Ficção científica, Séries

3%: 4ª Temporada (2020)

• A revolução dos 97%

Estou escrevendo este pitaco na madrugada do dia 6 de fevereiro de 2021. Atualmente, a Netflix lançou em sua plataformas 28 séries diferentes com o idioma principal não sendo o inglês (se a minha infalível fonte, Wikipedia, estiver correta). Dentro desse número, 10 são brasileiras, ou seja, 35,7% do nicho. Em segundo lugar, estão a Espanha, o México e o Japão, todos empatados com 3 obras cada, equivalentes a pouco mais de 10%, individualmente falando. Em outras palavras, se somarmos todos os países da segunda prateleira, eles ainda assim ficariam atrás do Brasil. Tudo bem que as produções de maior sucesso internacional, se levarmos em conta essa contagem, são La Casa de Papel Dark, mas 3% foi pioneira. Além de ter sido a primeira série nacional da Netflix, lá em 2016 (a efeito de comparação, a primeira série geral da plataforma, House of Cards, foi lançada em 2013), ela serviu para confirmar de vez o potencial de outras nações entre os consumidores da principal empresa de streaming do mundo. Deixando um pouco de lado o enredo, as atuações e os aspectos técnicos, 3% terá para sempre a sua relevância no universo nerd, e será eternamente uma referência para nós, brasileiros. Por isso, antes de iniciar a minha crítica, eu aplaudo humildemente os responsáveis pela série. Vocês estão marcados na história.

 

Sinopse

Na temporada passada, os habitantes da Concha mostraram pro Maralto que não eram bobos e conseguiram aprisionar diversos soldados mais Marcela Álvares, a principal responsável pela manutenção da “segurança” do Lado de Lá. Agora, os dois lados estão vivendo uma espécie de Guerra Fria. O Maralto, comandado pelo querido irmão da Michele, André, convida educadamente alguns representantes da Concha ao Paraíso para que discutam os próximos passos envolvendo os cativos do Lado de Cá. Os mocinhos aceitam, mas apenas para que consigam colocar em prática o plano de destruir o Maralto de uma vez por todas e promover a igualdade social. Para isso, precisam explodir um pulso eletromagnético no local. Será que eles vão conseguir? E, mesmo se conseguirem, será que a tão sonhada igualdade vai se concretizar?

“Para seguir até o fim, é preciso voltar ao início” – LELECO, Pitacos do

Crítica

Melhor do que a segunda, inferior à terceira e à primeira. O encerramento de 3% é muito mais sóbrio do que eu imaginava, e isso acabou sendo uma faca de dois gumes. A primeira perspectiva é a positiva. Desde que eu escrevi o pitaco da primeira temporada, eu ficava esperando que a série deixasse de lado alguns elementos problemáticos, como os diálogos nada naturais e a ambientação por vezes confusa. Em sua última temporada, 3% fez exatamente isso. As conversas entre os personagens ganharam mais profundidade, e isso foi uma ótima adição. Os cenários estão menos caóticos, e o contraste entre o Continente, a Concha e o Maralto nunca esteve tão claro.

A segunda perspectiva é a negativa. Sim, eu gostaria que adotassem uma abordagem mais séria e dramática, com uma atenção maior ao roteiro. Porém, aplicar isso no ano de despedida da série tornou a experiência um tanto quanto confusa. Após passar três temporadas observando os figurantes e me frustrando com a falta de pausas entre os diálogos, a inversão súbita de todos esses defeitos fez com que a série perdesse um pouco de seu charme. É claro que foi um alívio não notar certos deslizes, mas 3% ficou séria demais pro meu gosto. Naturalmente, a trama exigia um peso maior de dramaticidade, mas a leveza com que a narrativa era contada desvaneceu-se totalmente, fazendo com que eu perdesse parcialmente o apego pela maioria dos personagens e contemplasse um vilão meio vazio. O elenco está mais seguro com seus respectivos papéis, mas os personagens estão mais indefinidos, incompletos.

Quanto à história em si, ela conseguiu ser competente. Na primeira temporada, a maratona era fácil porque eu ficava com vontade de saber quem seria eliminado no Processo e quem continuaria firme. Começos de distopias são quase sempre alucinantes e magnéticos. A segunda temporada se perdeu em alguns caminhos, mas a terceira recuperou o ritmo da primeira e reconquistou aquela minha vontade de maratonar. A quarta é um caso à parte. Ela não é tão instigante quanto as de número ímpar, mas o aumento gradativo de pressão, no rumo à revolução fictícia, deu solidez à temporada. 3% subverte algumas regras do gênero e fica imprevisível em seu estágio final, e eu genuinamente não sabia o que esperar da conclusão. Bom, na verdade, algumas coisas ficaram óbvias para mim, mas a decisão derradeira ainda era um mistério. Em um gênero tão saturado quanto o da distopia, isso é uma grata qualidade.

A quantidade menor de episódios também foi uma surpresa. Não consigo entender qual é essa tendência do mercado de fazer a temporada final de uma série com menos episódios. Às vezes, as produtoras inflam tanto as temporadas com uma quantidade desnecessária de capítulos que, quando chegam na beira de um cancelamento, decidem resumir tudo para que as obras sejam finalizadas dignamente. Ok, talvez eu esteja exagerando. Afinal de contas, a primeira e a terceira temporadas possuem oito episódios, enquanto a quarta tem sete. Entretanto, não podemos deixar de lembrar que a segunda temporada contou com dez capítulos, e coincidentemente foi a mais cansativa. De qualquer forma, 3% conseguiu alcançar seu fim da linha sem enrolações, indo direto ao ponto e resolvendo os conflitos de maneira assertiva.

Direita contra esquerda

Veredito

No início, foi simultaneamente estranho e agradável ligar a Netflix e ver um mundo em que a galera falava português, e não o habitual inglês. Depois de me acostumar, percebi que não estava mais enxergando 3% como uma série brasileira, mas sim como uma série igual a qualquer outra. A quarta temporada veio para coroar o ano de encerramento da nossa joia nacional. Não, ela não foi isenta de defeitos. Os personagens perderam brilho e carisma, a trama ficou fragmentada e deixou muita coisa inacabada, e o ritmo oscilou entre bem dosado e empacado. Em contrapartida, a série demonstrou a sua personalidade, acrescentou uma certa sobriedade e enveredou por um desfecho original e esperançoso, afastando-se do clichê. Foi um encerramento condizente com a mensagem da série, e deixou um gosto inconfundível de nostalgia no ar. Nota final: 3,6/5.

Grupinho do barulho

 

>> Crítica da 1ª Temporada de 3%

>> Crítica da 2ª Temporada de 3%

>> Crítica da 3ª Temporada de 3%

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • Afinal de contas, a mãe da “Luana Joana” era a Verônica ou não? Achei legal que mantiveram esse mistério, mas o meu ímpeto curioso gostaria de saber a verdade.
  • Eu poderia jurar que o conflito final seria dos mocinhos ativando o pulso eletromagnético e destruindo o Maralto no último episódio, deixando o gancho do futuro em aberto. Não esperava nunca que fariam isso na metade da temporada, deixando três capítulos para que todos os conflitos se resolvessem.
  • Cara, a Glória ficou bem apagadinha na temporada, né? Mesmo sendo insuportável no quesito lealdade, querendo ou não ela foi uma das grandes protagonistas da terceira. Vê-la acuada daquele jeito foi um pouco desconfortável. Ainda assim, deu tempo de ela sabotar o Xavier e a Concha em geral na missão do PEM e, de quebra, ajudar a Marcela. Pensei que fosse morrer no final, mas viverá tendo plena consciência de seus graves erros.
  • Vamos combinar que o destino do Marco foi o mais glorioso, certo? Não tem nada mais poderoso do que morrer em uma praia numa ilha radioativa, após destruir o sistema e renegar os valores da própria família, incluindo o Ney Matogrosso. Você será lembrado, Marcão.
  • Assim como a Glória, é impressionante como o irmão do Rafael sumiu da temporada. Foi ponto chave nos acontecimentos anteriores e pouco apareceu na sequência da história. Não vou dizer que fez falta, sinceramente. Sobre o Rafael, também ficou bem apagado na temporada, mas fez parte dos atos finais, redimiu-se com a mãe, abraçou a Joana e é isso que vale.
  • Quão irônico é o fato de que a Laís, participante do Trio Fundador, morreu de forma patética no Continente? Adoro essas brincadeiras que a vida prega. É incrível como cada um dos membros do Trio Fundador teve um destino horrível. Isso diz bastante sobre o alicerce do Processo.
  • Gostei bastante da dinâmica da “batalha final” com a Joana, o Rafael, o Xavier, o André, a Marcela e a Verônica. Foi bem teatral aquela junção deles, mas eu perdoo. Foi bom demais ver o André se desesperando com a sua derrota e mandando a galera atacar a Joana. Eu fico pensando se fosse eu naquele desafio, certeza que não conseguiria traçar aquelas estratégias loucas.
  • Marcela foi deixada totalmente de lado pra que o André brilhasse, é uma pena. Fico curioso a respeito do que deve ter acontecido com a vilã depois da dissolução das divisões sociais. Será que ela eventualmente ficou tranquila com o rumo que as coisas tomaram? E, mais importante, como será que ficou a situação política e social daquele mundo? Perguntas e mais perguntas.
  • Gostaria que a série tivesse traçado mais paralelos com as primeiras temporadas. Adorei que trouxeram de volta a Ariel e a Cássia e resolveram a questão do Conselho do Maralto, mas senti falta de uma maior conexão com os primórdios de 3%. Mostrar o que rolou com a Causa, com personagens secundários que não apareciam há muito tempo… teria sido interessante.
  • André com A de Abel. Se bem que foi o Caim que matou o irmão, né? Ah, esquece essa analogia. Sobre o fratricídio, estava bem na cara que aquilo iria ocorrer. Se o destino da Michele tivesse sido outro, aí é que eu teria ficado surpreso. Líderes de revoluções frequentemente se dão mal. E acabou que o irmãozinho dela também morreu no transporte pro Maralto, enquanto sufocava com falta de ar. Merecido.

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Joana
Ela vinha beliscando esse prêmio há tempos. Em todas as temporadas anteriores, ela foi a segunda melhor personagem. Agora, conseguiu o mais alto posto, apresentando o arco mais humano e satisfatório entre todos eles.

Fones de ouvido do Maralto

+ Melhor episódio: T04E04 (“Submarino”)
Conteve a decisão mais arriscada da série, pelo perigo de ter ocorrido muito cedo. Contudo, funcionou perfeitamente bem.

Quando você se senta para aliviar o intestino e vê uma borboleta linda no gramado *—*

+ Maior evolução: Xavier
Eu concedo esse prêmio com um certo asterisco. Achei que a mudança que fizeram no Xavier foi radical demais, aniquilando seu jeito brincalhão. Entretanto, ele definitivamente evoluiu, embora eu gostaria que a ação tivesse sido feita de maneira mais sutil.

Como eu me senti quando me alistei ao Exército

+ Mais subestimada: Natália
Eu queria ter dado esse prêmio na temporada passada, mas resolvi conceder nessa. Ela foi fundamental para os acontecimentos darem certo, e foi uma das únicas personagens que não fizeram merda em suas trajetórias. Parabéns!

É, não achei foto dela sozinha, me processem

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).