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ArtigosdoLeleco #06: A importância da história lenta

ArtigosdoLeleco #06: A importância do enredo lento

• Cada vez mais ansiosos

Você com certeza já ouviu alguém falando “não gostei desse filme, achei muito lento”. Talvez você mesmo já tenha falado isso em alguma ocasião. Não vou ser hipócrita em dizer que eu jamais pensei assim. Pra falar a verdade, provavelmente utilizei essa muleta opinativa em vários momentos aqui no próprio blog. Com o tempo, eu mudei de opinião. Será que é realmente justo utilizarmos esse argumento pra dizer que não gostamos de uma certa obra? O fato da gente achar as coisas lentas não diz mais sobre nós como sociedade do que sobre a arte em si? Será que a nossa falta de paciência com histórias cadenciadas não é apenas um reflexo das gerações ansiosas que estão nascendo? Se eu tiver conseguido captar a sua atenção nesta introdução, te convido a continuar lendo o texto. Caso contrário, tem muitas outras coisas legais no blog. Fique à vontade!

 

O que é, por definição, uma “história lenta”?

Uma coisa não podemos negar: esse filme é visualmente bonito pra caramba

Uma história lenta é aquela que não é rápida, né? Bom, teoricamente sim, mas tecnicamente, não. Afinal, o que exatamente é uma história lenta? Tem algum jeito de medir isso, alguma máquina que conta a quantidade de sequências agitadas em uma obra?

É óbvio que não. O ritmo de um enredo é definido completamente pela subjetividade, assim como qualquer argumento pautado na experiência pessoal de alguém. True Detective e Westworld podem ser lentos pra você, mas não pra mim. Blade Runner 2049 pode ser lento pra mim, mas não pra você. Contudo, o ponto não é esse. A pergunta que precisamos nos fazer é a seguinte: a história é realmente muito devagar ou nossa mente tá cada vez mais treinada pra processar milhares de coisas ao mesmo tempo?

Uma geração cada vez mais ansiosa

Perdoem-me, fãs de Wandinha, mas eu ainda não assisti à série

Ok, chega de perguntas retóricas. Eu não sei qual é a sua idade, enquanto lê este texto. Eu, por exemplo, tenho 24 anos. Portanto, faço parte da geração que participou da transição entre o analógico e o digital, puxando mais para o digital. O que eu quero dizer com isso é que eu lembro da época em que tinha “pouca” coisa pra assistir. Sempre houve uma cultura muito grande de filmes lá em casa, mas a gente costumava assistir mais aos clássicos que meu pai tinha em DVD. Vez ou outra, pegávamos alguns na locadora, mas nessa época eu ainda não era completamente apaixonado por filmes, então nem sempre participava das sessões.

Com a chegada da Netflix, eu comecei a consumir uma quantidade exponencial de conteúdo. Teve até um período de férias muito simbólico pra mim, acredito que em julho de 2013, que foi quando eu sacramentei meu amor ao cinema. Durante praticamente todo aquele mês, eu e meu pai vimos um filme por dia, no despontar do streaming. Era cada filme ruim, mas também tiveram boas obras. De qualquer forma, tudo ali era novidade, e aos poucos a cultura de Amazon Prime Video, HBO Max, Disney+, Star+ e outras plataformas começou a tomar conta.

Hoje em dia, pra poder acompanhar tudo que tá em alta, você não pode fazer mais nada da vida além de assistir televisão. Isso tá fora de cogitação pra mim, que tenho dois empregos e possuo outros hobbies que gosto de fazer, como jogar videogame e ler, além de escrever e sair de casa pra ir em algum restaurante, encontrar os amigos ou a família. Por isso, desencanei de ficar sempre atualizado nas séries e filmes, mesmo eu tendo um blog sobre isso. Recentemente, saíram séries como SandmanWandinhaArcaneSuccessionBetter Call Saul, mas eu simplesmente não tenho tempo pra ver tudo isso. Às vezes eu me sinto “culpado” por isso. E então voltamos ao tema principal desse artigo: a crescente ansiedade nas gerações vindouras.

Com tanto conteúdo pra consumir em tantas plataformas diferentes, nossa mente passou a ser treinada pra sempre assistir algo já pensando no próximo título. Frequentemente, a gente nem aproveita o que tá passando, só assiste mesmo pra “estar por dentro” dos assuntos. Ora, se você saísse com os amigos e todo mundo estivesse comentando sobre Round 6, sendo que você não viu, isso não te faria se sentir excluído? Assim, começamos a devorar os conteúdos, como se eles fossem inimigos que precisamos derrubar em uma guerra incessante que não tem como vencermos. Não adianta, nunca vamos conseguir ficar 100% atualizados, SEMPRE vai ter algo em alta que não vamos conseguir acompanhar.

E, por conta dessa ansiedade, a nossa mente tende a processar melhor acontecimentos mais… rápidos. Em uma geração acelerada como a atual, como é que o cérebro vai processar histórias mais lentas e cadenciadas? É como se você pedisse pro Usain Bolt acompanhar os passos de uma lesma. A lesma não tá errada em andar do jeito dela, foi concebida assim. No entanto, é difícil pra um velocista diminuir a velocidade sabendo que pode correr mais.

O valor da aparente lentidão

Será que eu perco minha carteirinha de cinéfilo se disser que não achei O Homem do Norte espetacular?

É difícil desencanar da dinâmica veloz da atualidade, mas é possível. Eu sou testemunha disso. E, a partir do momento que você o faz, fica fácil de aceitar um enredo mais devagar. Porém, a aparente lentidão de um roteiro precisa ser analisada sob duas óticas: o ritmo ajuda a contar a história?

Vamos pegar Blade Runner 2049, por exemplo. Na época em que eu assisti no cinema (e inclusive fiz crítica aqui no blog), eu definitivamente não gostei. Tudo era excessivamente devagar, nada acontecia durante muito tempo e, quando acontecia, eu já tinha perdido o interesse pela trama. Contudo, isso foi há anos atrás. Provavelmente, quando eu assistir novamente – e é algo que planejo fazer – o filme vai ganhar um outro significado pra mim. Isso porque o ritmo cadenciado ajuda a contar a história, complementando a experiência. O mesmo vale para O Farol, que utiliza a inatividade como forma de complementar a agonia crescente. Nesse caso, a lentidão pode até não te agradar, mas não pode servir como muleta pra justificar o fato de você não ter gostado.

Por outro lado, temos filmes como O Homem do Norte. Embora quase todo mundo à minha volta tenha gostado, eu achei apenas ok. A “lentidão” presente na trama me chateou um pouco porque o filme se vendeu como uma história épica desde os primeiros minutos. É claro que não foi só por isso que eu não gostei tanto quanto achei que iria gostar, mas foi um dos fatores. Nesses casos, a lentidão narrativa pode se tornar uma vilã, em vez de complementar a experiência.

O recado final que eu deixo é: não assista às coisas esperando pelas próximas. Saboreie aquilo que tá passando na tela no momento em que você está vendo. Deixe o celular de lado, não fique querendo conversar enquanto rola o filme/série. No começo vai ser difícil, porque é comum que as pessoas mais jovens (como eu) tenham mais problemas de foco. Mas faça esse esforço.

Quando for conversar com os amigos a respeito do conteúdo novo que saiu, tenha opiniões fundamentadas, em vez de só se lembrar das sequências de ação. Posso parecer meio esnobe nesta última frase, mas ela não deixa de ser verdade: a sétima arte é muito mais do que um enredo acelerado que não sabe quando parar. Tem espaço pra esse tipo de abordagem? É claro que tem, eu sou fã de Velozes e Furiosos. Mas não precisa ser só isso.

 

>> #01: O que torna um filme bom?

>> #02: Representatividade vs. fidelidade ao personagem

>> #03: A arte vale mais do que o artista?

>> #04: O mito do verdadeiro fã e a onda do modinha

>> #05: Existe moralidade por trás da pirataria?

 

Luiz Felipe Mendes
Criador do Pitacos do Leleco e crítico de maior autoridade no mundo do cinema

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).