente os alarmes soaram na minha cabeça. Passei longe.
  • Não dá pra dizer que o envolvimento do Leo Humphries foi inesperado, o moleque tinha uma puta cara de babaca, e sendo generoso. Agora, o filho adotivo do Clive, Michael, ter sido o estuprador realmente foi uma surpresa pra mim. Minha namorada adivinhou pouco tempo antes da revelação, mas ainda assim foi imprevisível. Pra mim o que ficou faltando foi um pouco de calma na posteridade. Pareceu que o tempo passou rápido demais entre a revelação e o fim da série.
  • Fred Miller, o filho da Ellie, só apareceu na temporada pra ver pornografia no celular. Bela participação.
  • Ok, o ex-marido da Trish acabou não sendo o estuprador, mas pqp, hein? O cara stalkeava na alta. Aliás, só teve homem esquisito nessa temporada, com exceção do anjinho Alec Hardy, né? O que torna ainda mais difícil acreditar em suas palavras, quando afirmou que Leo Humphries não simbolizava o que era ser um homem, pois Humphries era uma aberração. Complicado.
  • Vejo você amanhã, Miller. E assim terminou a saga de Broadchurch. Vai fazer falta :’)

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Ellie Miller
Eu fico impressionado com essa mulher. Olivia Colman deu um show de atuação e entregou uma personagem que mudou demais desde o início da série, e não de maneira forçada. Cada novo traço de personalidade teve um porquê, nenhuma de suas evoluções – para o bem ou para o mal – ficou sem justificativa. Quando analisamos a Ellie do primeiro episódio de Broadchurch e a Ellie do último, dá pra sentir claramente como ela foi moldada pelos eventos que presenciou, e isso é uma qualidade gigantesca do roteiro. Alec Hardy, como sempre, também foi brilhantemente interpretado por David Tennant.

Aquela enquadrada básica

+ Melhor episódio: S03E08 (“Episode 8”)
Eu não gostei de alguns aspectos do final – falei um pouco mais sobre isso nas Observações Spoilentas -, mas a série terminou sem trair o que tinha feito desde o início. A conclusão não foi feliz, tampouco triste. Foi uma conclusão extremamente Broadchurch, e as interações entre Ellie Miller e Alec Hardy vão deixar saudades.

Eu depois de subir os créditos na tela

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).