• Vício sistêmico

A palavra que melhor define Narcos e as suas derivadas é solidez. Nenhuma das temporadas, até então, tinha efetivamente descido o nível de forma drástica. As três da série original são igualmente boas, e as duas primeiras de Narcos: México sustentam o charme. A terceira, no entanto, acaba sendo um ponto fora da curva. Não que ela seja ruim, mas é inegável que fica aquele gostinho de estar faltando alguma coisa, como o Universo Cinematográfico da Marvel depois de Vingadores: Ultimato. E o que exatamente ficou faltando? Ora, é sobre isso que vim conversar hoje, então vamos lá.

Sinopse

Depois da prisão de Félix Gallardo, novamente instaurou-se um vácuo de poder no universo do tráfico de drogas mexicano. O que não faltam são pessoas dispostas a ocupar esse espaço, desde a família Arellano até o insurgente Chapo. Porém, quem demonstra ter a liderança necessária para dominar o cenário é Amado Carrillo Fuentes, trabalhando nos bastidores enquanto os outros postulantes brigam entre si. No lado dos “mocinhos”, Walt Breslin toma como obsessão o desmantelamento dos cartéis, um policial corrupto investiga o desaparecimento de uma adolescente e uma jornalista tenta desmascarar as poderosas figuras políticas por trás do financiamento do tráfico.

Crítica

Nas duas primeiras temporadas de Narcos, tivemos Pablo Escobar como a grande figura central, enquanto Murphy e Peña atuaram como o outro lado da moeda. Na terceira, Peña continuou firme e forte, e o antagonismo foi transferido para os membros do Cartel de Cali. Em Narcos: México, Félix Gallardo foi o vilão das duas primeiras temporadas, com Kiki Camarena sendo o herói da primeira e Walt Breslin, da segunda.

Na terceira e última temporada de Narcos: México, já não seria possível contar com a presença ilustre de Félix Gallardo. Portanto, pra história funcionar, era preciso que algum bom vilão ocupasse a vaga, tendo em vista que Walt era o protagonista menos interessante das duas séries. E é exatamente isso que não funciona tão bem aqui: faltam figuras marcantes de protagonismo e antagonismo.

A trama pode ser dividida em seis grandes blocos de personagens: Walt, Amado, a família Arellano, Chapo, Victor Tapia e Andrea. Esses dois últimos são novidades no elenco, sendo que Andrea também assume o papel de narradora. Todos eles são personagens interessantes, mas funcionam apenas como engrenagens de um mecanismo que carece de motor. Nenhum tem o cacife exigido pra sustentar o foco central do enredo.

Em termos técnicos, não há muito o que criticar na terceira temporada de Narcos: México. A trilha sonora de Gustavo Santaolalla é inspirada e evocativa, e conduz a história de um jeito preciso. A direção é competente, e as interpretações são majoritariamente boas. O problema maior está no roteiro, que cai no repetitivo e acaba sendo apenas uma sombra do que a série já foi. É bem verdade que os episódios vão melhorando gradativamente à medida que a temporada avança, mas eles jamais alcançam um nível de excelência, antes uma marca registrada da obra.

Em compensação, a temporada conta com uma das melhores sequências de tiroteio que eu já vi na vida, ao som de Depeche Mode. Aliás, tá aí uma outra coisa que não dá pra reclamar: as sequências de balas voando são bastante empolgantes. Do ponto de vista da ação, Narcos: México permanece sólida, o problema é quando precisa manter a história viva durante dez horas de duração. A impressão clara que fica é de que não havia conteúdo suficiente pra isso, ou que a abordagem não foi das melhores.

Veredito

Infelizmente, a terceira temporada de Narcos: México é a mais fraca de todo o universo de Narcos. Sem personagens centrais marcantes, a história perde força e em certos momentos fica desinteressante, com deslizes de roteiro e um texto pouco inspirado pro padrão estabelecido. Por outro lado, a ação segue afiada e algumas subtramas chamam a atenção, com importantes dilemas morais e um cuidado narrativo mais acentuado. Vale a pena pra quem é fascinado pela temática do tráfico de drogas, mas não há mais aquele mesmo charme de outrora. Nota final: 3,7/5.

>> 1ª Temporada de Narcos: México

>> 2ª Temporada de Narcos: México

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco

Nota nº 5: sabia que eu agora tenho um canal no YouTube? Não? Então corre lá pra ver, uai: Pitacos do Leleco

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

• Como era de se esperar, o Walt realmente não conseguiu ficar fora da vida de DEA e isso deu um problema com a esposa. Confesso que achei essa trama dele meio previsível. Quantas vezes já vimos, em filmes e séries, o marido que não consegue abandonar o trabalho em virtude da família, ainda mais com temática policial? E que pena que ele ficou naquela vida triste pra sempre, mas o vício dele era o trabalho, então fazer o quê.
• Discordo das pessoas falando que a história do Victor Tapia foi “lenta”. Pô, tudo que não seja um frenesi de tiros e bombas hoje em dia é lento. Reflexo dessa geração cada vez mais ansiosa. Mas enfim, gostei demais da parte dele, e fiquei triste quando o cover do Pinguim de Gotham deu um tiro em sua cabeça e todos os esforços do Tapia foram em vão. E sim, eu sei que ele é um personagem fictício, mas ainda assim.
• Muito significativo o Walt tranquilão ao mandar torturar um cidadão mexicano, e depois se sentindo culpado quando descobriu que o Alex Hodoyan tinha nascido nos Estados Unidos. Isso é a mais pura representação do pensamento americano, que não tá nem aí pros outros e acha que o ataque às Torres Gêmeas foi o pior desastre da história da humanidade (obviamente, foi algo horrível), sendo que a própria nação deles enviou uma BOMBA ATÔMICA no Japão.
• Não pensei que diria isso, mas fiquei sentindo falta dos Arellano Félix quando eles meio que sumiram da temporada. Apesar de tudo, eram antagonistas melhores do que o Amado. E mano, fiquei em choque quando descobri que o Benjamin e a Enedina estão vivos até hoje!!! O Ramón talvez estivesse também, mas foi de arrasta pra cima no meio da estrada.
• Ok, eu não imaginava que o General Rebollo era, na verdade, mais um corrupto. Não tem jeito, a natureza humana sempre vai ser de fazer merda.
• Certo, a sequência de tiroteio do terceiro episódio foi espetacular, ao som de Depeche Mode – Enjoy The Silence. O Barron definitivamente foi o MVP de toda aquela parada, e coitado do Claudio, marido da Enedina, que acabou sendo pego no tiroteio. Também gostei muito do tiroteio do quarto episódio, inclusive. Não foi tão empolgante quanto no capítulo anterior, devido ao fator surpresa, mas ainda assim foi chocante de ver que aquilo aconteceu na vida real e de fato um cardeal morreu no fogo cruzado.
• Já que eu mencionei o Barron, quer uma morte mais estúpida do que ser vítima de uma bala ricocheteada vinda de uma arma do próprio aliado? Diz muito sobre como até o mais fodástico dos soldados pode ter um fim comicamente trágico.
• Fiquei alternando minha opinião em relação à trama dos jornalistas. Acho que a Andrea foi uma personagem OK, cumpriu o seu papel, mas nada além disso. De qualquer forma, achei legal a interação dela com o Walt, deu uma sensação de ciclo se fechando, e a sua caça a Carlos Hank González.
• É muito louco que, da maneira como construíram o personagem do Amado, ele morrer de infarto na mesa da cirurgia, enquanto tentava fazer uma operação pra mudar o rosto, foi algo totalmente deslocado e aleatório. Não consigo imaginar o Amado da série fazendo uma pataquada dessa, mas é perfeitamente possível acreditar em um narcotraficante desesperado recorrendo a essa estratégia.
• Até pensei em ver a série do El Chapo pra poder ter uma noção maior da influência dele no narcotráfico mundial, mas confesso que tenho preguiça. Será que vale a pena?

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

+ Melhor personagem: Victor Tapia
Este novo personagem começou como quem não queria nada. Porém, seu desenvolvimento o consolidou como alguém complexo e de moral acinzentada, turbinando um arco secundário que teve menos espaço, mas se transformou no melhor da temporada.

+ Melhor episódio: S03E03 (“Los Juniors”)
Com direção de Wagner Moura, foi aqui que a história engrenou de vez. A sequência final foi de cair o queixo, embalada por uma excelente trilha sonora, e devo dizer que foi o único momento da temporada que realmente vai permanecer na minha cabeça por anos a fio.

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?