• Transcendência negativa
É muito mais fácil saber começar do que acabar. Afinal de contas, uma boa ideia pode surgir a qualquer momento, na mente de qualquer pessoa. Essa é a parte simples. Difícil é conseguir desenvolver a premissa em questão. Jason Rothenberg, showrunner de The 100, não soube iniciar bem a sua trajetória. A primeira temporada tinha uma temática interessante de pós-apocalipse, mas o clima excessivamente adolescente do enredo ia de encontro com assuntos mais pesados que a série queria abordar. Nas temporadas seguintes, o roteirista ajustou o curso e a obra ganhou força, até chegar ao ápice entre a terceira e a quinta temporadas. A série tinha a faca e o queijo na mão, com um final perfeito e que fazia jus a tudo que havia sido construído até ali. Foi então que veio a sexta temporada, que mais parecia um epílogo ou spin-off, mas que ainda teve seus momentos. Quanto à sétima e última, não tenho palavras pra defender o desastre e o desrespeito com os fãs. E olha que eu nem sou fã.
Sinopse
Em Sanctum, os nossos terráqueos favoritos impõem uma nova ordem após a destruição dos Primes. Mais complicado do que derrubar um regime é reconstruir uma sociedade com novos valores e ideais. Afinal, o que é a revolução sem o resultado? Apenas uma revolta sem propósito que enxerga um futuro imediato, mas não tem a mínima noção do que fazer a longo prazo. Os terráqueos sofrem exatamente com esse dilema, diante de uma tensão que começa a crescer entre os habitantes do planeta. Paralelamente, outros personagens são sugados para a Anomalia, de forma literal e simbólica. Quais mistérios estão por trás de tal fenômeno? Eles vão descobrir que a resposta está mais perto de casa do que imaginam.
Crítica
Todo mundo odeia finais ruins. Quer dizer, eu não posso falar por todo mundo, né, mas eu pessoalmente odeio. Especialmente quando se abre mão de um ótimo desfecho pra continuar uma história sem necessidade. Pô, vai me falar que a conclusão da quinta temporada, com Clarke e Bellamy abraçados e observando um novo planeta habitável, não era um jeito perfeito de encerrar a série? Todos os elementos estavam ali. O senso de sobrevivência gerando frutos, a profunda relação entre dois dos personagens principais, uma promessa de esperança, a despedida de Monty e Harper, a curiosidade de deixar no ar o que acontece depois daquilo. Um spin-off poderia funcionar, com outros personagens da geração seguinte à de Clarke e Bellamy, por exemplo. Quando decidiram continuar a série, o legado de The 100 foi colocado em risco.
Mas, antes de falar por que o final em si é ruim, vamos falar da sétima temporada como um todo. Se tem uma coisa que eu detestei neste último ano da série, foram as decisões tomadas pelos personagens. Não sei se você, que está lendo este texto, gosta de futebol. Porém, teve um meme recente do comentarista Júnior, no qual ele diz que é preciso “girar a faca” quando o seu inimigo está agonizando. O que isso quer dizer? Bom, se você tem a chance de acabar com um adversário de uma vez por todas, por que hesitar?
Pois bem, The 100 hesita. E muito. De maneira irritante. A galera teve não uma, não duas, mas trocentas oportunidades de acabar com um certo antagonista. Em vez de fazer isso, eles recorrem a questões morais que nada mais são do que uma desculpa do roteiro para manter uma trama que já deveria ter acabado. O problema é que, quando o roteiro insiste nisso, enfraquece todo o produto. A sensação é de que a série está tentando enganar o espectador até que a obra chegue a 100 episódios pra terminar tudo de forma simbólica. E, para chegar nesse ponto, o roteiro desiste de pensar em histórias novas e coloca os arcos em banho-maria até encerrar tudo da maneira mais esquisita possível.
Os diálogos são sofríveis. Não sempre, mas constantemente. A Indra é uma grande vítima disso, infelizmente. Eu gosto da personagem, mas ela foi uma das maiores decepções desta temporada. Toda vez que tinha a chance de ganhar do vilão, soltava uma frase de efeito antes do golpe derradeiro, dando a oportunidade do dito cujo escapar. Além disso, o enredo se esquece de utilizar as conveniências que ele mesmo criou. O maior exemplo é a invisibilidade dos trajes dos capangas do mal. Inexplicavelmente, tanto eles quanto os mocinhos parecem se esquecer desse recurso em momentos-chave que poderiam ter transcorrido de um jeito totalmente diferente caso eles colocassem a cabeça pra funcionar.
A última temporada de The 100 anda em círculos até ficar tonta e não saber o que fazer. Todo o significado da série é subvertido – e não de uma maneira boa. Eu adoro subversões, quando séries e filmes não fazem exatamente o que se espera deles. Isso é uma coisa. Outra totalmente diferente é subverter toda a proposta. O ponto de equilíbrio, a base mais importante de The 100 sempre foi a sobrevivência. SEMPRE. “Proteger os seus” é algo que parece ter ficado de lado de repente. A série simplesmente se esquece do desenvolvimento que deu para vários personagens e decide mudar a consciência deles aos 45 minutos do segundo tempo. A sobrevivência dá lugar à transcendência, uma das piores decisões criativas que eu já vi.
Sem meias palavras, eu me senti enganado. The 100 trai tudo aquilo que defende desde o primeiro episódio. Eu não sei se os roteiristas fizeram isso pra chocar, ou se pensaram naquilo no meio do caminho, ou se não tinham mais o que inventar. A verdade é que não há nenhuma conexão entre a premissa da série e o seu resultado. Parecem dois elementos totalmente diferentes, opostos em seu cerne. Isso sem falar nos detalhes que incomodam, como a utilização da “passagem de tempo” como muleta pra justificar atitudes não condizentes com determinados personagens, desorganização dos núcleos e uma inabilidade de saber qual mensagem a obra quer passar.
Não vou dizer que a temporada é um desastre completo. Os primeiros episódios dão a impressão de que ciclos vão ser fechados de maneira satisfatória, e a história até se desenvolve de modo a criar um interesse crescente pela dinâmica da Anomalia. O grande problema é que a história ficou complexa demais para o seu próprio bem. A trama atirou pra tanto lado que se perdeu e esqueceu qual era de fato o alvo. Talvez esse esteja no meu Top 5 de piores finais de série que eu já vi, ao lado de Game of Thrones, House of Cards, Fringe e How I Met Your Mother, alguns exemplos que lembro de cabeça.
Veredito
Com uma história exageradamente complexa, diálogos nada inspirados, personagens com atitudes sem sentido, repetições narrativas e um desrespeito ao legado da série, a temporada final de The 100 é decepcionante. Eu lembro que, entre a primeira e a quinta temporadas, a obra só foi melhorando a cada ano. No sexto, sofreu uma ligeira queda, mas no sétimo conseguiu se afundar totalmente. Ainda é possível salvar alguns elementos aqui e ali, quando os roteiristas se lembram do produto que têm em mãos, mas de modo geral o encerramento me fez querer ignorar os acontecimentos derradeiros e fingir que tudo acabou lá na quinta temporada. Se eu pensar neste desfecho como uma fanfic, dá pra sofrer menos. Nota final: 1,8/5.
Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco
Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco
Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco
Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco
Nota nº 5: sabia que eu agora tenho um canal no YouTube? Não? Então corre lá pra ver, uai: Pitacos do Leleco
~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~
- Eu escrevi nas minhas anotações que, a quatro episódios do fim, não tinha como Clarke, Octavia e Bellamy, personagens que costumavam ser tão sólidos, terminarem como os melhores da temporada. Vou falar do Bellamy um pouco mais pra frente. Sobre as outras duas, que apagadas, hein? A Clarke viu sua costumeira inteligência ser substituída por uma teimosia estúpida, e a Octavia… não fez nada demais. Teve as relações com a Hope e o Levitt, só que… foi isso.
- Por outro lado, Murphy e Emori foram muito bem. Embora estivessem centrados em um enredo fraco de doer, eles conseguiram se destacar. Gostei muito do fato da Emori estar morrendo e o Murphy não querer viver em um mundo sem ela. Foi um dos poucos momentos da temporada que realmente me chamou a atenção, com uma vibe meio Romeu e Julieta e que conclui perfeitamente a jornada de ambos na série.
- Diyoza morrendo já era meio que esperado, pra ser bem sincero. Achei paia que, tecnicamente, ela morreu por culpa da própria filha, que carregou na barriga por 9 bilhões de zilhões de anos. E por falar na Hope, foi legalzinho o romance com o Jordan, mas uma coisa me deixou chateado. O filho de Monty e Harper nunca disse a que veio, né? Na maior parte do tempo, só atrapalhou, e nunca foi útil de verdade.
- Ah, e a Hope sendo condenada pela Echo a passar mais cinco anos em Penance foi tenso. Não sei o que eu faria ficando cinco anos sozinho em um lugar, mas com certeza eu não assistiria à última temporada de The 100 novamente.
- Pensem comigo uma coisinha aqui: a trama de Sanctum foi realmente importante pra The 100 como um todo? Vamos lá. Todas as temporadas, ainda que focassem em arcos mais específicos, formavam uma unidade condizente à proposta da série. Quando não ajudavam a compor os cenários, auxiliavam na construção dos personagens e ligavam os pontos com a história pregressa da Terra. Com isso em mente, o que Sanctum agregou, com aquela baboseira dos deuses se colocando na cabeça das outras pessoas? Não que eu não tenha gostado desse núcleo, e ele foi importante pra desenvolvimentos de personagens na sexta temporada. Na sétima, o que agregou? O que justificou tanto tempo de tela, se no final das contas a galera toda transcendeu?
- E já que iniciei o assunto, vamos ao Sheidheda. Ai, ai. Nossa, quem diria que o Sheidheda conseguiria assumir de vez o corpo do Russell Prime e isso daria merda pra galera, hein? Isso que dá não se livrar do cara logo, pelo amor de Deus. Por que alguém não foi lá e deu um tiro de bala perdida no cara? Simplesmente não faz sentido ele ter sobrevivido durante tanto tempo. Os terráqueos já eram vistos como invasores, matar o Russell/Sheidheda seria o menor dos problemas. Na verdade, seria uma solução, porque deixar alguém como ele vivo não traria absolutamente NENHUM benefício. Não faltaram oportunidades pra acabar com ele. A Indra mesmo, nossa. É engraçado como ela não hesita em matar trocentos guardas, mas não finaliza o serviço com o Sheidheda. E a Madi que pegou o vilão DE COSTAS e só conseguiu cortar um olho dele? Pelo menos a Indra explodiu o maluco no final.
- Tudo isso entra muito no tema de furos de roteiro. Vamos a alguns que eu consegui juntar. Por que só a Raven usou roupa de invisibilidade pra entrar no portal, sendo que tinha um monte de trajes disponíveis pros outros personagens? E por que aquele guarda com roupa de invisibilidade tentou matar a Indra em um golpe corpo a corpo sendo que poderia simplesmente ter pegado uma arma e atirado sem ela ver? E outra, por que o Sheidheda TIROU a roupa de invisibilidade pra enfrentar Indra e Gaia sozinho e exposto? Quanto tempo Jordan, Gaia, Hope, Niylah e Miller ficaram na Terra? Por que aqueles filhos de Gabriel simplesmente se recusaram a ajoelhar e nem tentaram lutar? Pô, se é pra morrer, então tenta pelo menos juntar todo mundo pra matar o Sheidheda. Se ele morre, todo aquele pesadelo acaba. Mas não, ficou todo mundo lá em pé que nem imbecis, só esperando a morte de forma pacífica. Eles não tinham nada a perder, a morte de todo mundo foi completamente inútil.
- Eu não ironicamente gostei muito do episódio focado no Bellamy, com ele sobrevivendo ao lado daquele Doucette. Gosto muito de histórias minimalistas assim, com foco nos diálogos e relações humanas. Porém, o que veio depois eu odiei.
- Tá de brincadeira que mataram o Bellamy desse jeito. É sério? Pô, a morte dele foi simplesmente ridícula e sem sentido. A Clarke nem se preocupou em pegar aquele livro antes de passar pelo portal. E além de tudo, era só ter dado um tiro no ombro ou na perna do Bellamy, sei lá. Tanta coisa poderia ter sido feita, e a própria cena da morte soou tão vazia diante de um personagem tão importante. Foi um verdadeiro desrespeito quanto à sua trajetória. Detestei que fizeram uma trama do Bellamy trair todo mundo a uns cinco episódios do fim da série. Sim, eu lembro que ele fez praticamente a mesma coisa na época do Pike. Ainda assim, nessa altura do campeonato, eu acho difícil acreditar que ele colocaria uma religião que conheceu há dez meses acima dos amigos que ele conhece há uns dez anos. Ficou tudo muito forçado pra gerar drama desnecessário, sinceramente. E sim, eu sei que o ator Bob Morley queria deixar a série pra focar na saúde mental, mas isso não é desculpa pra conclusão patética que deram ao personagem. Culpa total do roteiro.
- Incrível como o culto do Bill Cadogan é “por toda a humanidade”, pra salvar todo mundo e acabar com as guerras, mas eles nem piscam perante a possibilidade de executar outros seres humanos pra conseguir o que querem. Ninguém vê a ironia nisso não? Se bem que não é algo incomum quando o assunto é religião, né, ainda mais essas coisas de charlatão.
- Qual é, de fato, a vantagem de transcender? Driblar a morte? Encontrar um descanso que a morte com certeza já forneceria? Não consigo entender a fixação de todo mundo por tal destino. E outra, a palavra-chave da série sempre foi sobrevivência. Por que desvirtuaram toda a mensagem de The 100 literalmente no último ato? Nunca houve uma pista narrativa de que a conclusão seguiria por esse rumo, não se encaixou em nada do que a série apresentou anteriormente. Me senti traído. E quem diabos eram aqueles alienígenas? Ah, sinceramente, eu nem me importo. A Lexa apareceu e me fez esquecer de todos os defeitos da temporada. Só que não.
~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~
+ Melhor personagem: John Murphy
O seu arco não é lá grandes coisas, mas é um dos únicos que salvam na temporada final de The 100. O roteiro conseguiu conservar Murphy como um personagem real, e vale também ressaltar a boa presença de Emori. Ambos foram alguns dos poucos destaques positivos que persistiram durante toda a temporada. Echo, Hope e Raven tiveram seus momentos, mas foram temporários.
+ Melhor episódio: S07E08 (“Anaconda”)
No aplicativo TV Time, eu classifiquei apenas dois capítulos desta temporada com a avaliação de 5 estrelas. O oitavo episódio foi um deles, com uma história de flashback que amarrou várias pontas que haviam ficado soltas na série. O outro alento foi o 11º episódio, que acabou perdendo força posteriormente por conta de uma terrível decisão criativa. Curiosamente, ambos os capítulos foram os únicos que se distanciaram das tramas principais, envolvendo Sanctum ou a Anomalia. Isso diz muito sobre a (falta de) qualidade do enredo central.
+ Maior evolução: Gabriel Santiago
Eu já gostava dele na sexta temporada, e aqui foi uma das gratas surpresas. Chegou perto de ser o Melhor Personagem, pra mim, mas acabou perdendo espaço no fim e abriu brecha pro Murphy assumir o posto.
+ Maior decepção: Bellamy Blake
Totalmente revoltado com o que fizeram com o personagem nesta temporada. Detalhei mais nas Observações Spoilentas e não vou me estender aqui. Quase o coloquei como Pior Personagem, mas a amostragem foi pequena pra isso e também tenho um outro motivo pra não ter colocado essa marca nele, o que também expliquei nas Observações Spoilentas. Entre os outros destaques negativos, reforço aqui as decisões sem sentido da Indra e o apagamento de Clarke e Octavia.
Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?