Suspense/Terror

American Horror Story: 6ª Temporada (2016)

American Horror Story Roanoke

• Excesso de metalinguagem

Acho que cometi um erro. Minha namorada, com quem eu moro, viajou pra São Paulo a fim de passar um tempo com a família. Como eu passaria alguns dias sozinho em casa, decidi retomar algumas séries que vejo apenas comigo mesmo. A próxima da lista era American Horror Story, que, apesar do nome, poucas vezes me deixou realmente com medo. Porém, eu dei o azar de me topar com uma das temporadas de terror mais “clássico” de AHS até aqui, e não foi uma boa ideia ver sozinho no meu apartamento. Pelo menos, com a ajuda do cobertor por cima do meu corpo, sobrevivi pra contar a história e vim aqui escrever o que achei de Roanoke.

 

Sinopse

Se você tá aqui pra ler sobre a sexta temporada de American Horror Story, provavelmente já assistiu às outras, né? Não que isso seja estritamente necessário, mas enfim. A primeira temporada teve o subtítulo de Murder House, a segunda de Asylum. As três seguintes foram chamadas de Coven, Freak Show e Hotel, respectivamente. Cada um expunha a locação onde a história acontecia. Nesta sexta temporada, o subtítulo é Roanoke, pois o cenário principal tem como enfoque o mistério da Colônia de Roanoke, um assentamento na Carolina do Norte que desapareceu sem deixar vestígios. Esse enigma histórico se entrelaça com as vidas de Shelby e Matt, que compram uma casa isolada na zona rural. Como era de se esperar, coisas estranham começam a acontecer no local, despertando uma ameaça secular.

Quem em sã consciência decide morar em lugar desses, velho?

Crítica

Metalinguagem é uma das funções da linguagem e está relacionada a mensagens que deixam em evidência a própria linguagem utilizada na comunicação. Desse modo, é identificada em textos verbais e não verbais que se voltam para si mesmos, como um filme que fala de cinema. Fenômeno diferente da intertextualidade, que se configura no diálogo entre dois ou mais textos.

A explicação acima não é minha, mas sim do Brasil Escola. Peguei o conceito deles porque eu teria dificuldades de explicar mais claramente do que isso, e saber o significado de metalinguagem é essencial para compreender esta crítica que vos fala. A questão é que a sexta temporada de American Horror Story tem um formato diferenciado. Não é apenas uma ficção. Em vez disso, trata-se de uma ficção travestida de realidade. Em outras palavras, a decisão criativa de Roanoke é de contar a história como se ela fosse um documentário, com dramatizações feitas por atores e inspirados em personagens “reais”, pelo menos naquela realidade.

Essa estratégia é o maior trunfo da temporada, ao mesmo tempo em que é a sua queda. A ideia é contar a história inteira por meio de lentes – sejam elas das câmeras dos documentaristas, de uma câmera de segurança, de um telejornal ou de uma dramatização. Em um filme, como A Bruxa de Blair, isso tende a funcionar muito bem. Existe até um subgênero no terror com essa estrutura, chamado “found footage horror”. Porém, em uma temporada de dez episódios, tal conceito pode se mostrar bastante cansativo.

Na parte de enredo, Roanoke não é muito impressionante. A sexta temporada de American Horror Story importa estilos de narrativa que já vimos antes na própria série, mascarando essa falta de inovação do roteiro com um mecanismo diferente de aplicação do mesmo. O problema se agrava quando o roteiro para de se preocupar com o texto pra focar na transmissão de experiência. Pra quem deseja só levar uns sustinhos aqui e ali e sentir um climinha de terror, não há como negar a eficácia. Contudo, quando entra no campo dos diálogos e da progressão dos acontecimentos, a série derrete.

Pra não deixar essa minha parte da avaliação excessivamente vaga, vou trazer uma cena como exemplo, evitando dar muitos detalhes. Em determinado episódio, os personagens são capturados por duas pessoas, que os transportam em uma caminhonete. Um dos sequestradores morre, enquanto o outro se vê desarmado e desnorteado. Naquele momento, os mocinhos têm disponíveis uma escopeta e uma caminhonete ligada. Pra fugir dali, eles poderiam ter usado a arma pra matar o caboclo, ou pelo menos obrigá-lo a se render, ou então entrado na caminhonete e disparado floresta afora. O que eles fazem? Deixam a escopeta e a caminhonete no mesmo lugar e fogem pra DENTRO da floresta, arriscando ser recapturados pelo sequestrador remanescente. Eu sei que o medo pode prejudicar o julgamento, mas a série quer mesmo que eu acredite em tamanha falta de noção?

Esse tipo de incongruência aparece em incontáveis momentos ao longo da temporada. Os diálogos porcos e o exagero na construção de certos personagens também são fatores negativos. American Horror Story definitivamente não sabe ser sutil. Se quer mostrar que alguém é vilão ou antagonista, exagera nas características e só faltava colocar uma risada maléfica pra valorizar ainda mais a maldade alheia. Essa falta de sutileza contribui para que os personagens da série não pareçam reais, mas sim… meros personagens de uma série.

Por outro lado, o estilo “quem vai sobreviver no final?” dá um toque de magnetismo, fazendo com que a gente se sinta atraído constantemente a fim de descobrir de que maneira a história vai acabar. Como terror físico e clássico, Roanoke é consistente em sua proposta, embora esbarre na superficialidade. Você provavelmente não sentirá tédio enquanto assiste, mas definitivamente se perguntará o porquê de determinadas atitudes dentro da história.

A Bruxa de Blé

Veredito

American Horror Story: Roanoke não tem a melhor história, tampouco os personagens mais marcantes. A ambientação é a mais fraca das seis temporadas até aqui e a narrativa se prende demais em si mesma, a ponto de se mostrar frequentemente sem lógica. Os diálogos são, por vezes, sofríveis, e a progressão do enredo é atabalhoada. No entanto, ninguém pode negar que, em termos de construção de tensão, a sexta temporada é a que mais soube se aproximar da sensação primordial almejada pelo terror: o medo. Nem sempre o roteiro aproveita bem todas as suas próprias criações, mas coloca a dose certa de receio constante pra nos impelir a continuar assistindo. Nota final: 2,9/5.

Não gostou desta temporada? Então vai pra Cuba!

 

>> 1ª Temporada de American Horror Story

>> 2ª Temporada de American Horror Story

>> 3ª Temporada de American Horror Story

>> 4ª Temporada de American Horror Story

>> 5ª Temporada de American Horror Story

 

Nota: caso eu tenha usado algum termo desconhecido para vocês, meus queridos e queridas leitoras, não hesitem em acessar esse post aqui, ó: Glossário do Leleco

Nota nº 2: quer conhecer melhor a história do blog e os critérios utilizados? Seus problemas acabaram!! É fácil, só acessar esse link: Wiki do Leleco

Nota nº 3: bateu aquela curiosidade de saber qual exatamente é a nota das temporadas, sem arredondamentos? Se sim, dá uma olhada aqui nesse link. Se não, pode dar uma olhada também: Gabarito do Leleco

Nota nº 4: pra saber sobre quais séries e temporadas eu já fiz críticas no blog, é só clicar aqui: Guia do Leleco

Nota nº 5: sabia que eu agora tenho um canal no YouTube? Não? Então corre lá pra ver, uai: Pitacos do Leleco

 

~ OBSERVAÇÕES SPOILENTAS: NÃO LEIA A NÃO SER QUE JÁ TENHA VISTO A TEMPORADA INTEIRA. O AVISO ESTÁ DADO ~

 

  • Vamos falar sobre o quanto são toscas as passagens entre cenas com “Roanoke Nightmare” escrito na tela? Sério, eu sei que eles miraram naquelas séries documentais sensacionalistas na vida real. Ainda assim, quando o documentário parou de ser dramatização e passou a conter filmagens reais daquele universo, eu só conseguia pensar se fosse de fato um documentário na nossa realidade. Imagina a cabeça dos familiares das vítimas que foram massacradas vendo a série expor os fatos daquela maneira? Além disso, achei engraçado que o documentário mostrou sangue a rodo, mas censurou palavrões. Suco de Estados Unidos da América.
  • Quem morreu mais dolorosamente na temporada, Cricket ou Elias? Um foi estripado, enquanto o outro teve os membros literalmente comidos e os dentes e a cabeça amassados por um martelo. Menção honrosa aos adolescentes empalados e queimados. Esperta foi a Audrey, que levou uma saraivada de tiros pra pelo menos ter uma morte rápida.
  • Certo, o formato da sexta temporada de American Horror Story. Tinha um documentário, depois uma sequência do documentário, depois um outro programa, vídeos dos adolescentes, depois outro programa, e mais outro, só pra justificar a história sendo contada pelas câmeras. Pra mim, o formato de documentário tinha de ter sido abandonado na metade da temporada. Depois disso, ficou chato e sem sentido. Imagina se, a partir do sétimo episódio, o formato tivesse voltado ao “normal” e a série apresentasse uma abertura, igual nas outras temporadas? Teria sido maravilhoso. Você me paga, Ryan Murphy. Pelo menos não matou a Lana Banana.
  • Ah, sobre o personagem do Evan Peters: meh. Nada demais, me lembrou o Dandy Mott de Freak Show. Inclusive, muito interessante que o próprio Edward seja ancestral do Dandy, faz total sentido. Os mesmos maneirismos chatos e irritantes.
  • Vamos combinar que o Sidney foi um personagem extremamente caricato. O tal executivo malvado que faz tudo por dinheiro, só faltou soltar um MUAHAHAHAHA. Queria que ele tivesse visto que o rolê de Roanoke era tudo verdade, o cara morreu pensando que a única ameaça daquele lugar era a Açougueira Fake. Ou, e me respondam uma coisa, como é que tinha câmeras na casa dos Polk canibais? Eles mesmos colocaram lá ou a equipe do documentário conseguiu essa façanha de alguma maneira?
  • R.I.P. Diana Cross, a única pessoa que tentou fugir diante de uma situação de espíritos e mesmo assim se ferrou. Pra lembrar: Diana Cross era a assistente do Sidney, que saiu de carro depois de uma pessoa morrer com uma motosserra e seu chefe sequer conceder um dia de interrupção das filmagens. Será que isso é um indicativo de que as pessoas que não tentam fugir em filmes de terror estão certas, e as que tentam estão erradas? American Horror Story subvertendo conceitos, quem diria.
  • Eu queria que a série tivesse abordado melhor a questão da sanidade mental dos sobreviventes. Claramente, eles enlouqueceram depois dos eventos, mas acho que isso poderia ter ficado mais evidente. A Shelby matando o Matt achei muito do nada. Aquilo tudo foi puramente motivado pela loucura ou ela era possessiva? E o próprio Matt, ele obviamente não sentia uma atração natural pela bruxa, faltou a história mostrar que as consequências de Roanoke vão muito além da morte.
  • Confesso que levei uns dois ou três sustos com o Cabeça de Porco. Um visual clássico, mas eficiente. Só que gostei ainda mais da fisicalidade dos Chen, aqueles movimentos corporais esquisitos e rostos sem expressão. A Açougueira é a mais OK, se pararmos pra pensar.
  • Achei muito nada a ver a Audrey dizendo “sinto que uma parte de mim morreu com ela” imediatamente após ver a Shelby morta na sua frente. Se essa fala tivesse sido alguns minutos depois, faria sentido com a personagem. Naquele momento, senti como se fosse o roteiro dizendo, e não a personagem. Quebrou um pouco a imersão.
  • O final foi beeeem questionável. Lee de repente ficando na casa com a Priscilla e a Flora indo embora achei tão bosta, gente. Queria também ter descoberto mais sobre a bruxa, queria que o arco da Açougueira tivesse chegado ao fim, queria tanta coisa que não rolou. Pelo menos a reviravolta da Lee realmente ter matado o Mason foi inesperada e chocante.

 

~ FIM DAS OBSERVAÇÕES SPOILENTAS. A PARTIR DAQUI PODE FICAR DE BOA SE VOCÊ AINDA NÃO VIU ~

 

+ Melhor personagem: Lee Harris
Foi desafiador eleger a Melhor Personagem, mas creio que o prêmio da Lee seja merecido. O motivo? É quem mais se parece com uma pessoa real, mostrando uma imprevisibilidade que tornou possível a identificação. Além disso, ela protagonizou vários bons momentos da temporada. A Açougueira da atriz Kathy Bates também chama a atenção, assim como a divertida Audrey.

Virar uma alcoólatra foi como ela escolheou Leedar com os traumas

+ Melhor episódio: S06E07 (“Chapter 7”)
Gostei de como, de repente, viraram a temporada de cabeça pra baixo. Deu uma renovada legal pros episódios finais.

Você conhece o Marcelo? Que Marcelo? Aquele que te mata com o cutelo

 

Ei, você! Tudo joia? Pois é, eu também tô bem. E já que agora temos intimidade, comenta aí o que cê achou da temporada. Opiniões são sempre bem-vindas, e é importante lembrar que nos comentários spoilers estão liberados. Se você não quiser vê-los, corre logo pra assistir e depois volte aqui, beleza?

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).