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ArtigosdoLeleco #09 – Assistir a filmes e séries virou um mero consumo?

assistir a filmes e séries virou um mero consumo

• O consumo pelo consumo

Há não muito tempo, o ato de assistir a algo era sinônimo de separar algumas horas do seu dia pra ficar sentado, sem precisar se distrair com outras coisas além do que estava se desenrolando na tela. Não é mais assim. Em uma sociedade cada vez mais acelerada e desesperada por estar por dentro de tudo a todo momento, a explosão de conteúdo em Netflixes, Prime Videos, HBO Maxes e afins contribuiu para o nascimento da ideia de que, se há um pequeno momento livre do dia, PRECISAMOS aproveitá-lo a qualquer custo. Transformamos, portanto, o audiovisual em um mero segmento de consumo e as nossas vidas em um reality show ambulante?

 

O ‘efeito streaming’

No início da década passada, teve início a era das plataformas de streaming, aniquilando as locadoras e prometendo oferecer alternativas mais democráticas de conteúdo, fugindo assim do sistema de TV a cabo que imperava até então. Parecia que só coisa boa viria disso. Afinal, a gente teria diferentes títulos a nossa disposição, sem comerciais, pra assistir no momento em que tivéssemos vontade. Não tinha como dar errado!

E foi aí que entrou o dinheiro. A Netflix, que reinava sozinha, começou a gerar concorrência. Sem problemas, até porque nenhuma empresa deve dominar um mercado inteiro; é necessário haver competitividade. E então vieram Amazon Prime Video, HBO Max, Disney+, Star+, Paramount+, Globoplay, Apple TV+, Telecine Play… e vocês sabem onde isso desemboca.

Antes, a gente gastava R$ 200 com TV a cabo. Depois, passou a gastar R$ 30 com uma assinatura da Netflix. Agora, pra termos acesso ao conteúdo mais diversificado possível, temos de desembolsar R$ 200 por mês. Evoluímos e regredimos, e infelizmente é assim que o progresso acontece. Um passo pra frente, dois pra trás. Dois passos pra frente, um pra trás.

Minha expressão depois de ver que estou assinando aproximadamente 37 plataformas de streaming

Conexão a todo instante e o FOMO

Vocês já ouviram falar em FOMO? O termo em inglês significa “fear of missing out”. Traduzindo, é algo como o “medo de ficar por fora”. Na minha humilde opinião, o mercado do entretenimento é o que mais gera essa sensação, justamente pela estratégia agressiva utilizada pelas empresas.

Lembram quando saía um filme novo e ele gerava discussões por semanas a fio? Esqueçam essa realidade. Se sair um filme hoje, amanhã ele já será esquecido. O mesmo vale para a nova temporada de uma série. Se você demorar uma semaninha que seja, já terá perdido o fio da meada e todo mundo estará falando sobre outra coisa. Simples assim. Com a Netflix, isso é ainda mais evidente, porque eles metralham os assinantes com um conteúdo novo atrás do outro, sem dar tempo pra gente respirar.

Em um mundo dominado pelas redes sociais, status vale ouro. Assim, se você fala que gosta de filmes e séries, precisa estar por dentro de tudo. Absolutamente tudo. Não pode simplesmente deixar uma Wandinha passar, ou não estar atualizado na temporada mais recente de Stranger Things. Se você tem problemas com spoilers, piorou. Assim que uma temporada nova sair, estará todo mundo comentando acerca dos principais acontecimentos no Twitter X, Facebook, Instagram ou seja lá onde for. Como conseguir vencer essa batalha, então? Ora, é preciso otimizar o tempo.

Você tá no ônibus e chega no trabalho em 20 minutos? Use esse tempo pra ver metade de um episódio no celular! Você tá no banho e não quer ficar ouvindo a água caindo ou se enfiar dentro dos próprios pensamentos? Abra o YouTube e coloque um vídeo conspiracionista qualquer! Essa obsessão por estarmos por dentro de tudo, potencializada pela quantidade incessante de plataformas de vídeos, vai deixando a gente doente pelo consumo.

Mas o que isso significa? Bom, meus jovens leitores, significa que nós deixamos de assistir séries e filmes porque queremos, e agora o fazemos porque nos sentimos obrigados a isso. Desta forma, não importa se estamos vendo em uma TV de 55 polegadas ou numa tela de micro-ondas. Não importa mais se estamos realmente absorvendo aquilo que estamos vendo, o que importa é que todo mundo saiba que a gente viu. Assim, as discussões se empobrecem e se limitam a comentários a respeito da reviravolta final de uma temporada, excluindo qualquer outro tema que tenha sido abordado antes disso.

Tocando o terror, hehe

E de quem é a culpa?

Pra quem não sabe, eu sou formado em Jornalismo. Quando vou separar uma notícia pra postar, preciso levar em conta o que as pessoas vão ler. Já perdi as contas de quantas matérias eu escrevi sobre temas pertinentes à sociedade, com levantamentos de dados e coisas do tipo, apenas pra ganhar 3 curtidas na publicação. Quando eu mudo o foco e decido postar sobre a mais recente polêmica da Virginia Fonseca, a publicação se enche de curtidas e comentários.

O mais irônico é que uma boa parte desses comentários é composta por gente questionando: ain, mas qual é a relevância desse assunto? E vocês acham que essas mesmas pessoas comentam nas matérias sobre dados pertinentes à sociedade? Nem sequer leem. De quem é a culpa, portanto, do jornalismo estar cada vez mais parecido com fofoca? Dos jornalistas ou dos consumidores?

E, trazendo essa discussão de volta pro cinema, de quem é a culpa do consumo da arte estar cada vez mais raso e imediatista? Das plataformas ou dos consumidores?

É uma faca de dois gumes: um depende do outro. Talvez eu seja um pouco chato aqui, mas assistir a um filme ou uma série não deve ser tratado como uma atividade automática, como se estivéssemos comendo batatas fritas oleosas sem nem estar com fome. Eu não consigo entender como alguém consegue ficar conversando ou mexendo no celular enquanto tá passando algo que a própria pessoa escolheu assistir. A não ser que seja um reality show ou algo do tipo, isso é outro papo.

A dica que eu dou é: se você realmente gosta de assistir a filmes e séries, respeite a sua própria paixão. Se é pra parar uma parte do seu dia pra isso, então deixe as outras atividades de lado e veja da melhor maneira possível. Independentemente da mídia que você optar, não tente fazer mais do que uma coisa ao mesmo tempo e saiba abrir mão daquilo que você não precisa obrigatoriamente consumir.

Coisas que eu me recuso a assistir por questão de princípios (o reality, não a série)

 

>> #01: O que torna um filme bom?

>> #02: Representatividade vs. fidelidade ao personagem

>> #03: A arte vale mais do que o artista?

>> #04: O mito do verdadeiro fã e a onda do modinha

>> #05: Existe moralidade por trás da pirataria?

>> #06: A importância da história lenta

>> #07: Por que mortes de personagens queridos fortalecem uma história?

>> #08: O embate eterno entre dublado e legendado

 

Luiz Felipe Mendes
Criador do Pitacos do Leleco e crítico de maior autoridade no mundo do cinema

Publicado por Luiz Felipe Mendes

Fundador do blog Pitacos do Leleco e referência internacional no mundo do entretenimento (com alguns poucos exageros, é claro).