• A limitação dos números
Eu sempre gostei de fazer rankings. Na verdade, vou além: sempre gostei de fazer listas. Isso é um passatempo tão legal pra mim que eu vou acabar fazendo uma lista de todas as listas que eu já fiz. Piadinhas à parte, desde que eu me apaixonei por filmes e séries, tomei como uma tarefa pessoal avaliar tudo de acordo com notas. Aqui no blog, vou de 0 a 5. No IMDb, a avaliação é de 0 a 10. Em cada plataforma, eu classifico com números diferentes, mas a essência é a mesma – tudo precisa receber notas. Por muito tempo, esse foi o meu mantra e até um guia pessoal de produções que valem a pena (ou não) assistir. Com o passar dos anos, percebi que isso estava me prendendo e me limitando.
A arte não pode ser medida igualmente
Se você entrar na minha conta do letterboxd, vai perceber alguns fatos curiosos como Forrest Gump recebendo a mesma nota de Vingadores: Era de Ultron. É loucura da minha parte? Não, por um simples motivo: eu não avalio filmes e séries a partir dos mesmos critérios.
Cada obra possui suas particularidades. Portanto, eu as avalio de acordo com a proposta e o cumprimento dela. O filme quer ter uma história escrachada e cheia de piadas de peidos? Ok, então vou julgá-lo com os meus óculos de comédia besteirol. O filme se propõe a destrinchar personagens complexos em meio a um contexto da Guerra Fria? Ok, então vou julgá-lo com os meus óculos de cinéfilo premium.
A arte não pode ser medida igualmente. Não dá pra colocar produções sem nenhuma semelhança em um mesmo patamar. Eu posso dizer, por exemplo, que acho Invocação do Mal melhor do que Sorria, pois ambos fazem parte do gênero do terror. Por outro lado, não dá pra eu falar que Tropa de Elite é superior a Os Incríveis 2, porque eles não tem nada a ver um com o outro. Entendem onde eu quero chegar?
Quem bate o martelo, se limita
Agora que eu expliquei por que a avaliação por notas precisa ser colocada frente a um contexto mais amplo, vamos conversar sobre o principal problema que surge a partir disso. Eu me considero uma pessoa que muda constantemente de opinião. O que eu acho sobre algo hoje pode ser muito diferente do que eu acho amanhã. O ser humano está em constante movimento, por mais clichê que isso possa parecer. Portanto, estabelecer opiniões como elementos pétreos só serve pra nos limitar.
Pra quem não se lembra ou não estava por aqui na época, nos primeiros anos do blog eu colocava as notas de cada filme ou temporada de série na imagem de capa, pra chamar a atenção das pessoas. Posteriormente, parei de fazer isso e comecei a coloca a nota dentro do pitaco, lá na parte de Veredito. Por quê? Tudo foi desencadeado pela segunda temporada de Westworld. Eu simplesmente não conseguia decidir se ela valia 4 Lelecos ou 4,5 Lelecos. Eu postei no Instagram de uma forma, mas quase imediatamente me arrependi.
Tudo aquilo me provocou uma grande reflexão: alguns números aleatórios são mais importantes do que a minha argumentação? Dizer que uma temporada é 4,1/5 ou 3,9/5 vale mais do que explicar quais as qualidades e defeitos da obra em questão? Diante de tudo isso, eu mantive a nota apenas no Veredito, como já mencionei, justamente porque eu teria a liberdade de alterar os números sempre que mudasse de opinião a respeito.
Mesmo assim, eu confesso que às vezes me dava preguiça de ficar constantemente editando publicações que já foram postadas, e eu tinha a impressão de que isso “enfraquecia” a minha credibilidade (que eu nem sei se existe). Afinal de contas, há muitos que consideram mudanças de opinião como provas de que tal pessoa é influenciável ou incapaz de sustentar as próprias visões.
Não vou negar que existe gente assim, sem firmeza pra defender os pontos de vista pessoais. Contudo, não é algo tão preto no branco. Eu já mudei muitas vezes a minha perspectiva sobre filmes e séries depois de conversar com amigos, ler comentários ou ouvir críticos que eu gosto. Isso não me torna fraco, pois ajuda a expandir os meus horizontes e promover debates em que haja uma verdadeira troca.
O fim de uma era (que drama, hein?)
Depois de pensar por muito tempo, resolvi fazer uma pequena mudança no Pitacos do Leleco, mas que pra mim é gigantesca. Eu já vinha testando isso nas Curtinhas do Leleco, mas agora resolvi expandir pra todas as postagens. A partir de agora, eu não vou mais avaliar filmes e séries por notas, pelo menos não dentro das postagens em si. A única exceção será a parte do Clube de Cinema, porque é algo que eu faço em parceria com amigos meus. Eu quero que a minha argumentação seja mais valorizada, sem precisar ficar me apoiando em números.
Ainda assim, o Gabarito do Leleco vai continuar existindo, e eu vou sempre atualizá-lo quando postar a crítica de uma temporada nova. O sentido não é abolir totalmente as notas, e sim fazê-las funcionar a meu favor, como um guia. Pode ser que você acesse o post e veja que tal temporada ganhou nota 3,7, para no dia seguinte ela ter mudado pra 3,5. Eu sinceramente acho que isso me fará bem e me dará mais liberdade pra entregar a melhor argumentação possível.
Não tem problema gostar de avaliar as coisas por notas. Acho que eu já deixei bem claro que eu amo fazer isso. Mas, se você me permite te dar uma dica, lá vai: não transforme isso em uma obsessão, e não trate o consumo de filmes e séries como uma atividade mecânica, como se fosse um professor tendo de avaliar as provas de seus alunos por critérios puramente objetivos. E ah, não se esqueça de que o mundo de quem se limita é bem mais sem graça do que o de quem vive em constante mudança. Como diria Raul Seixas…
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Luiz Felipe Mendes
Criador do Pitacos do Leleco e crítico de maior autoridade no mundo do cinema