Marvel

Ms. Marvel (2022)

• Potencial desperdiçado

O que está acontecendo com a Marvel? Os projetos das primeiras séries do MCU haviam me deixado empolgado. Começamos com um excelente WandaVision, passando por um sólido Falcão e o Soldado Invernal e acompanhando um ótimo Loki. A partir dali, a falta de criatividade parece ter afetado a mente dos roteiristas. What If…?HawkeyeCavaleiro da Lua foram todos prejudicados com retas finais meio água com açúcar, sem muita inspiração narrativa. Em Ms. Marvel, esse problema veio antes, o que causou uma inconstância ainda maior. É triste, pois vinha sendo uma das melhores séries.

 

Sinopse

Kamala Khan é uma adolescente em busca de pertencimento. Acho que todo mundo já passou por isso, né? O sentimento de não se encaixar, de tentar se misturar com algum grupo e simplesmente não conseguir. Muçulmana e descendente de paquistaneses, Kamala só tem duas amizades na escola, e uma delas é com sua prima. Fã incondicional dos Vingadores, especialmente da Capitã Marvel, a jovem adolescente se depara com uma realidade boa demais pra ser verdade: um bracelete que fornece poderes a quem usa. Esse artefato cai literalmente em suas mãos, e Kamala ganha a oportunidade de ser aquilo que sempre admirou: uma super-heroína. Mas será que vai ser tão fácil assim?

Henry de The Walking Dead fazendo uma pontinha na Marvel

Crítica

Não tem jeito, eu garanto que a primeira coisa que você vai perceber em Ms. Marvel é a questão estética. Logo no primeiro episódio, a direção coloca os dois pés na porta e introduz o tom que deseja utilizar na série. De forma bem objetiva, é uma das identidades visuais mais originais e refrescantes do MCU. Capitão América 2: O Soldado Invernal, por exemplo, abraçou o estilo de espionagem e marcou época na Marvel. Guardiões da Galáxia incorporou a comédia com presença marcante da musicalidade, sendo um dos filmes mais divertidos da franquia. Ms. Marvel trouxe a irreverência dos quadrinhos, aliada à inocência adolescente e explosão de informações do século XXI.

Para os chatos de plantão, o público-alvo de Ms. Marvel é claramente uma faixa mais jovem dos fãs. É um salto de diferença considerável em relação a Cavaleiro da Lua, que veio imediatamente antes. A série de Kamala Khan é colorida, leve, acelerada. Acima de tudo isso, apresenta uma grande personalidade. As artes nas paredes enquanto os personagens interagem entre si, as frequentes referências à cultura pop e a empolgação que a atriz Iman Vellani concede à série logo de cara evidenciam que Ms. Marvel não almeja ser apenas mais uma entre as séries do MCU. Ao mesmo tempo, não quer ser mais do que aquilo que se propõe a ser, o que estabelece um equilíbrio perfeito na construção do enredo.

Uma das coisas que eu mais gostei em Ms. Marvel, além dos elementos que já citei, foi a constante representatividade. Eu amo as Fases 1, 2 e 3 do MCU, mas é preciso reconhecer que a maior parte dos arquétipos dos protagonistas era no mínimo similar aos demais. Na Fase 4, após a conclusão do ciclo de tantos personagens e a constante expansão da franquia, não fazia sentido a história continuar apenas centrada nos Estados Unidos.

Era hora de mudar. Shang-Chi deu o pontapé inicial com a visibilidade chinesa, e chegou a vez de uma super-heroína importar conceitos provenientes do Paquistão. O panorama de Kamala Khan traz um frescor gigantesco pra série. Isso porque passa a ser possível trabalhar não apenas as questões pessoais da personagem, mas também os dramas relacionados com a sua vivência socio-cultural, religiosa e familiar.

A princípio, eu fiquei com medo de que Ms. Marvel caísse naquela velha armadilha de sempre, quando uma obra norte-americana tenta expor a realidade de alguma pessoa fora do Ocidente.  Na maioria das vezes, é aquele negócio de “olha o tanto que a cultura X é repressiva e deplorável, vamos americanizar Fulano ou Fulana pra mostrar o quanto o nosso estilo de vida é superior e promover mais liberdade! Deus abençoe os EUA!”.

Essa é uma discussão muito delicada, e que não cabe a um estadunidense opinar. É como se eu resolvesse dar pitaco sobre golfe. Não entendo nada sobre o esporte e nunca joguei e nem assisti, então por que deveria dizer aos quatro ventos que é uma modalidade que não deveria existir? Ok, a comparação foi péssima, mas acho que deu pra entender.

Ao contrário do que eu esperava, Ms. Marvel trabalha isso com muita delicadeza. Ao mesmo tempo em que desenvolve as pressões específicas provocadas pela família de Kamala, a série faz questão de demonstrar o seu orgulho pela cultura paquistanesa e muçulmana. A obra também é capaz de driblar outras armadilhas narrativas que estavam ali, armadas pra todo mundo ver, mas acabam não sendo acionadas. Isso só fortalece o conjunto.

No entanto, tudo degringola na metade da temporada. A trama, que vinha sendo contada sob tanto zelo, de repente muda drasticamente o seu foco, ignora a base que tinha sido criada, e decide inserir toda uma história nova no meio do caminho. Cheguei à conclusão de que, das duas uma: a temporada foi pensada com uma quantidade maior de episódios, pois oito seriam suficientes para desenvolver tudo; ou essa era pra ser o enfoque de uma potencial segunda temporada, mas resolveram espremer aqui na primeira.

O problema é que Ms. Marvel se apresentou como uma jornada de autoconhecimento, uma história de superação da inocência. O tema central deveria ser Kamala Khan “caindo na realidade”. Em vez disso, a série decide que é mais importante inserir sociedades secretas, fica indecisa quanto ao antagonismo, esquece qual era o tom da narrativa e fornece resoluções tão fáceis e simplistas que destroçam todo o impacto da construção das mesmas. Fica mais do que claro que a série sabia exatamente qual era o ponto A e o ponto B, só não soube como conectá-los. É como se eu me propusesse a resolver um enigma e olhasse diretamente as respostas, sem me dar ao trabalho de saber como chegar até elas.

Uma coisa que as obras de ficção precisam entender é que não basta haver uma boa introdução, ou uma conclusão de cair o queixo. Se você enfraquecer a sua história no miolo, sem tempo hábil pra que ela se fortaleça antes que seja tarde demais, o resultado final será desapontador. Daria pra eu passar o dia inteiro aqui citando séries e filmes que sofreram do mesmo mal, de acelerar uma história ou de querer abordar zilhões de coisas de uma só vez, mas acho que não é necessário. O importante é que, infelizmente, Ms. Marvel se encontra nesse grupo.

Mó fome, queria estar nessa mesa aí agora

Veredito

Ms. Marvel tinha tudo pra ser a série mais surpreendente do MCU. Nos primeiros episódios, eu me diverti constantemente e não via a hora de chegar quarta-feira à tarde, quando eu voltava do trabalho e assistia a um novo episódio enquanto almoçava. Não conseguia entender por que não tinha mais gente aclamando a história de Kamala Khan. Cheguei à conclusão de que as pessoas estavam mais cabreiras quanto à Marvel, devido aos recentes trabalhos medianos da empresa. Porém, tudo foi por água abaixo na metade final da temporada, quando a obra decaiu de qualidade. Até recuperou um pouco do fôlego na conclusão, mas o cronômetro já tinha estourado e a série acabou se autossabotando. É com dor no coração que eu dou uma nota menor do que eu gostaria. De qualquer forma, lembrarei com carinho dos sentimentos que eu tive ao longo dos capítulos iniciais. Nota final: 3,9/5.

A série implorando pra ganhar uma nota maior e eu resistindo à pressão de não avaliar com o coração

 

>> WandaVision

>> Falcão e o Soldado Invernal

>> 1ª Temporada de Loki

>> 1ª Temporada de What If…?

>> Hawkeye

>> Cavaleiro da Lua

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco

Nota nº 5: sabia que eu agora tenho um canal no YouTube? Não? Então corre lá pra ver, uai: Pitacos do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • Eu acho um tanto quanto cômico quando alguém salva outra pessoa de algo que ela mesma causou. Foi o caso da Kamala, que promoveu um escarcéu na Avengercon e colocou um monte de gente em perigo, como a Zoe. Ela conseguiu consertar antes que tudo piorasse, é verdade, mas naquele momento ela não foi exatamente uma heroína, vamo combinar, né.
  • O primeiro salvamento de fato aconteceu com aquele moleque lerdo que queria fazer selfie com metade do corpo pra fora de um prédio. Não gostei tanto da construção daquela cena por ter sido uma situação de perigo extremamente conveniente pra narrativa da Kamala, mas foi legal de ver um resgate desajeitado por parte de uma garota desacostumada a ter poderes.
  • Achei INCRÍVEL o grupo dos Adagas Vermelhas, uma sociedade secreta influente com a missão de proteger o planeta e que possui um número expressivo de… dois membros. Agora, um. Tá de sacanagem, pô.
  • Gostei demais das observações pontuais da Nakia a respeito de intolerância religiosa, misoginia e outras questões de preconceito. É uma pena que a personagem foi completamente abandonada na metade da temporada.
  • Fiquei aliviado que a série não investiu tempo excessivo no arco do Bruno apaixonado pela Kamala. Essa dinâmica é tão clichê que me fez girar os olhos, ainda bem que não se preocuparam demais com isso.
  • Se você acha que a sua família não liga muito pra sua segurança, lembre-se de como os primos da Kamala simplesmente a abandonaram no meio de Karachi, em um país desconhecido pra ela, sem sequer olhar pra trás. Ah, ainda nessa toada da família da Kamala, adorei o fato da Muneeba resolver viajar pro Paquistão por causa da mãe debilitada, e a primeira coisa que a senhorinha diz ao ver a neta é que estava voltando de uma festa. Aí tá debilitada mesmo, hein.
  • Decepção define as reações das pessoas quanto aos poderes da Kamala. Tinha tudo pra ser um núcleo dramático de muito peso. Do nada, a Muneeba aceitou totalmente a filha, sem nenhum tipo de transição convincente, e deu até uma fantasia pra ela usar enquanto arrisca sua vida. Além disso, a tensão entre Kamala e Nakia nem deu tempo de ser trabalhada. Definitivamente, essa temporada deveria ter tido pelo menos oito episódios. Pra esse tópico não ficar tão negativo, confesso que me emocionei com a conversa da Kamala com o pai, Yusuf, culminando na origem do apelido de Ms. Marvel. As reações de Aamir e Tyesha também foram legais, vai.
  • Cara, não vou mentir, eu gostei do Kamran. Gostei de como ele ficou no limbo entre ajudante e antagonista, trafegando nos dois sentidos e virando uma espécie de “frenemy” da Kamala. Achei pra lá de apressado o seu conflito com ela no último episódio, fiquei meio “quê?” com os dois se atacando, mas acredito que é uma relação com potencial de evoluir no futuro.
  • Tá, foi massa a história dos djinns, mas ficou muito na superfície. Afinal de contas, qual a diferença entre universo alternativo e dimensão paralela, se é que existe uma? O que há do outro lado da dimensão? Os Clandestinos eram os únicos djinns? Ficou tanta ponta solta que não consigo nem elaborar mais perguntas, de tantos questionamentos que ficaram.
  • Será que a Deever aparecerá novamente no futuro, ou o seu ciclo já se encerrou? Daria uma boa vilã secundária, mas não acho que a Marvel vá investir nisso. Agora, o P. Cleary lá ainda deve aparecer mais vezes, até porque obviamente o Departamento de Controle de Danos não desaparecerá de repente.
  • Ok, vamos pra cena pós-créditos. A minha aposta é que a Kamala Khan e a Carol Danvers trocaram de lugar, e acho ainda que a Monica Rambeau pode estar envolvida na jogada. Com certeza, isso será respondido em The Marvels, mas não acredito que a Kamala tenha se transformado na Carol, até pela reação da personagem ao ser arremessada de repente no quarto. Tô ansioso pra ver as três juntas, e mal posso esperar pelo encontro entre a Ms. Marvel e a Capitã Marvel. Vai ser tipo o Troy encontrando o LeVar Burton em Community.

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Kamala Khan
O carisma da atriz e a presença marcante da personagem são peças essenciais pro funcionamento da série. Kamala é uma grande adição ao MCU, e quero muito ver mais dela no futuro.

Dos criadores de Pequena Miss Sunshine, temos agora a Pequena Miss Marvel

+ Melhor episódio: S01E01 (“Generation Why”)
Assim como em Cavaleiro da Lua, a estreia da temporada de Ms. Marvel é um de seus ápices, apesar da série conseguir manter o nível por mais dois episódios. Brilhante introdução.

Jaqueta jeans tá em alta na Marvel, é só perguntar pra America Chavez

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).