Drama, Séries

Dear White People: Volume 1 (2017)

• Pontos de vista

Antes de mais nada, eu sou branco. Sim, um homem branco e heterossexual. Aonde eu quero chegar com isso? Na questão dos privilégios sociais. Durante praticamente toda a minha infância e parte da minha adolescência, eu nunca tinha percebido o quanto era privilegiado. Meus amigos eram brancos. Minha escola tinha, em sua maioria, alunos brancos. Com certeza, eu proferi muitos discursos racistas na minha vida sem nem perceber. A partir dos meus 15 anos, mais ou menos, comecei a me dar conta de algumas coisas. Existiam pessoas de todos os tipos, e cada uma deveria ter os mesmos direitos. Com o passar do tempo, fui evoluindo neste aspecto. Obviamente, ainda tenho muito a aprender, mas o Leleco de hoje é bem diferente do Leleco de anos atrás. Ainda bem, né?

 

Sinopse

A Universidade Winchester é como qualquer outra dos Estados Unidos. Estudantes divididos em castas (atletas, cheerleaders, nerds…), festas em que a galera bebe álcool ilegalmente, pressão psicológica, sensações de autodescobertas e, é claro, preconceitos. Defendendo a causa negra, Sam White (sim, um sobrenome irônico) é a típica militante de faculdade, tentando fazer valer a sua voz para melhorar o ambiente em que vive. Seu discurso se torna ainda mais importante quando certos alunos decidem fazer uma festa blackface (na qual pessoas brancas pintam o rosto tentando se assemelhar grotescamente aos negros) e a tensão explode de vez na universidade. Contudo, Sam esconde um segredo controverso. Apesar de todas as suas falas, ela namora um homem branco. Será que isso vai afetar a sua luta?

Tenho quase certeza que não é assim que se usa um headphone

Crítica

Dear White People é bem diferente do que eu esperava. Após assistir ao primeiro episódio, eu achava que a série trataria meio que exclusivamente sobre a questão racial na Universidade Winchester. Porém, o formato não se restringe a isso. A cada episódio, a série é contada a partir do ponto de vista de personagens variáveis. No primeiro, a trama passa pelos olhos de Sam. No segundo, temos a luz sobre Lionel Higgins, um acanhado garoto negro recheado de questionamentos sobre a própria sexualidade. No terceiro, Troy Fairbanks vive dilemas acerca de seu status dentro da faculdade, e assim por diante. Entre os dez capítulos da primeira temporada, seis personagens diferentes lideram os pontos de vista, tornando a produção bastante dinâmica.

A maior qualidade de Dear White People é também a sua principal inimiga. A variação de protagonistas faz com que conheçamos com profundidade os personagens. Quando o foco está na Sam, por exemplo, a tendência é de que concordemos com os seus posicionamentos. Assim que as atenções voltam para Coco Conners, por exemplo, não consegui deixar de sentir empatia por ela e discordar de algumas das falas da Sam. Todos os personagens centrais da série são multidimensionais, repletos de camadas que parecem não ter fim. Isso desemboca em uma característica única e difícil de alcançar, sobretudo em uma obra que tem como ponto chave a maneira como indivíduos distintos reagem a acontecimentos de acordo com suas vivências. Normalmente, séries e filmes induzem o espectador a concordar com o protagonista. Quando Dear White People troca de protagonista a cada episódio, dá uma profundidade ao enredo e faz com que a gente acabe não concordando totalmente com ninguém, mas sim com fragmentos das filosofias de cada um.

O único problema desse sistema é que alguns arcos são claramente inferiores a outros. A série começa a 200km por hora com a Sam, mas o ritmo cai drasticamente no episódio seguinte. Lionel é um bom personagem e sua história é interessante, mas digamos que não é lá muito original. Além disso, a narrativa estava tão acelerada que a mudança de velocidade quebra um pouco a experiência. Pra mim, os melhores capítulos foram aqueles que tiveram como enfoque os posicionamentos quanto às lutas raciais. A série também acertou em cheio ao destrinchar os pensamentos do único protagonista branco, ao mesmo tempo em que não o trata como o “salvador branco”. Todos os personagens têm defeitos, e com Gabe não é diferente. Isso dá uma sensação de veracidade imensa, pois todos eles são seres humanos com seus lados falhos e suas virtudes.

O sarcasmo pulsante de Dear White People também é notável. O roteiro exagera em certos momentos e faz com que a obra ganhe um certo ar de caricatura, mas não é bem assim. Algumas opiniões exprimidas na série são absurdamente revoltantes, mas se tirarmos cinco minutos pra olhar o que tá acontecendo atualmente nos EUA, dá pra saber que a ficção não é tão diferente da realidade assim. As redes sociais são a maior prova disso. As falas dos membros da Pastiche, uma das revistas mais influentes de Winchester, parecem ter vindo diretamente da conta de alguém chamado Conway48590345 no Twitter. Certas ocorrências fazem o nosso sangue ferver, ao mesmo tempo em que sentimos impotência não só pelos personagens em tela, mas por saber que aquilo não acontece apenas no âmbito imaginário.

O roteiro é muito bem amarrado. A série consegue conectar a vida adolescente com a proposta da própria série sem que isso pareça forçado. Tudo o que acontece na primeira temporada poderia facilmente ter acontecido daquele mesmo modo na vida real (e várias coisas realmente ocorreram). Os diálogos são inspirados, porque somente assim poderíamos concordar e discordar dos personagens com um embasamento decente. A fotografia é executada de maneira firme, sustentando-se na jornada estressante de universitários.

Seria ele o legítimo esquerdomacho?

Veredito

A verdade é que todo mundo deveria assistir a Dear White People. É uma pedida obrigatória principalmente para os estadunidenses, mas não ficamos tão atrás assim não. A série criada por Justin Simien (o qual dirigiu o filme do mesmo nome) e narrada por Giancarlo Esposito (o Gus Fring de Breaking Bad) tem muito a dizer, e sabe bem como dizer. Sem cair em repetições preguiçosas, mas salientando repetições teimosas da nossa realidade, a obra transita pelas mentes de seis personagens diferentes, cada um deles com um jeito específico de enxergar o mundo. Não existe o certo ou o errado absoluto, pois todos eles acumulam um pouco de ambos. A primeira temporada é bastante fácil de maratonar, pois não dá pra não querer saber o que vai acontecer a cada desdobramento. Nem sempre o ritmo é uniforme; a troca constante de protagonistas desnivela a narrativa, porque alguns núcleos não são tão enérgicos quanto outros. Entretanto, é uma produção competente e que vale a pena conferir. Nota final: 4,4/5.

Lionel Higgins, picks up the rice in the church where a wedding has been  ♪

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • Sam é provavelmente a personagem mais hipócrita da série. Apesar de falar constantemente que negros devem namorar negros, foi lá e se apaixonou por um branco. Em vez de criticar os brancos no poder em seu programa, ficou falando mal do Troy e da Coco e expondo áudios deles. Se você quer militar por uma causa, o mínimo que deve ter é bom senso e firmeza nas suas atitudes. Ela fez muita coisa certa, como dar visibilidade a algo que não tinha muita, além de promover lições importantes. Contudo, ficou devendo.
  • Lionel Messi foi o MVP do final. Mesmo com toda a sua timidez, o cara foi lá e falou na cara da galera sobre tudo o que tava rolando. Agora, deixou os doadores em uma sinuca de bico, pois se retirarem o dinheiro, vão apenas provar o ponto do Lionel. Sobre os seus outros núcleos, ri muito daquele quase ménage com os dois alunos de teatro, e fiquei surpreso com o editor o beijando no fim. Será que vem aí um romance daqueles?
  • O Troy é um personagem complexo. Tinha hora que eu falava pra tela “não, cara, seja mais enfático” e tinha vez que eu afirmava “tá fazendo certinho“. E era óbvio que ele teria algum podre oculto, né, só não sei o que o carinha da Pastiche vai fazer com aquele vídeo do Troy ficando com a professora “lésbica”. Tô curioso pra saber se a chantagem ainda continuará rolando. Ah, e foi muito louco ver o Troy quebrando o vidro no final pra depois ser preso. O pai reitor dele agora entendeu de vez do que a galera estava falando.
  • Coco, o que dizer dela? É claro que poderia ter sido mais incisiva em suas falas, pois para as outras pessoas dava a impressão de que estava simplesmente desiludida, conformada. Porém, dá pra entender o seu cansaço com tudo. Sua vontade de se encaixar e provar que não é pior do que ninguém, a sua habilidade nata de liderança… subestimada demais. E ainda se livrou do Troy, que foi cuzão com ela. Vamos ver o que teremos pela frente.
  • Velho, o Reggie. Que ódio deu daqueles policiais. E também fiquei um pouco assim em relação a Sam, que parecia querer usar a dor do amigo/amante em prol da causa. Talvez não tenha pensado isso no primeiro momento, mas é uma situação bem difícil e pelo menos ela entendeu posteriormente. Sobre o Reggie, eu não gostei muito da maneira como ele agia em relação à Sam, como se fosse um troféu ou estivesse destinada a ficar com ele por causa de sua cor. Entretanto, no acontecimento envolvendo os policiais, não tinha como não ficar do lado dele.
  • Sobre o Gabe, vamos lá. Como um homem branco, não vou mentir dizendo que eu não me identifiquei com alguns de seus posicionamentos, mas não dá pra defender a sua ingenuidade ao chamar a polícia naquela festa. Tudo bem que ele não fez por mal, mas ainda assim foi uma decisão pra lá de imbecil. Quanto ao seu relacionamento com a Sam, acho que nesse caso ele tá certo.
  • Podemos concordar que o Rashid é o rei da série, né? O momento em que ele falou pra aquele caboclo não zoar o inglês dele, considerando que falava cinco idiomas e o outro só falava um, foi pura poesia. Gostaria de saber mais sobre suas motivações.
  • E por falar em realeza, temos a Joelle. Foi provavelmente a única personagem principal que não fez nenhuma merda grande, pelo menos não que a gente saiba. Quero logo episódios contados a partir de seu ponto de vista. Ah, e quero até ver o que vai acontecer a respeito de sua paixonite pelo Reggie.
  • Caros redatores do Pastiche, vão se ferrar. Sério, insuportáveis demais. E o povo protestando por conta da morte daquele atleta idiota lá, pelo amor de Deus. Reclamem com a gravidade.
  • Será que a trama central da próxima temporada será a busca pelo cachorrinho perdido daquela garota, como foi mostrado na cena pós-créditos? Sei que ela era meio assim, mas senti um pouco de pena. Achei que o pessoal da casa foi um pouco duro. Ajudem a procurar pelo animalzinho, pô!

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Colandrea “Coco” Conners
Os meus favoritos foram Rashid e Joelle, mas não é disso que o prêmio de Melhor Personagem se trata. A primeira temporada teve três destaques principais: Lionel, Troy e Coco. Lionel acaba ficando pra trás porque seus arcos foram os mais fraquinhos, na minha opinião. Troy demonstrou um contraponto sólido à militância de Sam, mas Coco está em outro nível. Os seus traumas do passado construíram totalmente a sua personalidade, e cada ação dela é totalmente justificada.

Cocolaborou bastante com a temporada

+ Melhor episódio: S01E05 (“Chapter V”)
Arrepiante e revoltante, terminei o capítulo sem nem conseguir respirar direito. Isso é mérito de um bom roteiro e ótimas atuações.

Olha o jeito que ele Reggie a festa

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).