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ArtigosdoLeleco #08 – O embate eterno entre dublado e legendado

ArtigosdoLeleco #08: O embate eterno entre dublado e legendado

• A barreira da língua

Uma das discussões mais antigas no mercado do entretenimento brasileiro é a famigerada guerra entre conteúdo dublado e legendado. Pra qual desses times você torce? Eu já tenho minha paixão muito bem estabelecida, mas podem ficar tranquilos que eu não vou ser radical neste belíssimo artigo que está prestes a começar. Parece que hoje em dia as pessoas não estão sabendo conversar direito, tudo tem que ser uma batalha ideológica violenta. Por isso, no ritmo good vibes, bora lá pro tema da vez.

 

A dublagem está mais próxima da preguiça intelectual ou da acessibilidade?

Já inicio com um questionamento polêmico. Falando da minha experiência pessoal, tenho duas pessoas da minha família que preferem assistir a filmes e séries dublados. Os motivos? As legendas passam “muito rápido” e dificultam o entendimento, ou então o “excesso de texto” acaba atrapalhando a captação de atenção.

É claramente perceptível que as pessoas estão cada vez com mais preguiça de ler. Isso eu posso dizer com plena consciência do que tô falando. Pra aqueles que não sabem, eu sou formado em Jornalismo, e lido todos os dias com palavras nos locais em que eu trabalho. Nesses dias, o pessoal publicou um vídeo de um canguru segurando um cachorro e um homem aparecendo pra salvar o animal menor, resolvendo a questão no soco. Na legenda do vídeo, tem o relato completo do fato, dizendo que o cachorro não saiu com ferimentos graves. Além disso, no próprio vídeo, dá pra ver o cachorro escapando normalmente.

Eis que, nos comentários, me deparo com uma pessoa perguntando: “mas o que aconteceu com o cachorro?”. Esse tipo de coisa me dá nos nervos. Atualmente, todo mundo quer tudo mastigadinho até demais. Se um fato não pode ser resumido em um vídeo de 10 segundos ou em um texto de 3 linhas, já não serve. E por que eu dei essa volta tão grande? Porque a preguiça de ler uma notícia é a mesma preguiça de ver um conteúdo legendado. Escutar é muito mais fácil do que ler, e infelizmente a grande maioria adota esse pensamento. Um levantamento do UOL, de 2021, utilizando dados do Ingresso.com, demonstrou que 73% das entradas de cinema no Brasil foram para filmes dublados.

Agora, isso quer dizer que TODO MUNDO que assiste filme dublado é intelectualmente preguiçoso? Claro que não, e não caiam nessa lorota. Da mesma forma que essa afirmação não é verdadeira, também é falso dizer que os adoradores de filmes legendados são todos inteligentes. Na real, tá bem longe disso.

Há muitos outros motivos pra querer ver algo dublado. Um deles é poder apreciar uma obra audiovisual de forma mais “atenta”, podendo captar alguns detalhes que escapam quando nossos olhos se direcionam para a legenda. Outro tem a ver com acessibilidade. Nem todas as pessoas têm condições de exercitar a leitura. De acordo com o IBGE, são mais de 11 milhões de brasileiros que sequer sabem ler – e isso não tem relação alguma com preguiça intelectual. A gente sabe como a educação é desvalorizada no nosso país, o que acaba refletindo em outros campos da sociedade, inclusive no entretenimento.

Por fim, é preciso reconhecer que a dublagem brasileira é uma das melhores do mundo. Eu já vi algumas dublagens de outros países, e nenhuma chega perto da capacidade de adaptar algumas falas e sincronizá-las com as bocas dos atores. Isso sem falar nas animações, sobretudo da Pixar, que em grande parte das vezes ficam melhores na versão dublada do que no original. Eu mesmo, embora prefira legendado no geral, escolho ver dublado na maioria das vezes em que dou play em uma animação.

Não assistir a esse filme dublado é perder a oportunidade de ouvir o hit “bota esse treco de volta senão o bicho pega”

Um filme legendado ajuda (e muito) a captar todas as nuances

Pra mim, o ideal é que todo mundo soubesse falar todos os idiomas do mundo pra não precisar nem de legenda e nem de dublagem. Porém, como isso é impossível, eu ainda acho que filmes e séries legendados sempre vão trazer mais nuances simplesmente porque o som original é vital pra apreciar os aspectos técnicos de um conteúdo.

A começar pelas atuações. Por melhor que um dublador seja, ele nunca vai conseguir transmitir a mesma carga de emoção da pessoa que está aparecendo na tela. E isso não é demérito do dublador, é só porque as pessoas são diferentes. Mesmo que a gente tente imitar alguém, sempre haverá diferenças. Portanto, a dublagem nunca vai conseguir ser capaz de transmitir o sentimento que um ator ou atriz está tentando passar no personagem que interpreta.

Filmes de drama e terror são os que mais evidenciam isso, pra mim. Consigo ver comédias, ficções científicas e romances dublados sem nenhum problema, mas os outros dois gêneros simplesmente não me descem com a dublagem. O drama exige muito da capacidade de interpretação do elenco, e o terror é uma experiência que varia muito de país para país. O estilo de terror dos EUA é totalmente oposto ao do Japão, e ambos são bem diferentes do Brasil. Quando colocamos um terror estilo O Exorcista com o português sendo falado, o resultado fica um tanto quanto estranho.

Outro fator que advoga a favor do conteúdo legendado é o processo de familiaridade com línguas diferentes. Quando assistimos apenas a filmes dublados, ficamos muito presos no contexto do português. Quando passamos a assistir filmes legendados, sejam eles da Inglaterra, da Rússia ou da Tanzânia, passamos a ter contato com idiomas e culturas diferentes, o que acaba expandindo o nosso conhecimento. Além disso, é excelente pra quem deseja aprender determinadas línguas. Comigo aconteceu justamente isso. Ver filmes e séries e jogar videogame com áudio em inglês me ajudou a me tornar mais fluente nesse idioma.

Ainda tem uma outra questão que me faz preferir as legendas: frequentemente, eu tenho muita dificuldade de escutar o que tá acontecendo em tela, ainda mais quando há uma mixagem de som ruim. E, quando eu perco um diálogo falado, sinto que minha experiência foi prejudicada. Até mesmo quando vejo conteúdo nacional, eu costumo colocar legenda pra, caso não tenha ouvido alguma coisa, é só ler pra não me perder. Tomei essa decisão muito por causa de um filme brasileiro chamado Operações Especiais, em que eu não conseguia entender direito o que os personagens estavam falando. Até hoje, eu considero que oficialmente não assisti a esse filme, pois não compreendi absolutamente nada da história. Ah, e pra encerrar, não podemos esquecer da população surda. Legendas também servem ao propósito da acessibilidade.

Um demônio do barulho vai aprontar uma confusão daquelas!

Existe um “certo” ou “errado” em meio a esse assunto?

Se você tá familiarizado com os meus artigos, sabe bem que eu jamais vou desconsiderar experiências pessoais, pois elas variam. O que é bom pra mim pode não ser bom pra você. No meu caso, eu prefiro não assistir a um filme do que vê-lo dublado (ainda mais se eu for pagar pra ver no cinema), a não ser que seja animação ou algum caso bem específico, como os primeiros filmes do Harry Potter, que eu assistia dublado quando era criança e acabei pegando apego emocional.

Contudo, isso sou eu. Não cabe a mim dizer o que as outras pessoas devem fazer. Este texto é apenas um emaranhado de argumentações contra e a favor de cada uma das opções. O que não pode rolar é o que eu já mencionei lá em cima: achar que a maneira como você consome um conteúdo te faz melhor do que alguém.  

É leviooosa, e não leviosaaa

 

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Luiz Felipe Mendes
Criador do Pitacos do Leleco e crítico de maior autoridade no mundo do cinema

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).