• Voltando com tudo
Depois de assistir à série inteira tudo de novo, finalmente comecei a 7ª temporada de Black Mirror. Ao contrário do que costumo fazer nas minhas críticas, eu fiz resenhas separadas de cada episódio no meu letterboxd. Pra não ficar fazendo trabalho dobrado, decidi colocar aqui as avaliações que fui fazendo à medida que a temporada progredia, então a estrutura deste texto vai ser um pouquinho diferente do habitual; inclusive, não incluí sinopses. Ainda assim, espero que gostem. E ah, quem tiver a curiosidade de ver o meu ranking atualizado de todos os episódios, é só clicar neste link aqui.
Episódio 1 – “Common People”
Desde a 5ª temporada, mais ou menos, Black Mirror havia abandonado um pouco o tom pessimista e adotado uma postura mais bem-humorada. “Rachel, Jack and Ashley Too” e “Joan is Awful” são exemplos dessa mudança de tom, e episódios como “Smithereens” mostram que a inspiração criativa estava em falta. Em “Common People”, nos deparamos com alguns elementos familiares de outros episódios, mas há o resgate do humor sórdido e negativista.
Common People atira para diferentes lados, mas com um grande fator motivador que os une: o capitalismo. O roteiro critica as plataformas de conteúdo, como a própria Netflix, que tornam o consumidor dependente a ponto de ele não reclamar tanto do aumento de preços; a constante antiética do sistema de saúde universal, que coloca a vida humana em segundo plano e o dinheiro em primeiro; e a cultura dos “desafios” na Internet, em que as pessoas se divertem com a desgraça alheia.
O pior é que Common People pode até adotar uma postura hiperbólica, mas os tipos de comportamento apresentados não são nada exagerados. Com exceção da tecnologia em si, eu consigo ver todas as outras coisas acontecendo não em um futuro próximo, mas no presente. A cada atualização divulgada pela Rivermind, eu dava risada. Não por achar engraçado as vítimas se afundando, era mais um riso nervoso diante do absurdo da situação. E, pra coroar, o desfecho é poderoso e faz com que a história fique pregada em nossa mente.
Common People é um episódio que os fãs das primeiras temporadas de Black Mirror com certeza vão gostar. É coeso, tem um bom texto e toca em um ponto que, em 2025, não poderia estar mais em alta.

Episódio 2 – “Bête Noire”
Black Mirror é uma série capaz de causar diferentes sensações. É capaz de nos deixar reflexivos (“Fifteen Million Merits”), deprimidos (“Be Right Back”), nos impressionar pelas reviravoltas (“Shut Up and Dance”), nos divertir (“Rachel, Jack and Ashley Too”), nos causar sentimentos agridoces (“San Junipero”) e várias outras coisas. “Bête Noire” se encaixa no grupo dos episódios que se destacam pela capacidade de causar um impacto criativo que transcende o capítulo em si.
Durante uns bons minutos, eu estava sem entender qual era a de Bête Noire. A história seria sobre culinária? Aos poucos, vi que a resposta era não. Seria sobre erros de soletração? Nada a ver. Essa incapacidade de compreender pra onde a trama estava caminhando é mais um mérito do roteiro na tentativa de transmitir a paranoia sentida pela protagonista. Pô, quem não foi ficando desesperado junto com ela? Impossível isso não acontecer.
É bem verdade que o episódio ganha contornos ainda mais absurdos em sua cena final, mas e daí? Naquele ponto, nós como espectadores já havíamos abraçado o lúdico. Além disso, o capítulo brinca com a questão de perspectiva, porque ninguém é santinho ali. Então cabe a quem tá assistindo tentar fazer algum tipo de juízo de valor. Pra coroar, a série deu uma tacada de mestre ao elevar a brincadeira do efeito Mandela a um novo patamar, ao gravar dois cortes diferentes do mesmo episódio, com a questão do Barnie’s/Bernie’s (o meu foi Barnie’s). Nunca vi algo parecido sendo feito nesta escala.
Bête Noire é aflitivo, divertido, dá seguimento a uma temporada que começou muito bem e entrega mais um episódio com potencial de ficar na memória de quem assiste e cavar o seu espaço dentro da cultura popular.

Episódio 3 – “Hotel Reverie”
Black Mirror + um casal sáfico = excelente história com trama agridoce. Pela primeira vez desde “Black Museum”, lá na 4ª temporada, um episódio desta série me deixou realmente impactado. Tivemos alguns bons capítulos nesse ínterim, mas eu estava sentindo falta daquele algo a mais. “Hotel Reverie” alcançou esse patamar.
Com toques de Os Sete Maridos de Evelyn Hugo, um livro que eu adoro, Hotel Reverie começa de maneira bem despretensiosa. Eu gostei bastante de como o episódio deixa pistas sobre os personagens, como a solteirice de Dorothy e as alegações sobre sua vida pessoal, que imediatamente me fizeram pensar sobre a realidade de sua sexualidade. Quando de fato isso nos é revelado, não fica a sensação de algo óbvio, mas sim de uma peça se encaixando exatamente onde deveria estar. É uma sensação de recompensa narrativa.
No momento em que Hotel Reverie parece estar indo pra um rumo específico, ele dá uma guinada. Eu me vi bastante investido na história (tramas sobre amores impossíveis me pegam muito facilmente) e torci pra que houvesse um final minimamente feliz, como em “San Junipero”, mas acho que este consegue transmitir um sentimento de perda ainda maior.
Hotel Reverie chegou como quem não queria nada e se transformou no meu episódio favorito de Black Mirror em anos. Ainda não chega no panteão ocupado por “San Junipero”, “White Christmas” e “Fifteen Million Merits”, por exemplo, mas mostrou de vez que a 7ª temporada tem potencial pra ser a melhor desde a 3ª.

Episódio 4 – “Plaything”
Depois de três ótimos episódios, “Plaything” mantém a 7ª temporada de Black Mirror em alta. Aliando elementos de “Bandersnatch”, “Playtest” e até mesmo “USS Callister”, o enredo é impulsionado pela boa atuação de Peter Capaldi e por um roteiro que nunca entrega antes da hora o rumo que está tomando.
Plaything aborda alguns pontos interessantes, especialmente pra quem joga videogame. Quem gosta de GTA e nunca se divertiu atropelando e explodindo pessoas aleatórias nas ruas tá mentindo. Mas e se as “pessoas” dentro de um jogo de fato tivessem consciência própria? Eu tive um pequeno gostinho disso em The Last of Us II, por exemplo, em que os inimigos que a Ellie mata pelo caminho fazem com que a gente sinta, de vez, em quando, um pontada de remorso quando um deles diz algo como “meu Deus, Fulano morreu!” ou “nããão, eles mataram Ciclano”, com voz de choro.
Pois é, Plaything brinca com essa questão e cria um certo desconforto através das atitudes do personagem Lump. Querer ver o “sofrimento” de seres alheios, sejam eles artificiais ou orgânicos, é algo inerente à natureza humana. O homem nasce violento, e é nosso dever como sociedade corrigir constantemente essa falha coletiva. O desconforto, aliás, está presente o tempo todo no episódio, como na forma em que a história é filmada, principalmente quando Cameron está sob efeito de ácido. Até o final cria desconforto ao deixar as coisas em aberto.
Plaything não é o meu episódio favorito da 7ª temporada até aqui, e possivelmente tenha sido o que menos gostei, mas ainda assim é muito bom – o que prova o quanto o nível de qualidade de Black Mirror subiu nesta nova remessa de episódios.

Episódio 5 – “Eulogy”
Algo que eu rapidamente percebi sobre “Eulogy” é que a opinião da pessoa a respeito do episódio depende muito do sentimento em relação ao protagonista. A minha namorada, por exemplo, achou o cara insuportável e a sua impressão final da história teve alguns contornos negativos por causa disso. Eu, por outro lado, embora não tenha me identificado com o personagem principal, enxerguei o desfecho com outros olhos.
Mais uma vez, Black Mirror esbanja criatividade. Eu acho impressionante como esta série é capaz de desenvolver premissas tão únicas, ao mesmo tempo em que repete recursos apresentados anteriormente. Aquele dispositivo grudado na têmpora já apareceu em alguns episódios, mas o roteiro sempre encontra um jeito de pegar um gancho diferente. Aqui, nós vemos o dispositivo sendo utilizado pra desbloquear memórias através de fotografias, o que gera cenas bem legais.
Ainda que potencialize o episódio, a criatividade não é a sua única qualidade. O ator Paul Giamatti entrega uma ótima atuação. Sobre seu personagem, eu acho que ele é recheado de defeitos, mas me pareceram falhas humanas relativamente normais. Sim, ele não valorizava a Carol como deveria, mas poderia ter amadurecido isso com o passar do tempo. Não acho que Phillip era um exemplo de namorado, mas também não era um monstro.
Eulogy é um episódio mais contido e intimista, principalmente na comparação com os anteriores da 7ª temporada. Não acho que ele seja particularmente memorável, mas tem a marca registrada de Black Mirror, é autêntico e promove boas reflexões.

Episódio 6 – “USS Callister: Into Infinity”
Pela primeira vez em Black Mirror, a série desenvolveu uma continuação direta de um episódio anterior. “USS Callister: Into Infinity” é, como o próprio nome já diz, uma sequência de “USS Callister”. Eu não sei se ele precisava de uma sequência, mas é um bom encerramento pra sólida 7ª temporada.
USS Callister: Into Infinity dá continuidade aos elementos do episódio da 4ª temporada, retomando a história pouco tempo depois de onde ela parou. Desta vez, o enredo dentro do jogo é ainda mais importante do que as coisas que acontecem na “vida real”. O capítulo justifica a sua existência ao trazer novas críticas, como a ganância das indústrias de games ao cobrar por quase todos os recursos de um jogo online, mas na maior parte do tempo apenas complementa os temas já abordados em USS Callister.
Até por causa disso, eu acho o episódio da 4ª temporada superior. Into Infinity sofre um pouco por não apresentar uma trama original e a reviravolta do fim não me pegou tanto, pois já havíamos visto algo parecido em “Black Museum”. Os personagens são carismáticos, é verdade, mas a direção, por exemplo, abusa da contextualização em alguns momentos, relembrando cenas do episódio anterior. Achei isso desnecessário. Quem não se lembrava dos detalhes era só ver USS Callister de novo, ora, não é como se fosse necessário assistir a uma temporada inteira novamente.
USS Callister: Into Infinity é um bom episódio por causa de seu elenco e da construção de mundo, que é muito bem feita. Aquele universo sem limites de um jogo online é um excelente cenário, mas acho que, em sua essência, o capítulo é mais do mesmo.

Veredito
Nas últimas três temporadas, Black Mirror teve pelo menos um episódio mediano. Na 4ª, foi “Arkangel”. Na 5ª, “Smithereens”. Na 6ª, “Mazey Day”. Pela primeira vez desde a 3ª, a série apresenta um conjunto em que todos os capítulos são bons, alguns deles até ótimos. A 7ª temporada resgata a essência que se perdeu em certos momentos da produção, entrega tramas frescas e atuais, brinca com a perversidade humana e esbanja criatividade.

+ Melhor personagem: Cameron Walker
Eu sempre digo que sou suspeito pra falar sobre Peter Capaldi, o meu Doutor favorito de Doctor Who, mas acho genuinamente que ele é o personagem mais interessante desta temporada.

+ Melhor episódio: S07E03 (“Hotel Reverie”)
Igual eu disse na crítica, foi o primeiro capítulo desde “Black Museum”, lá na 4ª temporada, que realmente me deixou impactado.

CURIOSIDADES
- Em Common People, a canção “Anyone Who Knows What Love Is (Will Understand)” pode ser ouvida em uma cena. Ela já tocou em outros quatro episódios da série e foi introduzida em “Fifteen Million Merits”.
- Em Bête Noire, há duas referências ao episódio “Shut Up and Dance”: Barnie’s é onde Kenny trabalhava, e o hotel WayHaven, que aparece nesse outro capítulo, tá na lista do LinkedIn da Verity.
- Em Hotel Reverie, quando Brandy está fazendo pesquisas no YouTube, ela assiste vídeos com uploads de Pia e Davis, os dois personagens principais do episódio “Loch Henry”.
- Em Plaything, Cameron entra em uma loja chamada “Computer Exchange”. Essa é uma loja de verdade, fundada em 1992 por Charlie Brooker, criador de Black Mirror, e outras cinco pessoas.
- Em Eulogy, Charlie Brooker revelou ter se inspirado na minissérie documental The Beatles: Get Back, que utilizou a tecnologia pra tornar os vídeos e áudios musicais mais vívidos.
- Em USS Callister: Into Infinity, Anjana Vasan faz uma aparição rápida e não creditada, se tornando a atriz com mais participações na série. Ela também esteve em “Nosedive” e protagonizou “Demon 79”.
FICHA TÉCNICA
Nome original: Black Mirror
Duração: 6 episódios
País: Reino Unido
Criador: Charlie Brooker
Diretores: Ally Pankiw, Toby Haynes, Haolu Wang, David Slade, Chris Barrett, Luke Taylor
Elenco principal: Cristin Milioti, Paul Giamatti, Rashida Jones, Chris O’Dowd, Peter Capaldi, Issa Rae, Emma Corrin, Siena Kelly, Awkwafina
>> Crítica da 1ª Temporada de Black Mirror
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Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco
Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco
Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco
Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco
Nota nº 5: sabia que eu agora tenho um canal no YouTube? Não? Então corre lá pra ver, uai: Pitacos do Leleco
OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO
- Common People: um negócio que eu não tinha percebido sobre o desfecho é que o Mike provavelmente tirou a própria vida em frente à câmera, né? Ele desconversa quando a esposa pergunta como conseguiu o dinheiro pra aquele último recurso, então algum desconhecido deve ter pagado pra ele se filmar morrendo. Que pesado.
- Bête Noire: beleza, eu definitivamente não esperava que a Maria daria um tiro na cabeça da Verity. Sei que a Maria não era santa e a gente só torce por ela por ser a protagonista, mas deu uma satisfação de ver a cara presunçosa da Verity se apagar. E o mais louco é que a Maria virou basicamente a Beyoncé no final.
- Hotel Reverie: o filme sendo reiniciado sem que a Brandy tivesse tempo suficiente pra se despedir da Dorothy me pegou de surpresa, pois eu achava que elas envelheceriam juntas naquela simulação de alguma forma. Saber que a Brandy se apaixonou pelo eco de uma pessoa de carne osso dói demais.
- Plaything: beleza, o que vocês acham que aconteceu depois da frequência ser ativada e atingir todos os humanos? Será que todo mundo realmente se tornou uma consciência coletiva? Não acho que a população mundial tenha morrido, até porque fazer isso iria contra tudo que os personagens do joguinho diziam. Mas que doideira tudo aquilo, bicho.
- Eulogy: no fim do episódio, quando o Phillip descobre que tudo não passou de um mal entendido, eu não fiquei com a sensação de tristeza porque o casal deveria ter ficado junto, mas fiquei reflexivo sobre como a vida dos dois teria sido diferente se ele tivesse lido aquele bilhete.
- USS Callister – Into Infinity: ah, cara, a tripulação fazendo cosplay de Divertida Mente poderia ter me deixado impressionado, se não fosse exatamente a mesma coisa daquele casal de “Black Museum”. Pra uma construção de mundo de tanto potencial, eles repetirem um recurso me deixou um pouquinho desapontado.
Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?